De São Lourenço ao Magoito (23 kms) – 2° Acto

A etapa anterior havia tido o seu final no areal por onde o Rio Safarujo fura para chegar ao mar na bela baía de São Lourenço. Não subimos a falésia a pé, mas iniciámos este 2° acto da jornada Santa Cruz – Lisboa no alto junto ao Forte de Santa Susana, em Ribamar. Esta pequena fortaleza foi mandada construir por D. João IV, no século XVII, para a protecção de ataques de piratas e acabou por fazer parte da estrutura defensiva das Linhas de Torres, aquando das Invasões Francesas do princípio do século XIX.

Os piratas e os invasores hoje são outros. Portugueses ou estrangeiros, a maior parte vem a esta região em busca das ondas que fizeram com que desde 2011 fosse aqui instituída a Reserva Mundial de Surf da Ericeira, concelho de Mafra. Ao longo de 4 kms, que começaremos agora a percorrer, desfilam as maiores ondas da Ericeira: São Lourenço (que deixámos para trás), Coxos, Crazy Left, Cave, Ribeira d’ Ilhas, Reef, Pedra Branca. Todas diferentes, mais curtas ou mais longas, de fundo de areia ou de laje, para experientes ou para principiantes, aqui se encontram ondas para todos os gostos e níveis de exigência. E, claro, esta Reserva para além de pretender atrair gente de todo o mundo em busca da experiência do surf, criando toda uma economia ligada a esta indústria (turismo, campeonatos, comércio), procura igualmente proteger os recursos naturais da orla costeira – aquela por onde agora seguimos.

Do Forte de Santa Susana caminhamos até à Baía dos Dois Irmãos, mais conhecida por Coxos. À distância percebemos logo que não havia ondas, custa até a crer que aqui esteja um dos melhores pointbreaks de direita do mundo e a melhor onda de Portugal, mas distraímo-nos no caminho com umas flores bem coloridas. E à chegada aos Coxos as atenções ficaram viradas inteiramente para o fundo com pedra fossilizada na sua entrada norte. No entanto, a restante praia é de areia, numa bela baía com uma forma oval perfeita.

Um trilho de terra batida que por um momento nos faz seguir por uma vegetação de canaviais que chega a formar um breve túnel conduz-nos à Praia do Cavalinho. Algures no mar à sua frente quebra quando quebra a onda conhecida como “Cave”, uma das mais exigentes e técnicas, funcionando apenas com grandes ondulações. Esta praia tem uma forma curiosa, com a falésia recta não sobre o mar mas antes sobre uma longa rampa com fundo de laje.

Vamos admirando a laje que insiste em dominar a costa desta área, até que chegamos a Ribeira d’ Ilhas. Bonita, com bons acessos e estacionamento, não apenas o seu areal é grande como a sua onda é longa, ideal para todos os níveis de surf. Esta foi a primeira praia onde se celebrou um campeonato de surf em Portugal, não admirando que seja popular. Atravessamos o areal e subimos a escadaria de madeira que nos leva até ao miradouro com uma escultura de um surfista.

A vista daqui é fantástica, paisagem aberta para ambos os lados. Mas um pouco mais adiante essa vista torna-se ainda melhor, com as falésias que antecedem Ribeira d’ Ilhas bem definidas no horizonte e a praia do Alibabá mesmo à nossa frente. No topo da falésia desta praia fica o Forte Mil Regos, onde entramos nas suas ruínas para descobrir um baluarte ainda de pé.

Daqui até à Praia da Empa ficámos a imaginar como serão as restantes ondas da Reserva do Surf, como a “Reef” e “Pedra Branca”. Talvez por isso, olhar para o mar sem ondas fez com que distraidamente entrássemos pela Villa Ana Margarida adentro. É um pedaço de kitsch à porta da Ericeira, mas a verdade é que aquela arquitectura típica, janelas, chaminés e cores, encontramo-la igualmente na vila. Antes, porém, teremos de passar pela Praia do Matadouro, a mais interessante das praias da Ericeira.

Descemos ao areal e seguimos até ao seu final, passando por formações rochosas submersas, outras cobertas com um género de alga verde e até uma cascata na transição com a Praia de São Sebastião. Um rapaz pescava mesmo junto à água e não deixámos de pensar que os miúdos ainda gostam de ocupar o fim de semana longe da tecnologia.

Subimos até à Capela de São Sebastião e entramos, então, na vila da Ericeira. A primeira imagem é a das casas penduradas na rocha, mais parecendo um prolongamento dela. Custa a crer que estejam mesmo seguras. Vale a pena percorrer algumas das ruinhas da Ericeira, as quais juntamente com as suas praias retêm ainda o ambiente balnear dos anos 50. A pintura da fachada da discoteca-bar Ouriço é exemplar na recriação da arquitectura e ambiente do lugar. A este ponto da jornada, vale a pena reler as linhas que Ramalho Ortigão dedicou à Ericeira na sua obra “As Praias de Portugal”: “se exceptuarmos Olhão, no Algarve, é esta terra mais asseada de Portugal […] As ruas escrupulosamente varridas como as de um jardim. As mais pequenas casas têm as vidraças lindamente lavadas e as paredes exteriores caiadas de branco.”.

