Mosteiro da Batalha

O Mosteiro da Batalha, memorial e panteão régio, é um dos monumentos mais maravilhosos de Portugal. Não apenas nosso património como também de toda a humanidade, reconhecido pela Unesco em 1983, esta obra de arte da arquitectura erguida em comemoração da vitória portuguesa sobre Castela na Batalha de Aljubarrota, em 1385, é lugar obrigatório de visita. Fizêmo-lo em pequenas, com a escola e com os pais, e repetidas vezes depois disso. Na última delas, recém saídas da pandemia, tivemos a sorte de deambular pela igreja, claustros e túmulos sozinhas, à abertura do monumento num domingo de Inverno.

Estátua equestre de D. Nuno Álvares Pereira, responsável pela vitória das tropas portuguesas na Batalha de Aljubarrota, obra do escultor Leopoldo de Almeida, século 20

Exemplo magistral do gótico tardio e dos alvores do manuelino, a construção do Mosteiro de Santa Maria da Vitória teve início logo no ano seguinte ou dois anos após a batalha que teve lugar perto da vila, em cumprimento de promessa feita à Virgem Maria em caso de vitória. Era então rei de Portugal D. João I, Mestre de Avis, que graças à sua conquista em Aljubarrota subiu ao trono e garantiu a independência do reino. No entanto, as obras desenrolaram-se por mais de 150 anos, daí os vários estilos que resultam deste conjunto. O gótico domina, mas marcam igualmente presença o manuelino e até o renascentista, este numa pequena escala.

O Mosteiro é constituído por uma igreja, dois claustros com dependências anexas e dois panteões reais, a Capela do Fundador e as Capelas Imperfeitas. Doada à comunidade dominicana, que manteve o convento até à extinção das ordens religiosas, em 1834, a igreja foi a primeira a ser construída. Numa evidente afirmação de poder por parte do rei, impressiona a sua grandeza. Tem 80 metros de comprimento e 32 metros de altura na cúpula da nave central, construída quase sem apoios. Ficou célebre a frase do criador, após passar dias no interior da igreja: “a abóboda não caiu, a abóboda não cairá”.

Junto à igreja, a Capela do Fundador foi mandada levantar por D. João I, para servir de seu panteão, e não estava prevista no plano inicial do mosteiro. Obra de Huguet, o segundo arquitecto após Afonso Domingues (que havia definido a concepção geral do conjunto monástico – igreja, sacristia, claustro real e suas dependências, como a casa do capítulo, dormitório, cozinha e refeitório – que, como se referiu, não previa os panteões), tem planta quadrada e centro octogonal, sendo coberta por uma abóbada em estrela de oito pontas que faz as vezes de dossel. O gótico flamejante assume aqui toda a sua exuberância, destacando-se ao mesmo tempo a luz que irradia dos belos vitrais (os vitrais como opção artística terão sido usados nesta igreja pela primeira vez no nosso país). Primeiro lugar exclusivamente dedicado a panteão régio no nosso país, é aqui que estão os túmulos de D. João I e D. Filipa de Lencastre, na maior arca gótica quatrocentista em Portugal e uma obra artística de excelência, e alguns dos infantes seus filhos, a “ínclita geração”, como lhes apodou Camões.

Por altura da nossa visita, a exposição “Almada Negreiros e o Mosteiro da Batalha – quinze pinturas primitivas num retábulo imaginado” decorria na Capela do Fundador. Ou melhor, na parede norte da Capela, inteiramente vazia por séculos até aí. O modernista Almada viu-a na década de 1950, em visita ao Mosteiro, e imaginou-a como o destino ideal dos Painéis de São Vicente e de outras pinturas. Acreditava que esta obra maior da pintura portuguesa havia sido elaborada para aqui, uma tese que está longe de ser unânime, desconhecendo-se na verdade qual seria o destino da obra atribuída a Nuno Gonçalves, pintor do rei D. Afonso V, que está sepultado mesmo ali ao lado. Almada trabalhou na ideia durante os últimos 15 anos de vida, não sem polémica, e em resultado pudemos ver o retábulo por si imaginado, composto por reproduções dos Painéis de São Vicente e outras nove pinturas, uma composição com cerca de 10 metros. Refira-se como curiosidade que alguns autores defendem que a figura glorificada nos Painéis é o Infante Santo (e não São Vicente), que não é mais do que D. Fernando, refém dos mouros e morto em Fez após longo cativeiro, um dos infantes que também ali tem o seu túmulo.

