Os Picos da Europa são o mais antigo parque nacional de Espanha e lugar dos mais altos picos da Península Ibérica depois da Serra Nevada e dos Pirinéus. Parte da cordilheira Cantábrica, o seu território é dividido por três províncias autónomas: Astúrias, Cantábria e Castela e Leão. Situado a norte, estas montanhas perto do mar escondem rios e lagos, desfiladeiros e vales e aldeias típicas, por onde vagueia uma fauna e reside uma flora características. É, sobretudo, uma série de paisagens naturais épicas o que nos espera na visita aos Picos da Europa.

De formação calcária, distinguem-se três maciços: o ocidental ou Cornión, o central ou dos Urrieles e o oriental ou de Ándara. Estes maciços são definidos pelos rios que por aqui correm e limitam o parque, como o Sela e o Dobra, a oeste, e o Deva, a leste, para além dos “interiores” Cares, que separa os maciços do Cornión e dos Urrieles, e Duje, que separa ambos do maciço de Ándara. A primeira impressão, quando seguíamos de San Vicente de la Barquera para Potes, foi precisamente a do rio Deva e seu desfiladeiro logo ao lado da estrada estreita, deixando ver ao fundo os picos brancos e altos.

O rio Deva é, juntamente com o rio Quiviesa, um dos rios que cruza a bonita povoação de Potes. Terra de muitas pontes e um casario tradicional compacto protegido por um aglomerado de picos, é repetidamente considerada como uma das mais bonitas, e por isso visitadas, da Cantábria. A vista do alto da Torre do Infantado confirma a sua excepcional implantação natural.




Construída no século 15, esta torre medieval é o bastião de Potes e foi propriedade de Don Tello, filho de Alfonso XI, e também do 2° Marquês de Santillana e 1° Duque do Infantado. Antes de se ter tornado prisão e sede do ayuntamiento local, desempenhou um importante papel na defesa dos ataques dos guerrilheiros franceses na Guerra Peninsular de inícios do século 19. Hoje, os seus 6 pisos dedicam-se à exposição de temáticas da região, como a do beato de Liébana, com Mosteiro de Santo Toribio a 3 kms, parte da história da comarca de Liébana, a que pertence Potes.

Potes é crescida e muito movimentada pelo que, apesar da evidência de ser pitoresca, foi sem lamento que a abandonámos rumo a Mogrovejo, uns 10 kms acima na estrada que segue até Fuente Dé. Pelo contrário, Mogrovejo é um pedaço bendito pelo isolamento das montanhas, preservando um ambiente remoto que seduz de imediato. Pequena e linda, nesta aldeia de duas ou três ruas com casas populares típicas do vale de Liébana, com balcões no piso superior, destaca-se a torre medieval local, parte de um antigo palácio condal, mais uma vez rodeada de enormes e rugosos picos. Um cenário inesquecível.




Dado o mau tempo que se estava a instalar, com céu muito nublado, acabámos por não seguir até Fuente Dé, onde está o teleférico que leva até ao miradouro do Cabo, a 1800 metros de altitude, superando um desnível de mais de 700 metros em poucos minutos. Diz que as vistas para o maciço central são fantásticas e das mais emblemáticas dos Picos da Europa, mas teremos de o confirmar numa outra visita. É por aqui que fica o Torrecerredo, o mais alto deles, com 2648 metros de altitude, e o Urriellu, mais conhecido por Naranjo de Bulnes, o mais famoso e admirado deles, com 2519 metros de altitude. O nome “naranjo” deve-se ao facto de ao entardecer tomar um tom alaranjado, tornando este já de si elegante monólito uma beleza ainda maior. Foi desde o miradouro Póo de Cabrales, na vertente contrária, a norte, que o pudemos apreciar por segundos algo liberto das suas costumeiras companheiras nuvens.

Em poucos quilómetros chegamos a Poncebos (Astúrias), um dos pontos de partida, juntamente com Cain (Castela e Leão), do mais concorrido trilho dos Picos de Europa, a Rota do Cares. É dono de grandes paisagens de montanha, com picos altos e abruptos que se erguem acima do apertado desfiladeiro do rio Cares, a denominada “garganta divina do Cares”. Uma paisagem espectacular.


