Ilha do Maio

A ilha do Maio, uma das mais pequenas do arquipélago de Cabo Verde, é parte do grupo do sotavento. Plana, tem apenas 24 kms comprimento e 16 kms largura e está tão só a 10 minutos de voo desde a vizinha Santiago. Djarmai, o seu nome em Cabo Verde, é encantador, o lugar ideal para descansar e sentir a distância do mundo real. As infra-estruturas na ilha são o quanto baste, sem resorts ou hotéis ou lojas da moda. Há restaurantes, mas uma boa opção para comer é a de comprar um peixe acabado de pescar e grelhá-lo no carvão. Se queremos ser vistos e ver, então este não é o lugar para se estar. Classificada como Reserva Mundial da Biosfera pela UNESCO, o mar cor de indigo é a sua grande atracção e é a única ilha do arquipélago vocacionada para o turismo de sol e mar que escapou a um desenvolvimento intensivo.

A ilha leva no nome o mês da sua descoberta. Corria o ano de 1640 quando o cavaleiro Gonçalo Ferreira, da Casa do Infante Dom Henrique, desembarcou na Praia Gonçalo e se tornou no primeiro homem a pisar solo da ilha. Mas o seu povoamento só aconteceu no final do século 16, depois do território ter sido utilizado para a criação de gado, em especial o caprino. Aí, gentes vindas da ilha de Santiago vieram para dedicar-se à pecuária, mas também à extração de sal e ao cultivo de algodão.

Factor decisivo na história e desenvolvimento da ilha foi o sal, durante séculos a sua actividade económica mais expressiva e aquela que trouxe ingleses e piratas. O Maio foi incluído no dote de casamento da princesa Catarina de Bragança com Carlos II de Inglaterra e, por isso, os ingleses consideravam que lhes pertencia, circulando à vontade pela ilha. A sua maior povoação é a Vila do Maio, também conhecida por Porto Inglês, nome relacionado, precisamente, com a abundância de ingleses na ilha (e antes, ainda, foi conhecida por Porto Guindaste, pelo guindaste que existia junto ao embarcadouro). Todavia, o primeiro núcleo populacional terá sido Penoso, junto ao monte de mesmo nome, o mais alto da Ilha, com 437 metros de altitude. Nas terras ao redor e nas suas encostas os pastores criavam o seu gado, até que secas sucessivas e prolongadas levaram ao abandono progressivo dessa região. E assim, da criação de gado e aproveitamento da carne, pele e sebo passou-se para a extracção de sal, sendo que até ao século 20 estas salinas tiveram um papel importante no comércio internacional de sal, primeiro com os navios ingleses e depois com a exportação de sal para o Brasil e continente africano.

As salinas do Maio estão junto à vila do Maio e são a maior salina natural do país, com 5 kms de comprimento e 1,5 kms de largura. As duas lagoas de pequena profundidade, a salina grande e a salina pequena, estão separadas do mar por um cordão dunar paralelo à costa, cordão este que tem vindo a reduzir-se progressivamente. O sal é produzido a partir da água marinha, num processo natural onde o aquecimento da água pelo sol e a sua evaporação forçam a concentração de sal, passando a água a ter o dobro de sal do que no oceano. Veem-se montes de sal ao lado das lagoas, de forma a secar e, posteriormente, ser transportado para o armazém para limpeza de impurezas e moagem e para ser embalado. A exploração de sal actual não chega a 10% do que já foi nos tempos áureos da extracção. Ao mesmo tempo, estas salinas são um ecossistema muito dinâmico e um importante habitat de avifauna – este espaço natural e paisagem protegida de grande biodiversidade recebe muitas aves que aqui vêm nidificar, descansar e invernar.

O que não falta ao Maio são praias, longas faixas de areia branca e fina e água translúcida. Junto à lagoa grande da salina há uma, onde é garantido que não estará ninguém e, em dias limpos, temos os contornos da ilha de Santiago diante nós. Para além do descanso na areia, um bom divertimento é brincar nas suas ondas.