Também as Capelas Imperfeitas não estavam previstas no projecto inicial. Igualmente da responsabilidade de Huguet, a sua construção terá tido início em 1434 para servir de panteão de D. Duarte, filho de D. João I, mas permanecem inacabadas até hoje. Mais tarde, já no reinado de D. Manuel, foram introduzidas alterações que seguiram o estilo manuelino, numa das suas primeiras manifestações, nomeadamente no portal totalmente esculpido, obra de Mateus Fernandes, apenas concluída no início do século 16. É uma obra de filigrana delicada e de uma elegância sem par, observando-se o mesmo registo no interior do recinto das Capelas Imperfeitas.

O ambiente é austero e auto impomo-nos silêncio neste espaço a céu aberto rodeado de sete capelas funerárias, cada uma com abóbada antecedida de arco artisticamente esculpido com escudos. D. Duarte e D. Leonor jazem numa delas, mas o seu túmulo apenas foi aqui colocado na década de 1940.

Dos dois claustros – havia outros dois mais recentes, do século 16, mas foram incendiados durante as Invasões Francesas em 1810 e acabaram demolidos por ocasião das obras de restauro do monumento, no século 19 – o Claustro Real é o mais antigo. À volta do pátio de forma quadrada temos galerias abobadadas e nos arcos góticos virados para o jardim vemos motivos manuelinos como a Cruz de Cristo e a Esfera Armilar. Como anexos, a Sala do Capítulo, a Adega dos Frades, a cozinha e o refeitório. A Sala do Capítulo, que desde 1921 acolhe o túmulo do Soldado Desconhecido, tem mais uma incrível abóbada estrelada de oito pontas sem qualquer apoio central.

Já o Claustro de D. Afonso V é resultado da primeira ampliação do convento, ocorrida na segunda metade do século 15. As obras foram levadas a efeito por Fernão de Évora e foi um dos primeiros claustros com dois andares em Portugal, cujas dependências no tempo dos monges eram ocupadas pela enfermaria, notário, biblioteca, despensa e armazém da lenha. Mais simples e austero na sua estrutura e decoração, há quem se refira a este estilo como “gótico linear”, mais próximo dos edifícios cistercienses.

Mas para se entrar neste conjunto maravilhoso há que, antes, contemplar os seus majestosos portais. O portal principal, obra de Huguet, é o único totalmente esculpido no nosso país. Em cada um dos lados apresentam-se os apóstolos e por cima deles, nas arquivoltas, uma série de personagens do mundo celeste. No tímpano vê-se a figura de Deus sentado sobre um trono, coberto por um baldaquino, e ladeado pelos quatro evangelistas, acompanhados dos seus animais simbólicos: São João com a águia, São Marcos com o leão, São Lucas com o boi e São Mateus com o anjo. Tudo isto rematado com a cena da Coroação da Virgem.

O portal lateral, por sua vez, é obra de Afonso Domingues e as suas quatro arquivoltas de arco quebrado terminam com um gablete pontiagudo, encimado pelos brasões dos fundadores do mosteiro.

Para finalizar, uma curiosidade na envolvente do Mosteiro da Batalha, que já não vimos no nosso tempo. Na década de 1940 entendeu-se que os edifícios da vila que lhe eram contiguous não dignificavam o monumento; vai daí, parte da antiga vila foi demolida na década de 1960, a propósito da construção da variante à estrada nacional nº 1, atual IC2. Ainda assim, a praça principal da Batalha está aqui próxima, como que uma esplanada para um dos mosteiros mais bonitos do nosso país.

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