Já desde Arenas de Cabrales, a 6 kms, que vínhamos a ser acompanhados na estrada pelo estreito rio, uma espécie de preparação para o que nos esperaria no dia seguinte. Apesar de ser Agosto, o clima chuvoso e nublado não ajudou a domar a ansiedade de quem não está habituado à montanha e seus humores, mas a verdade é que a chuva leve mas persistente e, sobretudo, o céu cinzento até deram um ar místico à jornada.

A Rota do Cares liga, então, as aldeias de Poncebos e Cain através de um trilho pedestre com 12 kms. Acontece que, para retornarmos ao ponto inicial, ou voltamos a caminhar os mesmos 12 kms ou temos de arranjar transporte para percorrer os 105 kms de estrada que ligam as duas povoações – há muita montanha para contornar. Ou seja, quase toda a gente acaba por trilhar os 24 kms, coisa para pelo menos 6 horas, repetindo as maravilhosas paisagens do desfiladeiro do rio Cares.


Dizem muitos que este é um trilho fácil, quase sempre plano e, sim, é fácil, mas apenas para aqueles que estão habituados a caminhar quer em distância quer em diversos tipos de piso. Isto porque, na verdade, os primeiros 2,5 kms da rota até ao lugar denominado Collaos são sempre a subir e a calcar pedras. Depois, sim, é efectivamente quase sempre plano e, como é largo, nem a chuva traz grande perigo de escorregar e nos abeirarmos demasiado dos enormes precipícios que dão verticalmente para as águas do Cares, que correm quase sempre bem lá em baixo, num caminho fluvial apertado pelas paredes rochosas.


E o trilho, escavado nas paredes da montanha, é também ele uma extraordinária obra de engenharia humana. Entre 1915 e 1921 a empresa eléctrica pôs em marcha a empreitada de aproveitamento hidroelétrico com a construção de canais para captar e conduzir as águas do rio desde Cain até à central hidroelétrica de Poncebos. A dificuldade do terreno e diversos problemas técnicos fizeram com que a ideia inicial da construção de um só canal / túnel ao longo dos 11 kms caísse e entre 1945 e 1950 foram efectuadas novas alterações ao projecto. O resultado do muito picar de rocha é o que hoje podemos observar, uma série de túneis com grande desnível e que ora estão cobertos ora surgem à superfície e diversas pontes que nos levam a cruzar o rio de uma margem para a outra, tudo para vencer os abismos que chegam a 60 metros de altura. Ou seja, ainda que não fosse esse o objectivo inicial, o trilho está agora à disposição do lazer de muitos caminhantes em busca de grandiosas paisagens de montanha.


O rio Cares e as suas águas cristalinas são o grande protagonista deste trilho, junto com os picos. Mas também, para além dos túneis e das pontes já referidas, algumas cascatas e formações rochosas curiosas chamam a nossa atenção – vê-se um arco no alto e algures um pináculo-estátua.

A vegetação é quase despida e a pouca que existe, para além de um ou outro carvalho ou medronheiro, é maioritariamente rasteira. Teve de adaptar-se quer à orografia, com sua forte pendente e erosão, quer ao clima, daí que tenha muitas das vezes crescido colada às gretas das paredes rochosas. Quanto à fauna, há que olhar para os céus para ver as águias a bailar e esperar que um ou outro rebeco apareça. E vão aparecer, uma vez que este símbolo dos Picos da Europa, conhecido em português como camurça (uma espécie de cabra montesa), é muito gregário e, por isso, surge frequentemente no caminho ou instalado numa escarpa.


À aproximação de Cain o rio Cares vai, progressivamente, deixando de correr lá muito em baixo para passar a estar à nossa beira. Também a paisagem vai modificando, para se tornar agora mais verde. Cain é uma aldeia de poucas casas, mas mais do que Poncebos, e um bom lugar para a pausa de almoço (a este propósito, se começar o trilho em Poncebos, como fizemos, há que se abastecer de mantimentos previamente, porque lá não encontrará nem abundância nem diversidade, para além de que os espanhóis são avessos às necessidades dos madrugadores).

