Geograficamente, o norte da ilha de Maiorca tem a forma de setas apontadas na direcção do mar, três penínsulas – Formentor, Alcúdia e Levante – separadas por duas baías – Pollença e Alcúdia – e diversos cabos. Grandiosas paisagens de um mar incrivelmente azul e graciosas vilas, algumas muralhadas, é o que nos aguarda.


O Cabo Formentor, final em apoteose da Serra da Tramuntana, é garantia do mais fabuloso cenário de costa maiorquina. O miradouro de Es Colomer e, mais acima, o da Talaied d’ Albercutx têm vistas panorâmicas de tirar o fôlego. O primeiro, a 232 metros acima do mar, mostra-nos as falésias brutas numa composição de várias cores: o branco da rocha calcária, o verde da vegetação e o azul do mar. Há que repetir a visita a diferentes horas do dia, para melhor usufruir das mágicas cores, neste que é considerado um dos melhores lugares da ilha para assistir ao pôr-do-sol.




A Talaied d’ Albercutx, a 390 metros de altitude, é uma torre de vigia do século 16. Se noutros tempos vigiava os piratas, agora deixa-nos chegar até ela para contemplar cenário parecido com o do Es Colomer e acrescentar-lhe as vistas da baía de Pollença e do Cabo Pinar. Aplausos para ambos os miradouros.

Logo abaixo, virada para a baía de Pollença fica a praia de Formentor, de natureza mais doce e areal generoso, e mais adiante, já em direcção ao farol do Cabo Formentor, a Cala Figuera e a Cala Murta. Infelizmente, a estrada encontrava-se encerrada para obras, pelo que acabámos por não conhecer estas duas enseadas, a primeira delas cliente assídua de qualquer lista das calas mais bonitas de Maiorca.


Port Pollença, na baía de mesmo nome, é um sítio turístico, mas pareceu-nos relativamente calmo. Não faltam actividades para se fazer nas redondezas, sendo a bicicleta a rainha delas, mas a sua marina garante que os passeios de barco não lhe ficam atrás. Registo para o panorama desde a sua praia, uma bela silhueta de picos para lá da baía ao amanhecer.

Nas costas de Port Pollença está a Cala Sant Vicenç, tão bem pintada por Joaquín Sorolla, três calas outrora piscatórias rodeadas por uma paisagem natural de excelência onde parece viver-se uma vida pacata e familiar. Pelo menos até à abertura do monstruoso empreendimento turístico mesmo no meio das enseadas e logo em cima do mar.

Pollença é a mais encantadora povoação da região, parte ainda da Serra da Tramuntana e a meia dúzia de quilómetros do mar. Com casas de pedra castanha, muitas igrejas, praças animadas e montes ao redor, quase que podíamos pensar estar numa vila colonial da América do Sul castelhana. Santiago Rusiñol, pintor, escritor e dramaturgo do século 19 descreveu-a como “una decoración para representar misterios o para servir a las procesiones de Semana Santa».


O convento de Santo Domingo, do século 16, por onde começámos a nossa visita, foi transformado em Museu de Pollença e a sua igreja numa galeria. Está certo, já que a vila atraiu diversos artistas (e personalidades como Wiston Churchill e Agatha Christie) durante o século passado, que entretanto vão passando mais despercebidos por entre os turistas.

Diante do convento um jardim agradável tem ao centro a Torre de Can Desbrull. Pouco mais adiante, a Praça Maior é o coração de Pollença, agitada no exterior e contemplativa no interior da Igreja Mare de Déu dels Àngels, com um tecto diferente decorado com painéis com a história de Cristo e rosácea por cima do órgão.


Depois de um gelado na Can Butxaca, geladaria artesanal com muitos sabores, incluindo ensaimada, e um passeio pelas ruas da vila, empreendemos a subida até ao Calvário. O caminho até lá é a maior imagem de Pollença, uma inclinada subida por 365 degraus ladeados por ciprestes. Há que ir olhando repetidas vezes para trás, vendo o pitoresco casario a afastar-se, deixando a torre da igreja cada vez em maior destaque, bem como o Puig de Maria, com santuário com origem no século 14 a 330 metros de altitude.

No alto, à direita da igreja tem-se novo panorama de Pollença e do Cabo Formentor.


De Pollença a Alcúdia são pouco mais de 10 quilómetros. Lado a lado com as muralhas de Alcúdia está Pollentia, a cidade romana fundada em 70 b.C., durante a época de romanização das ilhas Baleares (na altura os romanos fundaram quatro cidades: Pollentia, Palma, Guium e Tucis, as últimas duas ainda não localizadas). As muralhas são parte da estrutura defensiva medieval da velha cidade, que se desenvolveu intramuros, e a Porta de Maiorca (ou de San Sebastian) e a Porta del Moll (ou de Xara) são as suas principais entradas, cada uma do seu lado.




Pode caminhar-se umas centenas de metros pelo caminho de ronda no cimo da muralha, admirando as vistas ao redor, mas é igualmente um prazer deambular pelas ruas pedonais de Alcúdia, descobrindo os seus pormenores por entre as muitas lojas e cafés. Por exemplo, junto ao Ayuntamiento fica a Can Canta, uma casa nobre com janelas de moldura renascentista; a Can Fondo tem-nas também e ao seu lado fica a Can Torró, biblioteca, com porta em volta redonda.



