Samarcanda – História e Rota da Seda

Samarcanda é uma ideia mítica. O nome desperta fascínio e inspirou mitos, lendas e poemas, transportando a nossa imaginação para aventuras e fantasias várias. À cabeça vêm centenas de caravanas de camelos e homens a atravessar os desertos impiedosos da Ásia Central, bazares cheios de cor e vida, mesquitas esplendorosas e caravanserais acolhedores. Mas Samarcanda é real, a casa ancestral dos timúridas, os senhores de um império que foi da Turquia à Índia, e hoje a terceira cidade do Usbequistão. Com mais de 2750 anos de história para explorar, é um lugar por onde passaram personagens como Alexandre, o Grande, Genghis Khan e Timur (Tamerlão). E foi o coração da Rota da Seda, restando dessa época grandiosa o espectáculo de madraças, mesquitas e mausoléus que podemos ainda hoje visitar, um património grandioso distinguido pela Unesco como património da Humanidade.

Quando Alexandre, o Grande por aqui passou, no século 4 a.C., a cidade era conhecida por Marakanda e diz-se que dela terá dito “tudo o que ouvi acerca de Samarcanda é verdadeiro, excepto que é ainda mais bonita do que imaginei”, e acabou por casar com Roxana, filha de um chefe de clã local. Marco Polo nunca a visitou, mas nas suas memórias dela escreveu ser uma “cidade esplêndida”. Ian Battuta, o grande viajante do século 14, descreveu-a como uma das maiores e melhores cidades e a mais perfeita delas em beleza. Já Amir Maalouf, no seu livro Samarcanda, diz ser ela “a mais bela face que a Terra já mostrou ao Sol.”. E, prova final da sua fantasia, foi em Samarcanda que Sherazade contou as histórias que percorrem as páginas das Mil e Uma Noites.

Crê-se que Samarcanda tenha sido fundada por volta do século 5 a.C. e foi então a capital do antigo estado Sogdiana, mencionada no Avesta, a compilação dos textos sagrados do zoroastrismo. No Museu Afrosyab, instalado no local onde a cidade terá sido originalmente fundada, estão expostos uns frescos pré-islâmicos de Sogdiana, a cidade antiga de Samarcanda. Mais tarde, Alexandre arrasou-a, Gengis Khan conquistou-a, e foi Timur o grande responsável pela sua grandeza e centro de um vasto império, a que o seu neto Ulugh Beg deu continuação, transformando-a igualmente num centro científico e cultural. E de comércio. Estava-se, então, no século 14 e 15, época em que a Rota da Seda vivia o seu auge. No século 16 a cidade seria conquistada pelos xaibânidas, tribo usbeque que viria a dar o nome ao país de hoje, e Samarcanda foi incorporada no khanato de Bucara, perdendo relevância para esta. Ainda assim, diversos monumentos que chegaram ao nosso tempo são deste período. No final do século 19 estava, porém, praticamente deserta, e foi o caminho de ferro que em 1888 a fez reassumir parte do papel que chegou a possuir enquanto peça central no caminho de ligação entre oriente e ocidente, conferindo-lhe uma nova faceta industrial – havia chegado o tempo dos russos, que conquistaram Samarcanda em 1868.

A Rota da Seda foi decisiva para a história e notabilidade de Samarcanda (e também de Bucara e Khiva). Simbolizando a paixão de viajar, a designação foi cunhada em 1877 pelo geógrafo alemão Ferdinand von Richthofen. Mas, na verdade, não se refere apenas a uma rota, antes a uma rede de rotas que entre o século 2 a 15 ligaram a China ao Médio Oriente e ao Mediterrâneo, o oriente ao ocidente. Através dessa rede trocaram-se bens, mas também ideias e crenças – diz-se, por exemplo, que a difusão rápida do islão tal como se verificou teria sido impossível sem a Rota da Seda. E o nome “seda” deve-se ao facto de este ser, então, um bem de luxo que alcançou um valor aproximado ao do ouro. Carregadas de bens preciosos como chá, marfim, metais preciosos, cavalos e cerâmica, para além da dita seda, as caravanas tomavam rotas que passavam pelo coração da Ásia Central, um território imenso cheio de dificuldades a atravessar, como cordilheiras nevadas, desertos escaldantes e rios caudalosos, numa sucessão de quilómetros sobre quilómetros sujeitos a perigos vários, quer naturais quer humanos. E a Rota da Seda foi o primeiro sinal da globalização, acabando por ser uma alavanca no desenvolvimento das sociedades e seus indivíduos. Todavia, tudo tem um fim (pese embora recentes planos chineses para impulsionar uma nova Rota da Seda, agora designada “Uma Faixa, Uma Rota”). O império mongol de Gengis Khan, que a partir de 1206 estendeu o seu território da Coreia à Polónia, melhorando caminhos e tornando-os mais seguros, permitiu em grande parte a intensa comunicação através da rede de rotas da seda, mas a sua desintegração e, mais tarde, a conquista otomana de grande parte deste território levou os europeus a procurarem alternativas à Rota. O que acabou por acontecer com as viagens marítimas portuguesas, nomeadamente a chegada por mar à Índia. Ao mesmo tempo, passou a produzir-se seda e porcelana na Europa, dois dos produtos por excelência da milenar Rota da Seda. Todavia, estes são tão simbólicos que são eles que ocupam quase na maioria as muitas lojas dedicadas ao turismo. O comércio continua a ter um papel fundamental, ainda hoje, e o seu colorido é outra das atracções numa viagem pelas cidades do Usbequistão que outrora foram o coração da Rota da Seda.

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