O Parque Nacional Triglav, nos Alpes Julianos, noroeste da Eslovénia, é o único parque nacional do país. No post anterior despedimo-nos com o Lago Bohinj, uma beleza natural pouco tocada pelo Homem. Parte do PN Triglav, este é um dos pontos altos de uma sua visita, mas muitos mais há que nos oferecem momentos de felicidade e serenidade pela contemplação da natureza e paisagens de montanha, floresta, vales, lagos e rios. E também pelas muitas actividades outdoor que nele podem ser desfrutadas.

O nome Triglav vem de “três cabeças” e é o lugar da mais alta montanha da Eslovénia, com 2864 metros, numa região com muitos outros picos acima dos 2000 metros. E é também um símbolo nacional, de tal forma parte da identidade eslovena que a imagem do Monte Triglav é parte da bandeira do país.

Depois do Lago Bohinj, a primeira paragem pelo PN Triglav aconteceu em outro lago, no Jana, em Kranjska Gora, uma aldeia de montanha com chalets e pistas de ski. Não obstante ter sido criado artificialmente e ser incomparavelmente mais modesto em dimensão, é bem pitoresco, como que dois lagos siameses. Mas é a paisagem que o rodeia que nos assoberba, com picos majestosos que se levantam num ápice.

Daqui sai a estrada que é conhecida por Passo de Vrsič, onde os veículos rolam a mais altitude na Eslovénia. Inaugurada em 1917, liga Kranjska Gora, a 810 metros, ao Vale de Trenta, a 620 metros, passando pelo ponto mais elevado do Vrsič, a 1611 metros. Tem 24 kms de extensão e 50 curvas no total, 24 a subir e 26 a descer. No Inverno a circulação por esta estrada está encerrada, em consequência do tapete de neve que aqui é costume instalar-se nessa época. Conduzir por esta estrada é uma aventura e um prazer e as paisagens de alta montanha ao longo dela, está bom de ver, são excepcionais, com uma série de picos brancos rugosos a destacarem-se afiados bem perto de nós.


Para além das vistas, a grande atracção da subida é a Capela Russa, à beira da estrada algo escondida na vegetação. O porquê de uma capela russa neste local tem uma razão de ser. Durante a I Grande Guerra Mundial, Kranjska Gora era um importante cruzamento para passagens militares (relembre-se que esta é uma zona de fronteira, então entre o Império Austro-Húngaro e a Itália). Quando a Itália declarou guerra à Áustria, em 1915, a passagem pelo rio Soča (Isonzo, para os italianos) tornou-se de importância estratégica e, assim, os austríacos destacaram para aqui mais de 10 mil prisioneiros de guerra russos no sentido de construirem a estrada que hoje conhecemos por Passo de Vrsič ou Estrada Russa. Acontece que uma avalanche em 1916 soterrou mais de uma centena de russos e guardas austríacos e no ano seguinte, em sua homenagem, prisioneiros russos sobreviventes ergueram a pitoresca Capela Russa em sua memória.

Na descida, por sua vez, é obrigatória uma paragem no miradouro Supca. Aqui temos direito a uma vista próxima de mais uma série de picos, mas também à imagem do vale encaixado nas montanhas. A nascente do rio Soča anda por ali abaixo.

Foi o rio Soča, sobretudo, que nos trouxe até ao Vale de Trenta e a Bovec, a capital das actividades outdoor da Eslovénia. Há diversas opções de caminhadas pelo PN Triglav, incluindo a ascensão ao seu pico, mas optámos por percorrer parte do Soča Trail – o Soča é considerado um dos mais bonitos e preservados rios alpinos.

Iniciámos o percurso de 15 kms em Vas na Skali, junto ao Kamp Jelinc e ao Kamp Korita, e terminámos “oficialmente” no Kamp Liza, seguindo depois pouco mais para Bovec. Há uma série de parques de campismo ao longo do rio, pelo que não faltam possibilidades de alojamento caso se opte por um percurso mais extenso (oficialmente o Soča Trail tem 25 kms, mas há que acrescentar mais alguns para se chegar ao ponto de partida, na sua nascente em Izviru Soce, e ao ponto de chegada, em Bovec). Não é um percurso difícil, praticamente sempre plano e sem desníveis acentuados, mas pode ser algo cansativo por haver muita pedra e raiz de árvore para calcar. Dito isto, qual é então o interesse deste rio?