A mais concorrida, mas não muito, é a mais acessível delas e, ao mesmo tempo, uma das mais bonitas, a Praia Bitchirotcha. É a praia da vila, frequentada pelos turistas e pelos locais e também pelos pescadores artesanais. A cor da água é irreal, a tal indigo. Alguns veleiros descansam ao largo, os miúdos brincam nas ondinhas, os veraneantes bronzeiam os seus corpos brancos e uns rapazes saltam junto à falésia do forte.

A qualquer momento chega um bote de madeira com peixe e aí surge o momento mais animado e curioso do dolce far niente: os rapazes de corpos cuidados saltam do barco, fazem o corte e a limpeza do peixe mesmo ali à beira mar e a peixeira irá vendê-lo ou na praia ou nas ruas, expostos em baldes ou em cima de uma tábua, servindo igualmente o mercado e os restaurantes. A pesca permanece artesanal e ainda que seja responsável pela subsistência de parte da população, não é uma economia forte. A actividade agrícola ainda é dominante, embora também de subsistência e seguindo processos artesanais. E a seca é um problemão. Dados os abundantes recursos de peixe e marisco, esta seria uma fonte de rendimento em potência, mas o fraco nível tecnológico não ajuda. Aliás, a dificuldade está aqui, a economia é fraca e falta indústria e emprego. A emigração é grande e todos os meses levas de maienses saem da ilha em busca de emprego fora do país, situação comum às demais ilhas – há tantos cabo-verdianos na diáspora como nas ilhas do arquipélago.

Sobre a praia, a Vila do Maio / Porto Inglês é o maior centro urbano da ilha, porém, o ambiente é simples. Há uma casa de artesanato com objectos bem bonitos, a Associação Cultural Sete Sóis Sete Luas (também restaurante) acolhe residências artísticas, o mercado local está muito despido, as casas maioritariamente de um piso são coloridas, as ruas limpas, o Forte de São José relata a história da ilha nos seus painéis de azulejo e o edifício de mais destaque é a Igreja de Nossa Senhora da Luz, instalada num ponto alto na vila e em estilo português.

A ilha é pequena, já se disse, e merece a pena alugar um carro para conhecê-la para além da vila. A bicicleta não será o mais aconselhável, uma vez que ainda assim há que pedalar por um bom tempo sob o sol e o piso das estradas é muitas das vezes empedrado. Se é pequena em dimensão, a ilha é, no entanto, diversa em termos naturais – possui 1 parque natural (Norte da Ilha do Maio), 3 reservas naturais e 4 paisagens protegidas – e é dona de alguns aspectos interessantes na sua cultura – com produções de queijo, melancia e carvão.

Rumo a norte, pela vertente ocidental da ilha, a primeira povoação a surgir é Morro, com igreja com vacas e burros diante da sua porta, centro de cerâmica, praça central com iluminações de natal e uma mesa de matraquilhos debaixo de uma árvore e junto a um galinheiro. O Monte Batalha está nas suas costas, o segundo mais alto da ilha, com 294 metros de altitude.

A Calheta é uma povoação maior e divide-se em Ribona (Calheta de Cima), mais povoada, e Ribinha e Baxona (Calheta de Baixo), junto a uma bela baía abrigada onde está a segunda maior comunidade piscatória da ilha (detalhe importante: tem um bar / restaurante, um dos poucos fora da Vila do Maio onde podemos almoçar). É de uma pacatez incrível.

Passada nova povoação, desta vez a interior Morrinho, desviamos até ao mar, ainda que nunca andemos longe dele, para apreciar mais um bonito pedaço de costa com areia branca e, sobretudo, para visitar as Dunas de Morrinho – e aqui é imprescindível um carro com tração e alguma coragem para galgar o areal.

As Dunas do Morrinho são o maior sistema dunar da ilha e possuem uma estrutura dinâmica, com cerca de 3 kms comprimento e 500 metros de largura, chegando aos 15 metros de altura. A areia imaculadamente branca é coberta aqui e ali por vegetação típica, sendo também um lugar com comunidades de invertebrados e várias espécies de aves, bem como de nidificação da tartaruga marinha comum, uma espécie ameaçada de extinção. E estas dunas desempenham ainda um importante papel na protecção do litoral, funcionando como uma barreira natural contra os danos causados pela força das ondas durante as tempestades, prevenindo a invasão da água do mar e da areia para o interior, e protegendo a zona terrestre da intrusão salina.