Alcúdia fica no início da península que separa as duas baías do norte de Maiorca, a baía de Pollença e a baía de Alcúdia. Mas por enquanto continuamos com a primeira das baías sob mira, de que o Cabo des Pinar é a sua vertente sul. Uma caminhada por este cabo sai da Ermida de la Victoria e os pontos de vista sucedem-se: a baía de Pollença, o Cabo Formentor e o Cabo des Pinar em todo o seu esplendor, engrandecidos pelo tempo de céu azul que nos tocou. Sim, uma overdose de azuis, com umas pitadas de verde pelo meio, é do que se trata. Olhamos abruptamente para baixo e é difícil acreditar em tanta beleza oferecida pelas reentrâncias do mar.


Na subida até à Penya des Migdia, 355 metros acima do mar, as vistas não mudam muito, mas agora passamos também a vislumbrar os cabos seguintes, para lá da baía de Alcúdia.

Na Talaia de Alcudia, ponto ainda mais alto, a 446 metros, às enormes vistas panorâmicas junta-se a companhia das cabras selvagens, típicas quer do Cabo Formentor, quer do Cabo des Pinar. São amistosas, mas umas malandras; mal nos apanham distraídos com a paisagem por entre um snack e outro e, zás, logo ficamos sem o lanche. Susto para os espoliados, risota garantida para os demais, testemunhas de cenas que se repetem.

A descida pela vertente contrária, para além de oferecer vistas do lado contrário do Cabo des Pinar, incluindo o pequeno ilhéu de Alcanada, e mais ao longe do Cabo Ferrutx, já na Península do Levante, deixa-nos imediatamente acima de uma das praias mais belas de Maiorca, a Praia des Coll Baix. Não precisámos de descer até à pequena língua de areia para perceber o seu encanto, antes seguimos por uma zona de pinhal – o nome Pinar assim o indica – até voltarmos à ermida depois de percorrer um torrent e um vale lindo.


A estrada que atravessa a baía de Alcúdia passa pela longa Praia de Muro, de areia branca e água azul turquesa, pelo Parque Natural s’ Albufera, uma das zonas húmidas insulares mais importantes do Mediterrâneo, óptima para a observação de aves, e por Son Real, lugar de uma necrópole pré-histórica num pedaço de litoral intacto propriedade do governo das Baleares. Tudo lugares para visitar com calma e demora numa próxima viagem pela ilha.



No nordeste de Maiorca, a pouca distância do Parque Natural da Península do Levante estão Artà e Capdepera, mais duas vilas de visita obrigatória numa região que alia história, montanha e calas selvagens. O Santuário de Sant Salvador, um mosteiro / fortaleza instalado no monte de mesmo nome, é o maior símbolo de Artà e domina a povoação que se desenvolve encosta abaixo. De origens muçulmanas, a fortaleza foi conquistada em 1230 por Jaime I, tendo o novo senhor transformado a mesquita aí existente num templo cristão. Mas o santuário, tal como o vemos hoje, é apenas do século 19, tendo substituído o tal templo cristão que serviu como hospital durante os tempos da peste negra – por curiosidade, Artà foi uma das últimas povoações da Europa a ser atingida por esta pandemia. Do alto do recinto muralhado têm-se grandes vistas de uma região ondulada onde para lá dos montes está a costa do Parque Natural da Península do Levante, onde terminaremos esta jornada.



Antes, porém, uma paragem em Capdepera. Aqui perto há vestígios de assentamentos talayóticos e torres defensivas do século 13, mas a povoação surgiu a partir de 1300, quando um castelo muralhado foi instalado no alto de uma colina. A ideia era proporcionar protecção aos habitantes, então alvo de repetidos ataques piratas, e chegou a haver mais de uma centena de casas no interior das muralhas. As vistas do alto são, uma vez mais, bem bonitas, com destaque para um monte em cone – para lá dele ficam as praia de Cala Rajada. O centro de Capdepera desenvolve-se hoje colina abaixo, estando ligado à zona do castelo por ruas de declive que impõe respeito. Aqui ficam algumas casas senhoriais do século 19, agora ao serviço público como biblioteca e sala de exposições.




O Parque Natural da Península do Levante, a norte quer de Artà, quer de Capdepera, é rico em diversidade, seja pelas espécies endémicas que acolhe (arbustivas e animais), seja pelos diferentes cultivos, bosques de pinheiros, vestígios arqueológicos, grutas e falésias. Possui infinitas possibilidades de caminhadas e optámos por uma que nos permitiu conhecer algumas das calas entre o Cap de Ferrutx e o Cap des Freu. As montanhas não andam muito longe, mas agora a atenção vira-se para as suaves falésias junto à costa. Com início na Cala Torta, seguimos até à Cala es Matzoc, onde na sua falésia a norte está a torre d’ Albarca. É uma síntese quase perfeita desta viagem, uma torre defensiva à beira do incrível mar Mediterrâneo instalada na Península do Levante e com vista para o Cabo de Ferrutx e, mais longe, para o Cabo des Pinar e Cabo Formentor, nas outras duas penínsulas por nós anteriormente percorridas.