O Paul do Boquilobo é uma Reserva Natural na lezíria do Tejo, em pleno Ribatejo, a 5 kms da Golegã. Situada na margem direita do maior rio português, esta área protegida está rodeada de solos extremamente férteis, fazendo parte da extensa planície de aluvião localizada entre os rios Tejo e Almonda, sendo ao mesmo tempo um ecossistema com grande diversidade de fauna e flora, especialmente importante para a nidificação de aves aquáticas.

Azinhaga, a aldeia onde cresceu José Saramago, fica muito perto, daí que o Paul do Boquilobo seja parte das memórias da sua infância. Sobre ele escreveu, “um lago, um pântano, uma alverca que o criador das paisagens se tinha esquecido de levar para o paraíso”.

Com cerca de 554 hectares, o Paul é atravessado por um braço do rio Almonda, que nasce na Serra de Aire e desagua no Tejo. Quando estes dois cursos fluviais transbordam os seus leitos habituais, a área inunda sazonalmente, o que normalmente acontece por volta de Outubro / Novembro até à Primavera. Esta inundação natural é essencial para a manutenção dos habitats de avifauna invernante e tem uma grande variação no volume de água ao longo do ano, muito por conta também da densa rede de canais e valas existentes nesta região.


A primeira vez que visitámos o Paul do Boquilobo, num Dezembro de 2021 antecedido por pouca chuva, a vegetação estava visivelmente seca e quase não havia água; em Janeiro de 2024, pelo contrário, a época normal de chuvas havia acontecido e a vegetação apresentava-se viva e a água era generosa. Compare-se as fotografias.




De qualquer forma, no chamado Braço do Cortiço há uma área permanentemente alagada (como que duas lagoas) que em meados do século 20 foi um arrozal, possuindo agora, ao invés, manchas de caniços e tufos de bunho. Na visita a esta reserva, não podemos caminhar por todo o lado, apenas pelas zonas indicadas (a zona de protecção Integral está vedada aos visitantes, por ser considerado o coração da Reserva, onde estão as suas espécies mais emblemáticas e que carecem de mais sossego).


Por exemplo, na margem de acesso a esta zona, ao longo de um troço do Almonda e onde há dois postos de observação, é visível uma exuberante galeria ripícola composta por freixos e salgueiros, um belo bosque.



Um pouco mais afastado do curso de água, e parte do percurso circular pela reserva, podemos percorrer um montado que em tempos foi plantado para dar cortiça e servir de pasto para o gado bravo, sendo agora uma floresta de sobreiros com exemplares arbóreos com vigorosos troncos e copas.

Na primeira visita à Reserva Natural do Paul do Boquilobo, visitámos o seu pequeno centro de interpretação, com uma exposição sobre a área, e vimos anilhar um guarda-rios. Nesta segunda visita levámos os binóculos para melhor poder descobrir e admirar as várias espécies que aqui costumam marcar presença. Assim, desde o posto de observação mais perto do centro, conseguimos ver um conjunto de garças ao fundo, diversos corvos em cima das árvores, uma ave de pernas rosa na base de uma árvore e muitos patos pretos na água a mergulhar. Estão registadas 238 espécies já observadas na reserva, algumas raras ou ocasionais, as quais representam 44% das espécies registadas em Portugal e 31% das registadas na Europa, numa área de apenas 0,009% do território nacional. É um lugar privilegiado de invernada de patos, entre eles o pato real, bem como galeirão, galinha de água, mergulhão pequeno e diversas garças. Está ainda registada a presença de 28 espécies de mamíferos, como a lontra, texugo, gineta, toirão, raposa, doninha e javali. Anfíbios são 18, entre os quais a salamandra, e répteis 11, como a cobra de água, cágados, osga e lagartixa do mato. Há ainda o registo de diversidade de peixes e invertebrados, uma indicação da qualidade da água e da saúde do ecossistema, e entre as 17 espécies encontram-se a boga e o ruivaco. E não faltam invertebrados como borboletas, pirilampos e cigarras. Na flora e vegetação, para além dos já referidos salgueirais e caniço nas zonas mais alagadas, há também freixos, choupos e roseiras bravas na mata ribeirinha e nas zonas menos inundadas e sobreiros, pinheiros mansos, carvalhos e muita aroeira nas encostas secas, num total de 308 espécies de plantas.

Há um percurso pedestre com início no centro de interpretação com pouco mais de 5 quilómetros que nos transporta pelo interior da Reserva. Há que seguir no trilho e em silêncio, para melhor respeitar e poder observar estas espécies, melhor percebidas desde os postos de observação. E um outro percurso, marcado e oficial, o PR1 da Golegã, com cerca de 10 quilómetros, tem início na povoação Mato de Miranda e permite-nos igualmente caminhar pela Reserva mas ter uma perspectiva mais alargada da sua envolvente, nomeadamente percebendo os ditos solos férteis da lezíria, com diversos terrenos agrícolas ao redor.


Custa a acreditar que zonas húmidas como o Paul do Boquilobo já foram comuns por todo o nosso território. No entanto, zonas com estas características foram desaparecendo ao longo dos tempos dada a necessidade do Homem ganhar mais espaços para a agricultura. E estas são terras muito férteis, já se disse, logo muito tentadoras para essa expansão. Curiosamente, a manutenção deste Paul deve-se, em parte, ao facto de estar integrado em quintas de razoável dimensão, como a Quinta do Paul do Boquilobo, a Quinta de Mato de Miranda e a Quinta da Broa / Quinta do Almonda (esta última berço do cavalo lusitano). E foi, precisamente, o saber conciliar a conservação da biodiversidade com atividades humanas que promovem o seu desenvolvimento sustentável que levou a que o Paul do Boquilobo fosse a primeira área portuguesa a integrar a Rede Mundial de Reservas da Biosfera Unesco, em 1981.