Praia do Norte, Praia dos Pescadores e Praia da Baleia (ou do Sul) são as praias que banham a Ericeira. A Praia dos Pescadores, donde D. Manuel II, o último rei de Portugal, partiu para o exílio após a Implantação da República, é uma enseada mesmo no centro da vila e está ocupada pelo porto. As gruas marcam a paisagem, mas ainda assim o seu longo areal é concorrido, embora muitas das pessoas optem por ficar recostadas junto às rochas. Antes de chegarmos à Praia da Baleia passamos pela Marisqueira Furnas, instalada mesmo em cima dos rochedos das furnas lagosteiras, imediatamente para o mar. É um dos lugares que deve constar de qualquer lista das melhores experiências gastronómicas no que a marisco diz respeito, não apenas da Ericeira mas de toda a região de Lisboa.

Da Praia da Baleia, com o seu edifício-hotel com um característico telhado verde, escreveu Ramalho Ortigão que era uma praia “perfeitamente abrigada por uma cortina de rocha que a rodeia como um biombo”. Assim é e não haverá melhor imagem para a descrever. Depois de uns quilómetros de caminhada plana e sempre ao nível da água, ao deixar a Praia Sul subimos e voltamos a caminhar junto ao mar desde o alto da falésia, embora esta não seja aqui muito elevada.

A aproximação à Foz do Lisandro é bestial. Cá de cima observamos o longo areal para onde uma série de ondas bem definidas rolam. É nesta praia que paramos para almoçar, para logo de seguida atravessarmos o areal e, no seu final, colocarmos literalmente o pé na poça para chegar à outra margem do estreito Lisandro. Não fosse o rio um fiozinho de água na sua foz e teríamos de dar uma longa volta pela estrada até subir de novo à falésia.

Já cá em cima, o trilho ladeado por vegetação rasteira deixa-nos junto a um solo com uma série de buracos com formas estranhas, um lugar irreal de “rocha esburacada de profundas marmitas”, como se refere a esta rocha calcinada o Volume XIX, de 1914, da revista “O Archeologo Português”. Foi a única referência que encontrei a este fenómeno geológico, o qual será conhecido como a Furna do Gaiteiro. Espreitando com cuidado ouve-se e chega a ver-se a água no fundo destes buracos na rocha negra bem por cima da arriba junto ao mar. Vemos ainda uma longa fenda na rocha, imediatamente abaixo da Capela de São Julião, e a beira do mar com a laje enrugada fossilizada, como já tínhamos visto ao início do dia nos Coxos. Passamos uma fonte, talvez uma das mais belamente localizadas do nosso país, e descemos até à areia da Praia de São Julião.

Aqui na foz do Falcão, rio que não chegamos a perceber, faz-se a divisão dos concelhos de Mafra e Sintra. Atravessado o areal, há que subir novamente à falésia. Os surfistas andam lá em baixo deitados nas suas pranchas, aguardando uma onda que lhes faça ganhar o dia, mas é a laje que volta a encantar. Muito cénica, é até capaz de formar uma piscina natural. À Praia da Vigia (ou Vide) pode aceder-se pela areia de São Julião na maré baixa. É um longo areal, quase deserto, um perfeito paraíso.

Do topo da arriba olhamos para norte e vemos ao fundo a Ericeira que deixámos para trás. Como está crescida esta povoação.

As praias com areia vão de folga durante uma meia-hora de caminhada e voltam apenas com a Samarra. À aproximação desta praia vamos vendo ao longe uma elevação rochosa que parece um chapéu circular. Havemos de lá passar. Antes, porém, não nos cansamos de admirar e gabar a Samarra desde cima. É o pedaço de costa mais surpreendente do dia. A foz da ribeira de mesmo nome corre até ao mar num vale apertado e em curva. É uma beleza poderosa.

Descemos à Samarra e aproveitamos para um mergulho nas águas deste que terá sido um antigo porto fenício e romano. Retemperados, voltamos a vencer o vale através de uma subida, desta vez muito íngreme. A paisagem para a Samarra continua enormíssima. Mas é a Lomba dos Pianos, a tal elevação rochosa que andávamos a perseguir há um tempo, que nos faz questionar onde estamos. É uma paisagem rara no nosso país, parece antes que acabámos de aterrar na Irlanda ou algo assim. Este monumento geológico é um afloramento basáltico em terra de calcário. Um enorme monólito plantado à beira do Atlântico.

Continuamos pela falésia, com vista para praias onde as rochas substituem a areia. Passamos pelo Giriberto e, por fim, chegamos ao Magoito. Se iniciámos esta jornada junto a um forte, agora terminamo-la, igualmente, junto a outro forte, desta vez o Forte de Santa Maria. Também uma construção do século XVII, hoje o sortudo já não protege o lugar de ataques de piratas, limita-se a ficar sossegado a apreciar a beleza do litoral de Sintra.

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