Sousel

À semelhança da vizinha Fronteira, também Sousel é uma vila pacata situada na planície alentejana, só interrompida aqui ou ali por uma ou outra elevação. Não há monotonia, antes a dinâmica certa para arregalar o nosso olhar.

Do alto da Serra de São Miguel percebe-se bem de que paisagem estamos rodeados: para norte, uma planura sem fim em que mal se identificam colinas, a não ser pelo concentrado de casario de Sousel e das povoações que visitámos anteriormente, Fronteira e Cabeço de Vide; para sul, cabeços cobertos de vegetação logo ali e, ao fundo, um ponto mais pronunciado numa das várias colinas que descobrimos ser Évora Monte.

Esta serra, uma das mais altas de Sousel, está a quase 400 metros de altitude. E é bem bonita, carregada de oliveiras nas suas encostas. Lá em cima está o edifício abandonado da antiga Pousada de São Miguel, a Praça de Touros Pedro Louceiro, um parque de merendas e a Capela de Nossa Senhora do Carmo, construída no lugar do antigo Ermitério de São Miguel. E, claro, não podia faltar um baloiço a este miradouro natural.

Ao redor da Serra de São Miguel estão alguns antigos fornos de cal. Graças ao fácies calcário dos terrenos, esta indústria foi muito importante para Sousel até à década de 1950 e, embora desactivados, estes lugares são um testemunho de um tempo que já lá vai. Resta a lembrança e a paisagem fantástica que ainda hoje os acompanha.

Os olivais centenários e os rebanhos de ovelhas que andam pelas encostas da Serra de São Miguel e cercam a vila são uma evidência do carácter rural da sua principal actividade económica, a agricultura e a produção animal. São muitas as explorações pecuárias na zona, não surpreendendo, assim, que Sousel se autodenomine como a “Capital do Borrego”. Aliás, a maior empresa do concelho é a Pasto Alentejano, dedicada à exploração de borregos (uma das maiores da Europa), e o Alto Alentejo é a principal região fornecedora desta carne em Portugal.

O topónimo Sousel deriva do latim “saxum”, de significado pedras ou local de pedras, e terá evoluído para Sousello, pequena montanha de pedras, aludindo à presença da Serra de São Miguel. A vila já existiria no século XIII, mas acabou por ficar ligada a Nuno Álvares Pereira. Diz a tradição que o Condestável terá por aqui acampado antes da Batalha de Atoleiros, em 6 de Abril de 1354, e, para marcar o facto, no século XV foi erguida a Capela da Orada no lugar onde terá rezado antes de partir para a batalha (a igreja estava em obras aquando da nossa passagem por Sousel, pelo que nem sequer lhe conseguimos perceber a fachada). Sousel foi uma comenda da ordem de Avis e o seu antigo castelo e primitiva igreja matriz pertenciam-lhes. Foi elevada a vila em 1386 e em 1422 passou a integrar a Casa de Bragança.

A actual igreja matriz, consagrada a Nossa Senhora da Graça, foi já construída por esta Casa, em 1515, no lugar da original na parte alta da vila e no que seria o interior do recinto do castelo. O seu interior tem três naves com arcos de volta perfeita e colunas toscanas e umas bonitas capelas e lápides tumulares brasonadas no pavimento.

No largo da matriz fica ainda a Igreja e Hospital da Misericórdia, que também deverá ser do século XVI, e nas traseiras, já Praça da República, o edifício da câmara municipal e o Pelourinho seiscentista, reconstruído no século XX.

Na Rua Direita encontramos uma casa com portal ogival, que faria parte da antiga casa do alcaide.

À porta deste centro histórico, de um lado um solar brasonado, na Rua São Sebastião, e do outro o antigo Convento de Santo António dos Paulistas, hoje propriedade particular (e parece que à venda), de fachada muito bem conservada. Esta quinta com capela inclui ainda a antiga fábrica de moagem de cereais da família Bastos Ribeiro, que fechou portas já neste século.

Diante do Convento fica o Museu dos Cristos, um espaço municipal que acolhe uma bela colecção de imagens de Cristo. Reunidas por Venceslau Lobo, um antigo antiquário de Borba que levava peças ao escritor José Régio, o seu espólio com cerca de 1500 peças foi adquirido pela Câmara Municipal de Sousel em 1990 e o museu apenas inaugurado em 2019. Uma ínfima parte destes Cristos estão em exposição, abrangendo esculturas africanas, indo-portuguesas, da Terra Santa e de outras origens, barrocas e populares. Podem não ter interesse artístico ou erudito suficiente para estarem expostas no Museu Nacional de Arte Antiga, mas vale bem a pena conhecê-las e verificar como Cristo assume traços africanos ou asiáticos, conforme as mãos de quem executa a sua escultura.

Numa das saídas de Sousel fica a antiga estação ferroviária. Ao contrário das de Fronteira e de Cabeço de Vide, está hoje abandonada, mas mantém ainda parte dos azulejos verdes de patronagem Arte Nova na fachada, executados pela Fábrica de Louça de Sacavém.

E daqui seguimos para fechar este passeio em beleza. Para lá chegar, à paisagem de oliveiras é agora acrescentado o montado de sobro e às ovelhas as vacas. A Torre do Álamo, também conhecida por Torre de Camões, já na freguesia do Cano, ainda concelho de Sousel, é uma atalaia que foi posteriormente utilizada como residência senhorial. Exemplar pouco comum na região, esta torre de raiz medieval, mas com influências renascentistas, terá sido construída no século XV ou XVI num ponto militar estratégico, entre Aviz e Estremoz e perto de uma via que ligava Évora a Mérida. É ainda acompanhada de um aqueduto, cuja data de construção também não se sabe ao certo, mas será posterior à torre. A designação Torre de Camões deve-se ao facto de a herdade onde está implantada ter pertencido a uma família de nome Peres, daí se fazendo a ligação a Camões, descendente por parte do pai dos Peres que vieram da Galiza. Como se não bastasse, uma lenda diz que Camões terá aqui passado uma temporada. Será?

Ainda que se desconheça muito acerca desta Torre, a sua ruína hoje, num lugar isolado e rural (propriedade privada), faz deste um dos locais abandonados cheios de ambiente que não pode ser esquecido.

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