O segundo dia pela Serra da Tramuntana trouxe uma jornada de imersão na natureza que passou por uma rara cascata maiorquina no meio de um bosque, por um vale cercado pelos mais altos picos da ilha e por um dos mais bonitos pedaços de costa. Não deixando de visitar mais uma inspiradora aldeia, um castelo altaneiro e uma estrada serpenteante.

O Salt des Freu é alcançável após uma fácil caminhada de 25 minutos, por um trilho que antigos carvoeiros usavam, e que passa primeiro por um prado rodeado de montanhas e entra, depois, por um bosque de pinheiros e azinheiras. Em Maiorca não há rios, há antes torrents, barrancos secos que em épocas de chuva deixam que a água corra em correntes agitadas que, dependendo da maior ou menor pendente, podem formar quedas de água.


Este Salt des Freu cai de uma altura de cerca de 10 metros e é antecedido e sucedido por outras pequenas cascatinhas em diferentes patamares. É procurado por quem quer conhecer paisagens diferentes na ilha e por aventureiros do canyoning.



Quer vindos de Bunyola, quer de Orient a estrada é sempre bonita. Orient, uma aldeia pequeníssima instalada a 460 metros de altitude num vale rodeado por alguns dos mais altos picos da ilha que ultrapassam os 1000 metros, é uma povoação que virá da época talyotica, embora o seu primeiro registo seja de 1233. A serenidade que nela se vive é intensa, no meio das suas casinhas de pedra e envolvidos pelo cenário de montanha.


Aqui perto, com estacionamento junto ao Hotel Hermitage, começa uma das mais populares caminhadas da ilha, até ao Castelo de Alaró. Passamos por uma fonte e por oliveiras centenárias que foram tomando diversas formas ao longo do tempo, tudo com vista para o mesmo vale de Orient e para os picos da Tramuntana. Já na outra vertente, a vista debruça-se sobre a vila de Alaró e alcança o mar. Até que damos com uma impressionante parede rochosa, agora escolhida para actividades de escalada, onde no topo foi instalado o Castelo.




O Castelo de Alaró, no Puig de mesmo nome, está a 820 metros de altitude e é um castelo roqueiro. A primeira vez que foi mencionado foi num documento do ano de 902, na época da chegada dos muçulmanos à ilha. Dada a sua implantação geográfica, era considerado inexpugnável e provou sê-lo quando os cristãos maiorquinos aqui resistiram oito anos aos ataques dos mouros, só cedendo por falta de mantimentos, e quando os próprios mouros aqui buscaram refúgio aquando da conquista da ilha por parte de Jaime I, em 1229. Com o tempo foi perdendo a sua função militar e no sítio está hoje a capela Oratori de la Mare de Déu del Refugi, construída em 1622 e desde aí lugar de peregrinação. Restam ruínas das muralhas do castelo e da sua torre de defesa, bem como cisternas.


As vistas do alto da fortaleza, já se adivinha, são fabulosas – estamos no Puig d’ Alaró e vemos o Puig de s’ Alcadena (e sabemos que do outro lado está o Tossals Verds e as barragens de Cuber, donde saem uma série de caminhadas, e pouco mais longe estará o Puig Major, o maior da ilha, com 1445 metros de altitude). Um imenso cabeço calcário com vegetação no cimo faz-nos lembrar a imagem da Chapada da Diamantina, no Brasil, mesmo que nunca lá tenhamos estado. É um cenário deveras impressionante, daqueles para jamais esquecer.

Já cá em baixo, na estrada, nova vista para ambos os montes, Puig d’ Alaró e Puig de s’ Alcadena, desta vez irmanados e, vemos agora, de silhueta similar.


Para algo totalmente diferente nesta jornada, mas uma constante na Tramuntana, dirigimos agora em direcção ao mar da costa noroeste de Maiorca. A estrada oferece cenários de montanha incríveis, mas à aproximação de Sa Calobra a própria estrada torna-se uma atracção. É a carretera MA-2141 que, com os seus ziguezagueantes 14 quilómetros, é considerada uma das mais bonitas e espectaculares de Espanha. Por entre curvas apertadas que se sucedem umas às outras, num asfalto algo estreito que tem de ser partilhado entre carros e bicicletas, esta estrada construída em 1932 vence um desnível de 800 metros entre a serra e o mar, com grandes vistas das falésias na viagem. O azul do mar vai anunciando-se em determinados pontos de vista.




O lugar de Sa Calobra não é menos espectacular. Caminhando pela promenade, depois de um túnel chegamos ao ponto onde o Torrent de Pareis se junta ao Mediterrâneo logo após romper duramente as falésias. Então, duas paredes rochosas de altura respeitosa formam uma pequena praia – de areia – que deixa muito espaço para trás ao longo do canyon. Tem cerca de três quilómetros, mas vale a pena caminhar umas centenas de metros por ele para se sentir a dimensão do fenómeno que se foi formando há milhares de anos.




A última paragem do dia aconteceu no Santuário de Lluc, novamente entre montanhas, outro dos lugares emblemáticos da ilha, construído no século 16. Refúgio de montanha, aqui pode pernoitar-se entre caminhadas ou tão só para experimentar passar uma noite de total apartamento do mundo. A nós tocou-nos apenas visitá-lo, mas pudemos ainda assim sentir toda a harmonia do lugar. O claustro / jardim, antecedido por um cruzeiro trabalhado, é ladeado pelos alojamentos para os peregrinos / visitantes – a parte térrea servia para os cavalos na época em que os peregrinos se deslocavam transportados por eles. Mais atrás, a basílica do mosteiro é muito bonita, com altar e tecto em talha dourada, e a sua sacristia guarda a imagem medieval da Virgem (de pedra arenito policromado, enegrecida pelo tempo; a negritude da Virgem tornou-se um símbolo – “morena pelas dores que suportou”, escreveu o poeta) e os escudos das várias localidades de Maiorca.



O Pujolet, mais acima, é parte do caminho des Misteris onde, diz a lenda, um pastor de nome Lluc encontrou a imagem da Virgem – subimos a escadaria até lá mas o acesso ao lugar estava fechado. De qualquer forma, pudemos conhecer o curioso relógio de sol que se encontra ali perto. E se o fim de tarde não deixou visitar nem o jardim botânico, nem o centro de informação da Serra da Tramuntana, aqui instalados, deixou em nós a vontade de numa próxima visita aqui pernoitar, podendo assim usufruir de todo o poder da Tramuntana.