Santillana del Mar

Um dos “Pueblos más Bonitos de España”, Santillana Del Mar, na Cantábria, tem um centro histórico medieval feito de ruas de pedra e estritamente pedonais, com edifícios brasonados e balcões floridos. Perto do mar e rodeada de colinas discretas, os prados logo à entrada do coração urbano são lugar de eleição para vacas, cabras e cavalos. E é aqui, também, que pode ser visitada a Gruta de Altamira, um dos primeiros povoamentos onde os nossos antepassados deixaram testemunho através de pinturas e gravuras.

Santillana del Mar tem um forma curiosa; alongada, faz lembrar uma sereia. Com dois edifícios conventuais numa das pontas, correspondentes a cada um dos lados da cauda da sereia, principia com duas ruas que logo se transformam em três e estendem ao longo de uns 700 metros, como se do corpo da dita sereia se tratasse, para terminar na Colegiata de Santillana, a sua cabeça. Comecemos por aqui, pela Colegiata, símbolo da vila.

A Colegiata de Santa Juliana foi fundada em 870 por monges vindos do Al Andalus, que aqui esconderam as relíquias da Santa, então território do Reino das Astúrias. O mosteiro acabou convertido em Colegiata de Santa Juliana no século 12, muito graças à devoção que as relíquias da dita Santa passaram a merecer. A partir dela, a povoação foi crescendo e Santillana tornou-se capital eclesiástica e centro civil, sendo residência do merino, o máximo representante do rei na região. Mesmo após a passagem de tantos séculos, a Colegiata permanece como coração da vila, o lugar que todos querem visitar e estar. Em estilo românico, é considerada Monumento Histórico-Artístico desde 1889 e a fachada é imponente. Os claustros são mais delicados, uma serena preciosidade. E a catedral tem um retábulo decorado e bem trabalhado, muito bonito, a que acresce o órgão e a pia baptismal, bem como elementos figurativos nos capitéis.

Digna ainda de menção é a bela e arejada praça partilhada pela Colegiata e o Palácio de los Velarde, mais um elemento arquitectónico de destaque.

As poucas ruas de Santillana são pedonais e é um prazer caminhar por elas. Percebemos por que encantou e inspirou tantos artistas e escritores. Conserva o seu ambiente antigo, com ruas de pedra e edifícios brasonados – alguns brasões bem espampanantes e exóticos – e com balcões de madeira, uma mescla do seu carácter medieval e montanhês. De épocas diferentes, alguns destes edifícios vêm do século 14, mas a maioria é dos séculos 16 e 17, resultado não apenas do poder das principais famílias da região, mas também da fortuna que muitos cantábros alcançaram com as suas vidas de emigrados nas Américas.

A Praça Maior é exemplar, com um conjunto de torres e palácios barrocos. Desde logo, a Torre del Merino, do século 13, residência dos representantes do rei, e a gótica Torre de Don Borja. Mas também a Casa del Águila e a Casa de la Parra, as duas do século 16.

E, não bastava estes edifícios serem apelativos pelos seus elementos decorativos, os orgulhosos habitantes ainda se dedicam a manter floridas as suas fachadas. Que bonita que é Santillana. E não faltam as muitas lojas com venda de comércio local, a maior parte delas dedicadas às queijadas típicas e à sidra, se bem que desta última se diga que tem pouco de produto local.

E, por fim, voltamos aos dois edifícios conventuais, o Mosteiro Regina Coeli lado a lado com o Convento de Santo Ildefonso. O primeiro é agora um museu e o segundo um bom lugar para provar os doces aí confeccionados pelas suas freiras clarissas.

Há uma história curiosa acerca de Santillana, apodada de “vila das três mentiras” porque não é santa, não é plana (llana, em espanhol), nem tem mar. Se bem que a Colegiata está aí para provar que algo de santa terá e a Calle los Hornos sai da Praça Maior para uma subida agradável. Quanto ao mar, pode não estar à sua beira, mas está apenas a 8 quilómetros. Ate lá, passamos por montes verdes onde pastam mais umas vacas, desta vez com o azul do mar à espreita. Não são os Açores, é a Cantábria. E, a dado passo, chegamos à Praia de Santa Justa com a ermida de mesmo nome aninhada na falésia e a Torre de San Telmo em cima, antiga vigia da costa e controlo do acesso a Santillana del Mar.