Mais uma vez, por cortesia do clima deixámos escapar a visita a Bulnes, acessível desde Poncebos por um trilho sempre a subir ou pelo teleférico. Diz que é uma das aldeias mais remotas dos Picos da Europa. E, assim, seguimos para Covadonga, com uma curta passagem pela antiga capital das Astúrias, Cangas de Onis, com a sua ponte medieval e mercados de queijo. Não muito longe, e se o tempo estiver aprazível, vale a pena o desvio para um mergulho na Olla de San Vicente, uma piscina natural no rio Dobra e entre montanhas, acessível após uma caminhada de uns 40 minutos (esta é uma dica da mana, que há tempos havia andado por estas paragens).


Covadonga é um dos sítios mais visitados das Astúrias. A basílica rosa, no meio da vegetação verde, destaca-se na paisagem. Em estilo neo-românico, foi inaugurada em 1901 e o santuário possui diversos elementos que muito atraem os mais crentes. Como a Cuevona, com cascata e laguinho, onde são mandadas moedas na esperança de que os desejos sejam cumpridos. Ou a Santa Cueva, com imagem da Virgem de Covadonga no seu interior, conhecida por La Santina. Também, uma estátua em honra de Don Pelayo e a cripta simbólica deste que é considerado o primeiro rei das Astúrias, o herói que no ano de 722 ganhou uma batalha decisiva durante a Reconquista Cristã, não se deixando vergar aos mouros.

Mais acima estão os Lagos de Covadonga, outro dos grandes momentos dos Picos da Europa. Até lá são 12 kms a subir, vencendo um desnível de 900 metros, por uma estrada de asfalto onde mal cabem dois carros. Segue primeiro por um bosque cerrado de faias e, depois, mais aberto, serpenteando ao longo de curvas e rompendo por montes e vales. Os montes que ladeiam a estrada estão ora cobertos de vegetação rasteira ora de árvores. Mesmo com céu nublado e nevoeiro dá para perceber que é tudo muito verde; nos vales envolvidos por rochas estão instaladas umas casinhas com telhados ocres e as vacas pastam nas encostas, encontrando-se ainda ovelhas e porcos. O acesso aos lagos está, porém, restrito aos carros particulares nas épocas de maior afluência turística, pelo que há que deixar o carro num dos parques de estacionamento do Santuário e seguir de autocarro (9 euros, ida e volta).


Os lagos de Covadonga são o Enol e o Ercina, havendo ainda o temporário Bricial. Há várias rotas curtas e fáceis que nos permitem apreciar estes lagos e sua envolvente. O miradouro do Príncipe não está virado para os lagos, mas deixa-nos perante um grandíssimo cenário de montanha: diante nós temos o Polje de Comeya, parte do complexo glaciar dos Lagos de Covadonga, uma depressão moldada pelas águas que vieram dos glaciares, um fenómeno típico dos solos calcários. Como o nível freático é muito elevado, os terrenos encharcam facilmente total ou parcialmente e gera-se aqui um ecossistema típico de ambientes húmidos, a turfeira. E o gado aproveita para pastar também no polje. Na verdade, aproveita qualquer pedaço de terreno, seja aqui seja junto às antigas minas da Buferrera ou de um dos lagos.



O céu estava muito feio e não deu para visualizar o monte que se levanta num dos lados do Lago Ercina, mas deu ainda assim para encantar com tamanha beleza na sua versão cinzenta.


O miradouro de La Picota, ou Entrelagos, oferece uma panorâmica conjunta dos dois lagos, o referido Ercina e o Enol. Este tem uma casinha à sua beira e mais um par delas pouco mais longe, mas são os contornos da estrada que, vistos de um plano superior, dão uma piada extra à imagem. É tudo tão verde e tranquilo, quer nas margens dos lagos quer na sua envolvente, que sentimos pena de não ter podido apreciar o cenário com um clima mais simpático. E, também, de não ter parado na estrada – o autocarro segue directo do Santuário até aos Lagos – para conhecer a vista desde os miradouros de la Reina e de los Canónigos. Quem sabe se de uma próxima vez não nos atrevemos a subir de bicicleta, qual heróis da Vuelta, que costuma ter passagem por aqui?