O Soča é um rio que nasce no Vale de Trenta (Eslovénia) e desagua em Monfalcone (Itália), num caminho total de 138 kms desde os Alpes até ao Adriático. Tem o maior número e as mais características cavidades em vale de rio da Eslovénia. Logo junto aos Kamp Jelinc e Korita temos uns belos exemplos do “pequeno desfiladeiro do Soča”, umas cavidades rasas e estreitas por onde a água incrivelmente azul-esmeralda do rio vai correndo. Mais adiante, imediatamente antes de chegar ao Kamp Soča encontramos “o grande desfiladeiro do Soča”, umas cavidades igualmente estreitas mas agora com umas paredes rochosas muito altas, num declive abrupto e a pique rio abaixo. Ambas são extremamente pitorescas, delicadas as primeiras, assombrosas as segundas. As mais estreitas têm menos de 2 metros e as mais largas 7 ou 8 metros de largura; as mais altas chegam a ter 10 a 15 metros de altura; e a profundidade da água do rio depende da época do ano, chegando aos 3 metros na época seca e indo até ao topo – ou transbordando, até – na época de chuvas fortes.

Este fenómeno natural que se materializa nesta espécie de gargantas deve-se à natureza calcária das rochas que bordejam o rio. O curso tortuoso do Soča ao longo dos tempos foi esculpindo e erodindo fortemente a rocha, formando estes caminhos sinuosos onde vão surgindo uma série de redemoinhos.



Durante o trilho o Soča alterna entre momentos mais sofridos e outros mais tranquilos, onde o rio alarga e o vale abre, deixando que as enormes montanhas entrem na imagem. Há várias possibilidades de paragem para um “mergulho” – e ao longo do caminho vêem-se vários pescadores com os pés na água -, mas há que ter cautela, uma vez que a corrente é forte, chegando a atingir os 30 kms por hora nas épocas de maior torrente. Não foi o caso que nos tocou, mas ainda assim, quando entrámos na água no lugar logo após o “grande desfiladeiro” tivemos duas surpresas: a água fresca que quase imobiliza os pés e a necessidade de logo agarrar uma das rochas para não seguirmos com a corrente. No entanto, não deve ser nada de especial, já que um rapaz local se divertia a saltar de uma pequena rocha com a filha de 3 anos ao colo. De qualquer forma, acabei por não me aventurar a nadar na passagem estreitíssima e azulíssima desde spot que desejava desde que a mirei desde cima.



Há vários exemplos de arquitetura vernacular durante percurso, um misto de casa alpina com casa mediterrânea adaptada às necessidades da vida determinadas pelas condições climatéricas e pelos materiais disponíveis, como madeira e pedra. Outro dos pontos altos do percurso são as pontes suspensas de madeira, daquelas que abanam à nossas passagem, que ligam as duas margens do rio e lugares privilegiadas para se admirar a paisagem fluvial e montanhosa. O Soča é também famoso por uma sua espécie endémica de peixe, a truta Soča que não deixámos de provar ao jantar.

Bovec é uma povoação cuja graça maior é o vale largo e as montanhas majestosas onde está implantado e, claro, a possibilidade de daqui nos lançarmos em aventuras várias ou conhecer espaços únicos. Nas suas imediações há duas cascatas a não perder, a Slap Boka, uma queda de 106 metros, a mais alta da Eslovénia, embora neste Verão tivesse apenas um fio de água e o rio para onde corre só pedras.


E a Slap Virje, com vários fios de água que caem para duas piscinas naturais de água azul-esverdeada.

