Las Médulas, na província espanhola de León, foi a maior mina a céu aberto do império romano. Situada a noroeste dos Montes Aquilianos e rodeada por montanhas, vales e rios, a paisagem que resultou da actividade de exploração de ouro por parte dos romanos não é natural, foi antes moldada pelo Homem, ao contrário do que à primeira vista possa parecer. Mas esta paisagem cultural é grandiosa e a história por trás dela surpreendente, estando classificada como património da humanidade pela Unesco.

Em tempos visitámos Tresminas e o seu complexo mineiro romano, no concelho de Vila Pouca de Aguiar, também uma mina a céu aberto, mas onde foi desenvolvido o processo de extracção por cortas, diferente do de Las Médulas. De qualquer forma, a admiração e o interesse suscitado foi tanto que planeámos passar a fronteira e visitar o seu companheiro mais a norte, objectivo agora cumprido. No complexo espanhol, maior e mais famoso, impressionam as várias montanhas e cones vermelhos, acompanhados do verde da vegetação, onde se destacam uns belos castanheiros, alguns deles centenários. À chegada dos romanos, quando aqui se estabeleceram no século 1, a paisagem era muito diferente daquela que deixaram dois séculos depois, quando abandonaram o lugar – a mina terá estado em funcionamento desde o ano 30 a 40 até finais do século 2 ou princípios do 3, época que coincidiu com a regulação do sistema monetário imperial, sendo então o ouro um material imprescindível para a cunhagem do aureus, a moeda dos romanos.

O depósito aurífero de Las Médulas terá sido formado há cerca de 6 milhões de anos, no final da época geológica designada por Mioceno. Na sua origem, o ouro encontrava-se encaixado nas rochas das montanhas e Estrabão, o historiador e geógrafo grego que viveu no século anterior à chegada dos romanos à hoje província leonesa, já narrava a riqueza aurífera destas terras. Os engenheiros e técnicos romanos haviam levado a cabo trabalhos de prospeção no nordeste da Península Ibérica em busca de depósitos auríferos, região com várias jazidas, tanto subterrâneas como a céu aberto. Nelas, os romanos utilizaram diferentes técnicas de extracção, conforme os depósitos de ouro estivessem perto da superfície ou se encontrassem cobertos por outros extractos estéreis em ouro.


Mas qual é, então, a história por trás desta paisagem cultural de Las Médulas? É, na verdade, a técnica usada pelos romanos para daqui extraírem o ouro, uma vez que neste caso ele estava coberto por outros extractos estéreis que chegavam até aos 100 metros. Para isso usaram um engenhoso procedimento conhecido por ruina montium, um trabalho de cortas de minado. A proximidade dos cursos fluviais foi essencial para esta empreitada, uma vez que era deles que vinha a água que depois era conduzida através dos canais construídos pelos romanos – nessa construção foi usada mão de obra local não escrava, pessoas livres que deviam jornadas de trabalho ao estado romano como parte da sua tributação. Esses canais escavados à mão na montanha com o recurso a picaretas e marretas são, no conjunto, parte de uma impressionante rede, a qual chegou a cerca de 600 quilómetros, tão impressionante como a ideia que lhe esteve subjacente. A água captada nas cabeças dos rios e seus afluentes era transportada por gravidade, uma vez que os canais estavam a uma cota superior à da mina, e era neles introduzida – recordar que estamos no interior da montanha -, sendo estes canais previamente minados e sem saída externa. Pela força motriz eram gerados fragmentos na terra que levavam ao seu derrube – ao derrube dos montes – e deixavam o ouro exposto. Depois deste processo de derrube, extraía-se o dito ouro, separando-se as partículas de ouro dos vários materiais acumulados que não interessavam. Havia canais de lavagem, onde era lavado o conglomerado aurífero e se recolhia o ouro, e canais de evacuação, para retirar os materiais estéreis. A acumulação destes estéreis produziu a formação de grandes depósitos e foi daí que surgiram os pináculos que hoje vemos e que por vezes tiveram até o efeito de modificar os cursos de água, o que aconteceu com o Arroyo Isorga, que ao tapar-se de forma artificial deu origem ao Lago de Carucedo.

Um dos melhores pontos para se observar a paisagem do Parque Natural de Las Médulas é o miradouro de Orellán, junto à aldeia de mesmo nome. São, aliás, duas as pequenas povoações nas imediações da antiga mina romana, esta de Orellán e a de Las Médulas, no extremo oposto. Do miradouro de Orellán avistamos uma paisagem imensa, a tal combinação de cones vermelhos com a vegetação verde. Estes cones, autênticas torres, dão um maravilhoso movimento ondulatório ao cenário. Em dias de céu limpo, que não era o caso, percebe-se ao fundo o Lago Carucedo, o tal originado em consequência dos procedimentos técnicos romanos na exploração mineira.



Para além da vista desde o miradouro de Orellán, a melhor forma de se conhecer Las Médulas é por-nos a caminhar. A partir da aldeia de Las Médulas, com casinhas com telhado de ardósia, há vários percursos e o mais comum e curto leva-nos até às covas de La Encantada e La Cuevona (com avisos para não nos aproximarmos, e muito menos entrarmos, por perigo de queda de rochas) e a um deambular pela base do Parque Natural mesmo junto aos pináculos de cor ocre e aos castanheiros com troncos retorcidos e de formas impressionantes, não sendo ainda invulgar avistar um ou outro veado.



Um percurso mais extenso faz-nos subir, desta vez a pé, ao referido miradouro de Orellán e, depois, caminhar por um trilho estreito e quase pendurado nas paredes rochosas até às Medulillas de Yeres, a última fase de exploração de Las Médulas, onde se ia avançando sector a sector e onde os movimentos de terra modificaram mais uma vez a morfologia do terreno – veem-se diversos túneis na rocha de origem romana, hoje refúgio importante de morcegos. Aqui, deixámos escapar o miradouro de Reirigo, por o acesso até lá não nos ter parecido seguro. Mais adiante está o miradouro de Predices, sobre a aldeia de Las Médulas, onde fica o pequeno centro de visitantes que nos dá uma abordagem à paisagem, incluindo o visionamento de um vídeo.



A visita à incrível Galeria de Orellán, junto ao miradouro de mesmo nome, é essencial para se perceber in loco a rede de canais parte do procedimento de ruina montium. Nela caminhamos por cerca de 200 metros até chegarmos a uma maravilhosa “varanda”, uma cova aberta na parede rochosa que nos permite contemplar a paisagem de Las Médulas. Uma paisagem onde propositadamente se fez correr rios de água pelos seus canais até que os montes se derrubassem e, assim, criassem este cenário raro e profundamente alterado pelos romanos.