Tashkent é a capital do Usbequistão e a maior e mais populosa das cidades da Ásia Central. Outrora um dos principais centros de comércio da antiga Rota da Seda, no século 19 tornou-se parte do Império Soviético, tendo sido considerada a sua quarta maior cidade. Muitíssimo destruída pelo terramoto ocorrido em 1966, foi reconstruída e é hoje evidente o seu urbanismo de estilo soviético, embora mais tardio, com longas e largas avenidas e edifícios de arquitectura modernista brutalista. Apesar desta sua faceta soviética, Tashkent preserva ainda parte da cidade velha, onde estão alguns edifícios islâmicos e o maior bazar da cidade.

Recordo quando nos anos 1990, em Lisboa, estavam ainda os cinemas King e Quarteto em funcionamento e de, numa dessas salas, assistir a filmes que eram antecedidos de uma apresentação da rede de cinemas a que pertenciam – e lá aparecia a palavra Tashkent. E para mim ficou, assim, um nome familiar.

Por Tashkent passámos, infelizmente, de modo breve, dedicando-lhe apenas um dia, manifestamente insuficiente. Iniciámos o nosso passeio pela cidade velha. A madraça Kukeldash, construída em 1570 pela dinastia Xaibânida e então parte da praça principal da cidade, possui uns bonitos mosaicos azul majólica a revestir a fachada, à semelhança do que viramos nos dias anteriores nas madraças de Samarcanda.

Junto a ela tem o antigo Hotel Moskva, uma torre de arquitectura soviética construída na década de 1980 e hoje com o interior esventrado.





E o Mercado Chorsu anda perto deles. Já se sabe que os bazares são o coração das cidades orientais, onde se sente o seu pulsar vibrante. O Chorsu não foge à norma e aqui, depois de apreciarmos a sua inconfundível arquitectura oval onde se destaca a enorme cúpula também decorada com mosaicos azuis, entramos e logo usufruímos da sua grandeza e vida. Já centenário, no seu interior – mas também em larga medida nas imediações – tudo se vende, como carne, uma série de produtos derivados do leite, fruta de um colorido esfuziante, especiarias idem, frutos secos, doces e, entre muitos outros, massa diversa como aquela que servirá para fazer o laghman, um dos pratos nacionais. Como sempre, as pessoas são simpáticas e têm gosto em nos dar a provar os seus produtos.



Atravessadas as ruas de um bairro feito de casas de barro, correspondente ao antigo casario da hoje metrópole que resistiu ao terramoto, chegamos ao Complexo Hazrat Imam, o centro espiritual da cidade. Hazrat Imam foi um dos primeiros imanes da cidade, erudito, cientista, poeta e artesão e aqui está o seu túmulo, juntamente com edifícios monumentais, como a Madraça Barak-Khan, a Mesquita Hast Iman, a Mesquita Tilla Sheikh e o Instituto Islâmico Imam al-Bukhari. Todos estes edifícios possuem uma arquitectura a que não estamos habituados, mas que, uma vez visitado o Usbequistão, percebemos que é típica deste país. Não cansa admirar uma e outra vez os seus mosaicos. A Madraça Barak-Khan, imponente no seu portal de entrada, tem o pátio ocupado por uma série de lojas que vendem ao turista lembranças da sua visita. A Mesquita Hast Iman é recente, bem como os dois minaretes que a acompanham, tendo sido construídos em 2007, ao estilo do século 16. E o complexo é ainda famoso por possuir um museu, instalado na antiga Madraça Moyi Mobarak, onde para além de uma rica biblioteca com manuscritos orientais está guardado aquele que é considerado o mais antigo Corão do mundo, escrito em meados do século 7. É um Corão otomano que se crê ter estado nas cidades de Medina, Damasco e Bagdade, à guarda dos respectivos califas, e que nos tempos de Tamerlão terá sido trazido para o Usbequistão; no século 19 andou por São Petersburgo, onde os cientistas russos comprovaram a sua autenticidade e o remeteram novamente para o país.