Entretenimento e natureza à parte, a região é também parte da história contemporânea, sendo rico em património histórico-militar da I Grande Guerra Mundial. Acima havíamos falado do Passo de Vrsič / Estrada Russa e o Vale de Trenta foi ainda palco de algumas batalhas naquela que ficou conhecida como a Frente de Isonzo. À saída de Bovec em direcção à fronteira italiana vemos um cemitério de soldados austro-húngaros com cerca de 600 campas rasas. A pouca distância ficam duas interessantes estruturas militares de construção anterior à I GGM, o Forte Kluze e o Forte Hermann, um de cada lado da estrada num lugar de importância estratégica. O Forte Kluze fica imediatamente acima do desfiladeiro do rio Koritnica, bem mais alto e tão apertado e azul como o rio Soča, e ao longo dos séculos têm servido de defesa em vários momentos da história: no século 15, ainda uma fortificação de madeira, face às invasões turcas, no século 18, já uma estrutura de pedra, face aos ataques do exército de Napoleão e no século 20 como parte da Frente de Isonzo face aos avanços italianos.



O Forte Hermann, inacreditavelmente instalado lá para cima da montanha, foi construído como apoio ao Kluze no final do século 19. É incrível como a montanha foi furada e se conseguiu levantar um forte num lugar de tão difícil acesso – só se chega lá a pé depois de atravessarmos um túnel com uma boa centena de metros e caminharmos por mais uns 15 / 20 minutos pela floresta. Hoje em ruína após destruição durante a I GGM, a visita é feita sob nossa responsabilidade, mas ao invés de arriscarmos entrar pelas suas paredes esventradas limitámo-nos a admirar a fachada da estrutura e sua envolvente, um cenário impressionante com muitos picos à volta. Daqui era possível controlar todo o vale de Bovec e o acesso por estrada ao Kluze.



Deixando Bovec seguimos em direcção a Kobarid (tem museus sobre a temática da I GGM mas não os visitámos) por mais uma bela estrada pelo vale do rio Soča. A Cascata Kosjak, logo após mais um grande momento deste rio, é totalmente diferente das que já vimos. Numa gruta, esta queda de água acontece num ambiente mágico e encantado e é conhecida pelos locais como a “cascata na igreja”.

E em Tolmin podemos conhecer mais um desfiladeiro, outro dos pontos altos de uma visita ao PN Triglav. Na verdade, passe a ironia, é precisamente na confluência dos rios Tolminka e Zadlasčica que se atinge o ponto de mais baixa altitude (e mais a sul) do Parque, a 180 metros.

De entrada paga, o caminho marcado do Tolmin Gorge tem 4 kms que se percorrem em 1h / 1h30m, dependendo da nossa capacidade de reagir ao deslumbramento da paisagem natural. O trilho está humanizado, sempre com um corrimão a acompanhar as muitas escadas que nos fazem subir bem, mas o desfiladeiro por onde correm os dois rios é brutal, com o rio a nadar lá bem em baixo – os desníveis são profundos e de uma verticalidade extrema. Há aqui algumas atracções a compor o cenário, como uma fonte de águas termais de um azul intenso numa gruta (não visitável), a Ponte do Diabo a uma altura impressionante, uma pedra suspensa entre dois penedos que mais parece uma cabeça de urso e faz de ponte natural entre eles, uma gruta que leva o nome de Dante por, diz a lenda, o poeta aqui se ter inspirado a criar o inferno na sua Divina Comédia. Tudo isto sob uma vegetação típica que é uma mistura de Alpina e sub-mediterrânea.

Já fora dos limites do PN Triglav, mas ainda ao longo do rio Soča, há duas povoações que merecem uma paragem. Primeiro, Most na Soci, um lugar tornado idílico a partir de 1938 com a construção de uma barragem para onde confluem as águas dos rios Soča e Idrijca. Pode ser uma paisagem criada artificialmente, mas ninguém rouba toda a beleza deste lago com montanhas à sua volta.


Por fim, a despedir-nos desta Eslovénia que deve tanto aos seus rios, eis Kanal, tornada estrela do instagram pela sua muito fotografada ponte. No cruzamento dos mundos alpinos, dinárico e mediterrâneo, aqui o Soča acalma. Mas nem assim os miúdos rebeldes lhe resistem, insistindo em saltar da ponte ou da rocha mais abaixo para se afundarem na sua água cristalina.