O Parque Natural de Somiedo, nas Astúrias, é um dos mais bonitos de Espanha, lista com muita e forte concorrência. Nele temos uma série de paisagens fabulosas, aldeias típicas, lagos e trilhos. Com uma flora e fauna diversificadas, é terra do urso pardo, um dos poucos lugares da Europa onde ainda pode ser observado.

Um problema com o carro abreviou a nossa visita, deixando muito por conhecer e trilhar por Somiedo, mas, ainda assim, o que vimos encheu totalmente as medidas (em contrapartida, ficámos a conhecer todas as oficinas da vizinha Villablino, já Leon, e fizemos amizade com alguns dos seus mecânicos). Por lá ficam diversas aldeias características das Astúrias, envolvidas pelas montanhas, perto de rios e com casario de pedra.


Viḷḷar de Vildas é disso um bom exemplo. Conta-se que o seu nome vem do episódio vivido há séculos em que um ataque mouro deixou mortos todos os homens da povoação, restando apenas as suas viúvas, “vildas” em asturiano. Esta pequena aldeia perdida nas montanhas, mas com alojamento e restaurante, é ainda hoje testemunha de uma autêntica vida rural. Entre os muitos edifícios de pedra (curiosamente, a sua igreja está caiada de branco), destacam-se os hórreos e as paneras, exemplares de arquitectura popular comuns nas Astúrias, mas também na Galiza e no noroeste de Portugal. São o equivalentes aos nossos espigueiros, mas mais quadrangulares, e servem igualmente para guardar os cereais, permitindo a sua elevação face ao solo mantê-los protegidos da humidade e dos roedores. Acima da povoação de Viḷḷar de Vildas está a sua braña, La Pornacal, apenas acessível a pé e à distância de 4 quilómetros. Não a visitámos e optámos, ao invés, por visitar a Braña de Mumián, perto de La Pola, capital do concelho de Somiedo e lugar onde assentámos a nossa base.


As brañas são zonas de maior elevação com prados para o pasto, em especial gado, e com acesso a água. Fontes documentais mostram que terão origem no século 11, e normalmente estão entre os 1000 e os 1300 metros de altitude, acima das povoações que servem; é um exemplo da prática de transumância. Nelas veem-se casas pequenas, uma espécie de cabanas onde os pastores passavam as noites e refugiavam das intempéries. À semelhança dos hórreos e das paneras para o noroeste ibérico, as cabanas típicas das brañas são uma característica da arquitectura popular de Somiedo e uma daquelas imagens únicas e inesquecíveis.


A Braña de Mumián, a dois quilómetros a pé desde a aldeia de Llamardal, é uma das mais bonitas de Somiedo, restaurada com a ajuda de fundos do programa europeu Life. É um conjunto de 25 casinhas a cerca de 1400 metros de altitude e a sua implantação geográfica é fabulosa. Para a alcançarmos passamos por um bosque e depois seguimos a meia encosta com um vale muito bonito bem abaixo de nós onde está a aldeia de Caunedo que, juntamente com a de El Coto, também há de servir-se destes prados de pasto comunitários. O amanhecer daquele dia luminoso deixava ainda as nuvens matinais sob os nossos pés.

A Braña de Mumián possui um sistema mais evoluído e complexo do que as brañas de Sousas e La Mesa, por exemplo, com as terras aráveis, os prados de seca, as fontes e os bebedouros cercados por muros de pedra. Mas são as ditas casinhas, umas peculiares cabanas de pedra e com cobertura vegetal de palha (chamados teitos), as tais que servem de abrigo ao brañero (o pastor), que tornam a paisagem ainda mais deliciosa. Eram utilizadas sobretudo durante a Primavera e o Outono, enquanto o gado pastava nestas zonas mais frescas e húmidas – a palavra braña deriva de verania. O estábulo fica no piso inferior e o palheiro para armazenar o feno no sótão; eis a casa tradicional de Somiedo, compartilhada entre a família e o gado.

Outro dos lugares imperdíveis de Somiedo são os Lagos de Saliencia. Acabámos por não visitar o Lago del Valle, percurso pedestre que muitas vezes alia a visita também à Braña de Sousas. Mas os três outros lagos – La Cueva, Calabazosa e Cerveiriz – não hão de ser maravilha menor.



Primeiro passamos pela aldeia de Saliencia, com mais uma série de casas tradicionais de pedra, e seu vale ocupado por gado e algumas casinhas com telhado de palha, e iniciamos a subida até ao Alto da Farrapona, a 1708 metros de altitude. O vale de Saliencia visto desde aqui é fabuloso, com o verde dos prados rodeado da rocha cinzenta e rugosa das montanhas.


É no parque de estacionamento do Alto da Farrapona que tem início o trilho que nos leva até aos Lagos de Saliencia, havendo diversos caminhos de maior ou menor duração para chegar a todos os 4. Optámos por um trilho de cerca de 8 quilómetros que nos deixou face a face com os 3 referidos, quer na base junto à água quer em pontos mais elevados. São todos eles fabulosos, e sempre com muito gado a pastar tranquilamente ao seu redor, tranquilidade que passa de imediato para os caminhantes. A paisagem é muito, muito bonita, e desta vez tivemos sorte com o céu limpo, permitindo uma série de vistas desafogadas e detalhadas do recorte das cristas dos montes e dos reflexos destes na água dos lagos.







Mas o lugar não é apenas natureza em estado bruto, tem também uma história de ocupação interessante. Na envolvente do Lago de la Cueva extraiu-se ferro entre 1805 e 1978, combinando-se trabalhos a céu aberto com galerias subterrâneas. A Mina de Santa Rita, que teve o seu auge na década 1960 (chegou a produzir à volta de 100 toneladas de ferro e tinha cerca de 300 trabalhadores), deixou marcas na natureza, muito diferentes do que hoje podemos usufruir. Com efeito, em 1994 tiveram início os planos e trabalhos de restauro da área afectada pela laboração mineira, completados a partir de 2006 e que implicaram a contenção das paredes, a plantação de herbáceos, o restauro dos habitats e a preparação do espaço para o uso recreativo e do gado ao redor dos lagos.

Infelizmente, como já se disse, os planos para conhecer muito mais em Somiedo tiveram de ser abortados. Mas o trabalho de planeamento do que visitar estava feito. Ainda pudemos conhecer La Pola, com muita oferta de alojamento e de restauração. Tem mais uma bonita implantação geográfica, instalada ao lado de um rio e aninhada na montanha. Conserva a Igreja de San Pedro, com fachada inteiramente de pedra. E aqui fica o Centro de Interpretação do Parque Natural de Somiedo e o Centro de Interpretação de Somiedo e do Urso; não visitámos ambos. Nem Aguino, a aldeia mais próxima, instalada numa cova, perspectiva que um miradouro na estrada há de dar. Nem Peral e o seu miradouro do Príncipe. Nem Puertu, já a caminho da província de Leon. Nem, já se disse, o Lago del Valle e a braña de Sousas. Lista extensa, nela caberá ainda a possibilidade de observação de ursos ou de aves, como vimos muitos grupos de pessoas fazer, armados de binóculos e máquinas fotográficas de longo alcance. Todo um programa para ocupar diversos dias numa próxima viagem a Somiedo.
Obrigado
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