Ferraria de São João é uma pequena aldeia instalada na vertente sul da Serra da Lousã, região com o maior número de povoações parte integrante da rede de Aldeias do Xisto, como esta. No concelho de Penela, está implantada num lugar rodeado de elementos naturais, com a Serra do Espinhal e sua Cascata da Pedra Ferida à espreita a norte e a companheira de xisto Casal de São Simão a sul.

A natureza é quem mais comanda as emoções vividas na aldeia. Para lá chegarmos seguimos por uma estrada que parece não ir dar a lugar habitado, tão remoto é ainda. Só em 1961 uma estrada de terra batida permitiu a ligação à aldeia, até aí feita por caminhos estritamente pedonais. Mas se a dita estrada trouxe a possibilidade de melhor circulação de pessoas e bens, também foi responsável por levar os seus habitantes da aldeia, que à semelhança de muitas outras no nosso país desde aí se viu muito desertificada. A Ferraria está num vale com solos de alguma riqueza e que possibilitaram a subsistência das suas gentes ao longo dos tempos, perto de ribeiras afluentes da Ribeira de Alge, por sua vez afluente do rio Zêzere, que não muito longe se expande na sua faceta de Albufeira de Castelo de Bode. Foi neste vale no fundo de uma encosta caracterizada por uma crista quartzítica que se instalou a Ferraria de São João e, na verdade, é o quartzo que predomina nas construções da aldeia, de arquitectura popular, a par do xisto, calcários e madeira.





A Serra do Espinhal é também conhecida como Serra de São João e o topónimo da povoação dever-se-á não apenas a este aspecto como também à antiga existência de uma pequena exploração de ferro na aldeia. E assim ficou Ferraria de São João. Não vemos já vestígios desse passado, mas vislumbra-se futuro à aldeia. À entrada, o centro de BTT, o primeiro do país, faz companhia à Capela de São João, uma boa forma de nos receber. Uma rua empedrada a direito, murada de um lado e com um alojamento local do outro (o pormenor do pão deixado à espreita é delicioso), vai deixando perceber o que nos espera. É um lugar de uma tranquilidade imensa. Há poucas ruas e não muitas casas (serão menos de meia centena, a maioria segundas habitações e muitas desabitadas) e é a envolvente paisagística a sua grande preciosidade. Todavia, o espírito de comunidade não se foi. Os últimos anos trouxeram alguns novos habitantes que procuram manter vivo o lugar, e não apenas pelo centro de BTT e os seus 5 percursos delineados ou pela possibilidade de alojamento para turistas. A cultura do lugar, onde ainda domina a agricultura e a pastorícia de subsistência, é agora também expressa pelo dar a conhecer a quem a visita os modos de fazer tradicionais, como o queijo e o pão.


Ferraria tem como elemento distinto os seus currais comunitários, ao fundo da aldeia e sob o montado de sobreiros. Embora muitos estejam ao abandono, estes currais são o maior testemunho do tempo onde a dita agricultura e pastorícia eram as principais actividades da população local. O seu rebanho comunitário chegou a ter mais de mil cabeças, maioritariamente caprinos, e era nestes currais que cada proprietário guardava seu o gado. Por cada 15 cabeças sua propriedade, estava obrigado a acompanhar por um dia o rebanho; se fossem 30, acompanhá-lo-ia dois dias. Hoje serão cerca de 20 a 30 cabeças no rebanho, mas o esquema permanece, e desde o fundo do vale chega-nos o tilintar dos chocalhos dos animais a pastar, qual banda sonora da visita à aldeia.


Mas talvez o maior exemplo da união entre a comunidade e a natureza esteja no sobreiral junto aos currais. Os grandes incêndios de Junho de 2017 deixaram a Ferraria totalmente cercada pelo fogo, o que despertou nos seus habitantes a necessidade de se mudar o paradigma no que à ocupação florestal da sua envolvente dizia respeito, com o objectivo de prevenção e mitigação dos efeitos dos incêndios. O sobreiral secular terá sido o factor determinante para que o fogo não avançasse para a aldeia, tendo sobrevivido a esmagadora maioria dos seus exemplares. Nesse sentido, a Associação de Moradores, revitalizada pelos novos habitantes, desenvolveu um projecto de reflorestação sustentável que inclui a construção de uma Zona de Proteção à Aldeia (ZPA), com o recurso à plantação de espécies autóctones de baixa combustividade numa faixa de 100 metros ao redor da aldeia. Assim, para além dos existentes sobreiros, passa a haver também carvalhos, castanheiros, cerejais, nogueiras, azevinhos e medronheiros, mais resistentes ao fogo e capazes de garantir rendimento económico alternativo.

Este lugar, bem como o dos currais, é terreno baldio, logo propriedade da comunidade da aldeia, embora os seus elementos – sobreiros e currais – sejam propriedade de diversos donos. O sobreiral, bem debaixo das formações rochosas que vigiam todo o aglomerado urbano, para além da sua função de prevenção de incêndios, cumpre ainda outras funções, como a de parque de merendas, lugar onde se podem descobrir estórias curiosas ligadas à povoação (assim se tenha atenção às placas ai instaladas para esse propósito) e recanto paisagístico. Algumas árvores de grande porte são airosas e todo o sítio inspira um sentimento de pertença. Dá gosto aqui permanecer, observando de perto a tranquilidade da aldeia.