Altamira fica ainda mais perto, apenas a 2 quilómetros do centro histórico. A costa da Cantábria possui a maior densidade de arte paleolítica em grutas da Europa, a atestar o seu longínquo povoamento, mas a de Altamira é a mais famosa, considerada a Capela Sistina da arte rupestre. Descoberta em 1879, colocou Altamira – e Santillana do Mar – no mapa da arte.

A entrada da Gruta mudou muito desde o tempo de Altamira. A abertura derrubou-se há cerca de 13 mil anos e desde aí a entrada permaneceu fechada até à data em que a gruta foi descoberta. A estabilidade ambiental e o isolamento mantidos ao longo dos milénios em que esteve encerrada acabou por favorecer a preservação da arte rupestre, património frágil. A actual entrada foi construída em 1927 para facilitar o acesso dos visitantes, mas, entretanto, há anos que as já de si limitadissímas visitas foram definitivamente terminadas. Assim, para proteger a gruta autêntica, foi criada uma réplica, a Neocueva, que é a que hoje se visita. Esta reconstrói Altamira tal e qual como era quando foi habitada pelos diversos grupos de humanos há 36 mil anos e durante um longo período até há 13 mil anos, data em que terá acontecido o tal desabamento de terras que tapou a sua entrada. A gruta, à semelhança de outras, foi utilizada para pintar e gravar animais e símbolos nas paredes e tectos. À entrada, é-nos dada uma brochura com as imagens que iremos ver, e o desafio é encontrá-las a todas. Nas paredes e tectos veem-se diversos animais, como cervos, cavalos, bisontes, auroques e cabras, mas também símbolos e umas mãos humanas, um realismo na representação do então conhecido. Umas figuras contornadas apenas a traço fino, outras com o seu interior totalmente preenchido com pintura. E a cor avermelhada dos bisontes, cavalos e mãos é a que mais se destaca. A mais antiga destas gravuras data de há 36 mil anos, um símbolo, a mão é de há 22 mil anos e o bisonte de pé e o deitado de há 14500 anos.

Deixada a Neocueva, impõe-se uma visita ao museu, embora no complexo possamos ainda passar por outros elementos exteriores, como a real gruta de Altamira, a gruta das estalactites, a casa do parque e um outro edifício de exposições. No Museu de Altamira é efectuado o enquadramento do lugar sob diversos pontos de vista. Como era geologicamente a paisagem no tempo de Altamira, que animais havia (o bisonte e a cabra montesa desapareceram da região), como era a vida das pessoas, como se organizavam (eram grupos familiares extensos e obtinham os alimentos caçando, pescando e recoletando), como se alimentavam, que roupa vestiam e que artefactos usavam (utensílios extraídos das rochas e ferramentas feitas de ossos estão expostas) e como se protegiam. E, motivo que nos trouxe a Altamira, é-nos mostrado que a arte já lá estava e que era não apenas lazer, mas também uma forma de comunicação e de expressão do homem da pré-história. Sobretudo, que a arte de Altamira se destaca pela sua grande qualidade e que ao longo de 20 mil anos os estilos e as técnicas artísticas foram variando, tendo sido utilizados materiais proporcionados pela natureza, como marfim, ossos, dentes, conchas, moluscos, pedras e mineriais. O seu significado é desconhecido e existem muitas teorias: simples experiência estética sem transcendência maior? parte de rituais xamanicos? meio de comunicação? expressão simbólica de crenças, ideias e pensamentos? Certo é que a história da arte começou no paleolítico. Em 1908, o historiador francês J. Déchellet afirmou que a Gruta de Altamira era uma espécie de Capela Sistina da pré-história; logo outros contrapuseram que a Capela Sistina era a Altamira do renascimento. Depois de descoberta, Altamira foi, enfim, uma fonte de inspiração para artistas e Miró gostava de dizer que os artistas de Altamira haviam sido os seus mestres. Para nós, que há tempos havíamos visitado as gravuras rupestres de Foz Côa – com a singularidade da sua arte rupestre ao ar livre -, a visita a Altamira ficou de imediato na ideia. Agora concretizada, confirma-se ser este mais um grande legado dos nossos antepassados.

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