Na envolvente deste complexo, uma generosa área verde acolhe diversas árvores, algumas exóticas, e flores. Aliás, parques e jardins não parecem faltar a Tashkent. Percebe-se que houve aqui planeamento urbanístico, ainda em desenvolvimento, mas a sua enorme escala não é amiga do turista, muito menos daqueles que não se dispõem a dar-lhe tempo para a conhecer, o nosso caso. Vale que o metro nos permite ligar os pontos. Para mais, o metro de Tashkent (bilhete a 14 cêntimos! em 2024) é ele próprio uma visita imperdível, designadamente algumas das suas estações, verdadeiras obras de arte desenhadas por artistas e arquitectos locais e decoradas com motivos e temas caros à sua cultura. O primeiro sistema de metropolitano da Ásia Central, até há poucos anos não poderíamos fotografar as suas estações, mas hoje podemos não só admirá-las como trazer connosco auxiliares de memória. Todas as estações serão dignas de visita, mas tocou-nos conhecer as seguintes:



Cosmonauts, uma homenagem aos cosmonautas soviéticos (esta estação foi construída na década de 1980, altura em que, lembre-se, Tashkent era parte da União Soviética) – está decorada com medalhões de cerâmica com a representação de figuras como Yuri Gagarin, o primeiro cosmonauta, e Valentina Tereshkova, a primeira mulher no espaço, para além de muros que se propõem imitar a atmosfera do espaço e umas colunas verdes que nos transportam para um outro mundo.

Pakhtakor, de significado “colectores de algodão”, uma das estações mais antigas da rede, da década de 1970, decorada com mosaicos azuis e verdes que representam a flor de algodão.


Alisher Navoi, com personagens e histórias de obras do poeta do século 15, vistos nos murais de cerâmica. O tecto propõe-se representar as cúpulas das mesquitas e madrassas da época do poeta, em que a Rota da Seda vivia um dos seus grandes períodos.



Gafur G’ulom, um poeta do século 20, nesta estação de metro o destaque vai para as colunas de granito de cor turquesa, bem como as cerâmicas nas paredes.


A Praça Amir Timur é outro dos pontos centrais de Tashkent. Timur, já se sabe, é o grande conquistador usbeque, fundador de um império imenso, e está aqui imortalizado numa estátua a cavalo. Ao redor da praça está o Hotel Uzbekistan, mais um exemplo do brutalismo soviético, e o mais recente Palácio Internacional Forums, enorme na sua estrutura e forma, bem como universidades e museus.

E daqui sai uma animada rua pedonal, onde nos distraímos a jogar ping pong numa das suas mesas até chegarmos à Praça da Independência. Com mais museus por perto, o edifício da ópera e a antiga residência do Príncipe Romanov, neto do imperador Nicolau, construída em 1891. Elegante, diz que o seu interior apresenta uma interessante decoração, mas o palácio encontrava-se fechado por ocasião da nossa visita. Assim como o Museu de Artes do Estado, para o qual se prevê futuro projecto de requalificação de Tadao Ando.

A Praça da Independência (Mustakillik) já foi Praça Lenine e teve uma estátua sua no meio, mas desde a independência do Usbequistão mudou de nome, a estátua foi retirada e colocado um monumento em forma de globo com as fronteiras do país e requalificado o espaço, criando-se mais zonas verdes e fontes. Todavia, toda a zona estava com acesso vedado, talvez por aqui estarem situados uma série de edifícios e serviços governamentais e houvesse algum evento especial, limitando-nos a conhecer o grande arco dedicado à paz, uma espécie de ponte suportada por uma série de colunas.


Soube a pouco. Sentimos que a cidade merecia ser melhor descoberta, nomeadamente no que respeita aos seus museus, para lá da Galeria de Arte do Usbequistão, o único espaço museológico a que dedicámos tempo.