
Comillas e San Vicente de la Barquera são mais duas belas e interessantes vilas da Cantábria, desta vez banhadas pelo mar e protegidas pela montanha. De implantação geográfica naturalmente bonita, a primeira é um surpreendente exemplo de arquitectura modernista catalã, amiúde apodada de “delírio arquitectónico”, e a segunda um exemplo de gótico medieval, para muitos a “Cape Cod” espanhola.


Comillas tem uma longa promenade junto ao Mar da Cantábria, mas é bom que comecemos a visita pelo alto, junto à Ermida de Santa Lucía, que nos traz uma sucessão de miradouros e pontos de vista. Já em baixo, junto ao molhe do porto que leva ao farol, e depois da enésima espera para que a forte chuva passasse, pensamos que desperdício este de ter uma boa língua de mar e nem em Agosto poder estender a toalha na areia. Vale que neste elegante balneário estival, que se desenvolveu no século 19 por conta de uma burguesia pujante, a arquitectura salva, resultado do sonho de uns quantos “indianos”. Nem o cemitério local é excepção.

No alto de uma colina, o cemitério de Comillas, reformado no final do século 19 por Lluís Domènech sobre as ruínas de uma igreja abandonada, está cheio de mausoléus exuberantes. A sua entrada é portentosa, acompanhada de uns pináculos, e não faltam as vistas para o omnipresente mar.

Numa outra colina, o Seminário Mayor de Comillas / Universidade Pontifícia troca o azul do mar, apesar de também não andar longe, pelo verde da relva e da vegetação. A porta de acesso à finca (quinta) de la Cardosa, onde está instalado, é mais um momento de folia arquitectónica, um conjunto em vermelho que mescla tijolo e cerâmica com o escudo esculpido em pedra com a tiara e as chaves pontifícias dos jesuítas, conjunto de influência gótica e oriental.


Já o monumental edifício da Universidade, no alto desta colina em posição dominante sobre o centro de Comillas, é um longo bloco de tijolo sobre pedra cinzenta e ornamentado. A sua origem deve-se a Antonio López López, primeiro Marquês de Comillas, emigrante em Cuba desde os 14 anos, onde foi tão bem sucedido em riqueza que tornou-se o maior proprietário de construção naval de Espanha. Ou seja, esta é uma arquitectura indiana, o termo utilizado pelos espanhóis para os edifícios daqueles que voltaram das Américas às suas terras natal. Neste caso, é evidente o estilo neogótico mudejar, mas também modernista, influências da época. Os arquitectos a cargo do projecto foram os catalães Joan Martorell e Lluís Domènech, e o primeiro presidiu igualmente ao projecto do Palácio de Sobrellano, em colina diversa frente à universidade, com um vale de permeio.


O Palácio de Sobrellano, com Capela-Panteão dos Marqueses de Comillas, foi também mandado construir pelo dito “indiano” Antonio López López no lugar onde estava a casa humilde onde passou os primeiros anos de vida. As obras começaram em 1882, mas o Marquês acabou por falecer antes do seu término, à semelhança do que aconteceu com a Universidade. Novamente em estilo neogótico e modernista, serviria para sua residência de Verão e para alojar o seu amigo rei Alfonso XII quando estivesse na região. A fachada é impressionante, de planta rectangular e totalmente simétrica e cheia de detalhes decorativos e materiais nobres. O salão do trono é um deslumbre, assim como o hall do palácio, com escadaria monumental que dá para uma outra escada, desta vez em caracol e madeira, mais simples mas igualmente marcante. As diversas salas estão carregadas de mobiliário elegante, maioritariamente em madeira nobre, e os tectos são também merecedores de atenção, bem como a hiper decorada lareira. A varanda / loggia funciona como miradouro para toda a envolvente, destacando-se os jardins logo ali e o centro de Comillas a pouca distância.

Ao lado do Palácio está a Capela-Panteão da família, com mais uma série de túmulos elaborados (pouco mais discretos do que os que havíamos apreciado no cemitério), vitrais e mobiliário desenhado por Antoni Gaudí. É, no fundo, uma catedral em miniatura.

E junto ao Palácio Sobrellano está outro lugar imperdível de Comillas, o Capricho de Gaudí. Um dos primeiros projectos do inesquecível arquitecto catalão e uma das suas poucas obras fora da Catalunha, o percursor do modernismo espanhol pôde aqui desenvolver um projecto em que mostra todo o seu amor pelo mundo natural. O proprietário da casa, e para quem o projecto foi realizado, foi Máximo Díaz de Quijano, natural de Santander que fez grande fortuna em Cuba como advogado do primeiro Marquês de Comillas. É, pois, também um “indiano”. Jovem burguês amante de botânica e música, aliou na perfeição os seus desejos à arte de Gaudí. Infelizmente, à semelhança do seu vizinho, acabou por falecer antes de ver concluído o projecto.



