Florença – a História

“Oh quali io vidi quei che son disfatti per lor superbia!” – Dante

Florença, na região da Toscânia, na Itália, é uma cidade cheia de igrejas, capelas e monumentos. Diz que a beleza foi criada na Toscânia – Michelangelo e Leonardo da Vinci, só para citar um par, são de lá – e depois de visitarmos a sua capital não o duvidamos.

Os etruscos estabeleceram-se em Fiesole, vila situada a menos de 10 quilómetros do centro de Florença, e foi Júlio César, imperador romano, quem acabou por fundar a colónia de Florentia, no ano 59 a.C., considerando então estratégico o rio Arno, que divide as duas margens da cidade. Depois da queda do império romano, Florença foi invadida pelos godos, lombardos e francos. Tornada cidade-estado a partir do ano de 1100, veio a ser um lugar de prósperos mercadores.

Disputada por diferentes facções, a Florença medieval era pujante e um dos mais importantes centros financeiros e culturais da Europa da época. Um dos lugares centrais a nível mundial onde se comerciava lã, seda e couro, os mercadores e artesãos foram formando guildas (associações que protegiam os interesses dos comerciantes e outros profissionais) e os seus representantes governavam a cidade e patrocinavam as artes. Em meados do século 13 ficaram famosas as disputas pelo poder entre guelfos (a favor do Papa) e gibelinos (a favor do Sacro Império Romano) e foi nesta época que viveram Giotto e Dante Alighieri. Dante, o “divino poeta”, considerado o pai da língua italiana, era dos guelfos e da sua sub-facção dos brancos e, tendo a cidade caído no poder dos negros, acabou expulso da sua Florença, onde não mais voltou.

No ano de 1434 começa a história da Florença dos Médici, a família originalmente de banqueiros que governou a cidade por três séculos, grandes patronos das artes. Giovanni de Médici havia fundado o seu banco em 1397, ganhando rapidamente uma posição de domínio. Foi contemporâneo de grandes monumentos, com destaque absoluto para a Catedral Santa Maria de Fiore, o Duomo, cuja construção teve início em 1296, tendo ficado concluída 140 anos depois, em 1436. Governava já o primeiro Médici, Cosimo o Velho – que havia tido uma excelente educação, daí extraindo um conhecimento clássico e ideais humanistas que seriam a base do Renascimento -, e até ao governo do seu neto, Lorenzo o Magnífico, que morreu em 1492, a cidade tornou-se o epicentro da Renascença. Nomes como Brunelleschi, Michelangelo e Botticelli emergiram. Médici e Florença tornaram-se sinónimos. Foi a sua época de ouro e o humanismo, a arte, a música e a poesia fizeram de Florença a capital cultural da Itália. O final do século 15 trouxe um grande crescimento na construção que mudou em muito a cidade: os Médici usaram a arquitectura para demostrar o seu poder e mais de 100 palácios foram construídos, incluindo o Palácio Pitti, no outro lado do rio Arno. No entanto, vítima do excesso de esplendor, a família Médici caiu do poder, acabando por voltar no ano de 1512, embora com um governo tirânico. As ligações próximas com a igreja fizeram com que elegesse dois papas pertencentes à família, Leão X, em 1513, e Clemente VII, em 1523. E Cosimo II foi também patrono das ciências, tendo protegido Galileu dos ataques da igreja.

O Grão Ducado de Florença foi criado em 1569 por Cosimo I e governou por cerca de 200 anos não apenas uma Florença já a entrar na decadência, mas também a restante Toscânia, não sem sobressaltos. 53 anos após o reinado do fanático religioso Cosimo III, em 1670 a cidade entrou em declínio, com a bancarrota, muitos mendigos e palácios abandonados. 1737 trouxe a morte de seu filho Gian Gastone, e com ele o governo da família Médici chegou ao fim, seguindo-se-lhe o governo por parte da Casa Habsburgo-Lorena. Em 1860 o ducado foi integrado no Reino de Itália e Florença foi sua capital, embora por pouco tempo. E, claro, Florença foi paragem obrigatória nas viagens que a elite europeia se habituou a fazer durante os séculos 18 e 19, o “Grand Tour” (a “grande viagem”, em itinerários com meses ou anos de duração pelas cidades e regiões mais importantes na história e cultura europeias).

Nos dias de hoje, Florença é ainda testemunha do esplendor dos Médici e da Renascença – o seu legado imenso está por todo o lado -, mas também da arte etrusca e romana. Para visitar, é uma cidade plana e fácil de caminhar. No entanto, numa primeira visita de poucos dias, é difícil escolher aonde ir, leia-se que arte visitar – a arte está por todo o lado, não propriamente no exterior, mas antes no interior de cada igreja ou palácio. E dizer que há uma igreja em cada esquina não é exagero, até pode pecar por defeito, uma vez que esquinas há em que duas igrejas lá estão. É tanta a beleza que pode ser efectivamente um stress deixar de visitar algo. Aliás, a “síndrome de Stendhal”, hoje diagnosticada como doença, teve origem na cidade, inspirando-se no estado que acometeu o escritor francês diante os frescos de Giotto na Basílica de Santa Croce: a emoção extrema ao contemplar tamanha beleza fê-lo sentir palpitações no coração de tal maneira fortes que caminhava com medo de cair.

Apesar da antiguidade da cidade – não é injusto dizer-se que vive à conta do seu passado -, tirando a majestosa catedral, não são tanto as fachadas dos edifícios que nos levam ao êxtase, antes as suas praças, os detalhes nas ruas e o interior dos seus palácios. Como escreveu algures alguém, em Florença vê-se muito mas saboreia-se pouco. Numa jornada de quatro dias, acompanhada da mãe septuagenária, tentámos saboreá-la o mais possível.

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