Já estamos no Parque Natural do Norte da Ilha do Maio, a sua maior área protegida. Aqui fica a Praia de Santana, mais uma extensa linha de areia selvagem e escondida junto ao mar, e baías como Porto Cais, Praia Real e Galeão e o Ilhéu da Laje Branca (não visitámos estes dois últimos). A parte norte da ilha do Maio é desertificada, por conta da acção erosiva dos ventos fortes de noroeste provenientes do mar. E apesar de ser das mais áridas do arquipélago, e tal percebe-se aqui na perfeição, é aquela que tem o maior perímetro florestal de Cabo Verde, composto sobretudo por acácias, fruto de um programa de reflorestação. A acácia proporciona a madeira para os fornos de carvão – o Maio é a ilha onde se produz mais carvão – e o fruto (fava) para alimentar gado caprino e bovino.

No meio da planura e da aridez, surpreende a vista para picos sucessivos, como o Morro Santo António, Monte Sombreiro, Monte Chapéu e Monte Água.

Praia Gonçalo, já nordeste do Maio, é uma pequeníssima povoação. O nome deve-se ao tal Gonçalo Ferreira, o primeiro a desembarcar no local de chegada dos descobridores portugueses. Viemos até aqui pela sua praia, a Praiona, muitas das vezes referenciada como a mais bonita da ilha. Como o mar não estava plácido, nem o céu azul, não ficará no nosso top. Ainda assim, é mais um lugar deserto e tranquilo, cheio de pequenas enseadas e com uns barquinhos na areia, especialmente dedicados à pesca do búzio, como se percebe pelas muitas conchas amontoadas. E está guardado pelo Monte Penoso, que observa este recanto de costa maiense com zelo.

Com pouca inteligência, não trouxemos comida para esta jornada, pelo que a este ponto já havíamos percebido que não iríamos encontrar nenhum restaurante antes de voltar à Vila do Maio, ainda que nos tenha sido oferecido almoço numa casa em Praia Gonçalo. A solução foi parar na mercearia de Pedro Vaz e aí improvisar umas sandes com ingredientes importados de Lisboa a preços que os dobram. Como conseguem os cabo-verdianos comprar um 1 litro de leite? E umas salsichas? E um pacote de batatas fritas? Assim nos questionávamos enquanto comíamos num banco à beira da estrada, nesta que terá sido o principal povoado da ilha até à chegada dos ingleses ao Porto Inglês no século 17.

No interior oriental, não subimos ao Monte Penoso, o tal mais alto da ilha, com 437 metros de altitude, e em cujo sopé se fundou o primeiro assentamento humano local, evitando-se assim pilhagens por parte dos piratas. Historicamente visto como misterioso e sagrado, diz que do seu topo se observa toda a ilha e em dias limpos a vizinha Santiago, o que não duvidamos.

E, assim, seguimos para a Ribeira Dom João, nova baía, desta vez larga e onde a ribeira de mesmo nome vem desaguar. Uns barcos na areia dão umas pitadas de obra humana ao conjunto natural e ao lado há nova baía, desta vez mais pequena, onde mergulhámos. Nas costas destas enseadas está a povoação, famosa pela sua queijaria comunitária. O Queijo di Terra, da ilha do Maio, é uma tradicional iguaria muito apreciada que serve de acompanhamento nas refeições e está associado a festividades locais.

Estamos quase de volta à Vila do Maio, mas ainda com tempo para passar no Barreiro (clube local de nome Barreirense e com as mesmas cores daquele que fica à beira Tejo). A esta altura já estávamos versadas no “urbanismo” típico local, rua de entrada ladeada de casas baixas coloridas, mas esta foi a povoação onde vimos mais gente nas ruas. E onde nos surpreendemos pela implantação da sua vizinha Banda Riba, separada por um vale.

As cores de fim de tarde estavam maravilhosas e antes de nos despedirmos do sol na Praia Bitchirotcha, já na Vila do Maio, lanchámos um marisco e tomámos uma bebida no restaurante da Praia da Ponta Preta, a de falésias douradas, mais um elemento na paisagem diversa da ilha do Maio.

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