Ao contrário do Palácio de Sobrellano, em que as visitas são obrigatoriamente guiadas, podemos visitar livremente o El Capricho, mas percebemos melhor todos os pormenores se nos deixarmos guiar. Assim, ficámos a saber que tudo gira à volta da natureza e da música. A flor dominante é o girassol, elemento decorativo que dá sentido a todo o edifício, representado frequentemente em linhas de cinco, como se de uma pauta musical se tratasse. A casa foi construída de forma a que fosse captada a máxima luz natural, estando as salas organizadas em função da posição que ocupam em relação ao sol. Há um sem fim de referências ao mundo natural, como palmeiras, cotovias, melros e louros, e o exótico jardim de Inverno, interior, tem como função distribuir luz e ao mesmo regular a temperatura.

Todas as salas são diferentes, os tectos têm pormenores decorativos diversos, há janelas com vitrais e outras sem e até o esquema de abertura das portadas e janelas não é igual. No salão principal, por exemplo, o lugar por excelência para descansar, tocar e ouvir música e conviver, o movimento das janelas para cima ou para baixo gera música, algo parecido com os sinos a tocar – pormenor que, acreditamos, ficará para sempre na nossa memória, enorme prova do génio de Gaudí. Aqui, duas pequenas varandas exteriores tem bancos em ferro para os convidados permanecerem, não viradas para centro de Camillas, mas antes para o interior da casa, usufruindo do tal convívio. No piso superior encontramos mobiliário desenhado por Gaudí. O nome “Capricho” não foi escolhido pelo arquitecto catalão, é antes posterior e deve-se a todos estes elementos fora do comum, incluindo a torre de inspiração persa que é talvez a imagem da casa. A fachada, de que faz parte, é uma mescla constante de cores e materiais, o tal capricho ou delírio da arquitectura que não é mais do que o resultado desta enorme energia e exotismo.



A parte antiga de Comillas é um pequeno conjunto de ruas de pedra. A Plaza de la Constitución e a Plaza de Corro Campíos são praticamente um contínuo onde encontramos o velho ayuntamiento e a Igreja de San Cristóbal no meio. E também a monumental Fonte de los Tres Caños, mais um desenho de Lluís Domènech, dividida em três partes, como o nome o indica, e cheia de motivos florais e vegetais. É uma homenagem a Joaquin Del Piélago, abastado comerciante local que financiou a chegada do abastecimento de água à vila.


San Vicente de la Barquera fica a pouco mais de 10 quilómetros. A dividir as duas vilas costeiras está o Parque Natural de Oyambre, um belo pedaço de costa partilhado em muitos momentos com as dinâmicas das rias. Uma série de ecossistemas, surfistas e vacas dividem a sorte, vivendo o lugar cada um à sua maneira.

A Playa do Tostadero, interior mas com dunas, dá-nos uma bela panorâmica de San Vicente de la Barquera – ao fundo estão a Puebla Vieja (o centro histórico) e a icónica Ponte de la Maza.

Do século 15, a medieval Ponte de la Maza é uma construção em pedra com 28 arcos (já teve 32) e quase 500 metros de comprimento, o que fez dela uma das maiores do reino. É evidente a beleza da envolvente da vila, junto ao mar e aos seus braços, que formam a ria, e com as montanhas por perto. No fundo, consegue aliar esta vertente paisagística a um carácter quer medieval quer montanhês.



A Puebla Vieja está rodeada por muralhas e tem várias portas e edifícios emblemáticos. É dominada pela Igreja de Santa Maria de los Angeles, um dos seus símbolos, instalada no topo da maior colina da povoação, o que permite o desfrute de um belo miradouro. Esta igreja-fortaleza é uma construção gótica do século 13, ainda que com reformas posteriores, que resultaram na mistura de estilos que hoje observamos – atente-se às torres e portas românicas.



Imediatamente antes está a ruína do antigo Hospital de la Concepcion, dos séculos 14-16, que servia os peregrinos de Santiago na sua passagem pela região – San Vicente de la Barquera era um importante ponto no caminho de Santiago na rota costeira. E pouco abaixo, após passarmos pelo palácio da família Corro, hoje sede do ayuntamiento local, e pela Torre del Preboste, ao lado do arco que marcava uma das antigas entradas na vila, chegamos ao Castelo del Rey, fortificação também do século 13.

Estamos novamente na parte baixa de San Vicente, mas as grandes panorâmicas não param. Hora de jantar, a elas juntamos um belo peixe fresco, num dos melhores lugares da costa para o saborear.