O Paço de Alcáçovas e o Jardim das Conchinhas

Em Alcáçovas, vila alentejana à beira da EN2 pertencente ao concelho de Viana do Alentejo, encontramos um lugar que é parte da história de Portugal e do mundo. O Paço dos Henriques foi palco da assinatura do Tratado de Alcáçovas, em 1479, o qual, face à rivalidade entre Portugal e Castela nos mares e terras do Atlântico, entre outras cláusulas acordadas traçou uma linha a sul das ilhas Canárias para além da qual o nosso país ficava com o poder exclusivo de navegação e comércio. Este Tratado acabou ainda por servir de antecâmara para nova partilha do mundo entre os dois reinos, redefinida em 1494 pelo Tratado de Tordesilhas.

O Paço dos Henriques é hoje propriedade do Estado, estando cedido à Câmara Municipal de Viana do Alentejo, que o recuperou e nos recebe através dos seus guias que muito atenciosamente nos enquadram histórica e artisticamente o belo Jardim das Conchinhas e Capela, espaços separados do edifício principal pela Rua do Paço. Este edifício principal foi a residência dos últimos donatários da vila de Alcáçovas, a família dos Henriques de Transtâmara, e crê-se que tenha sido um antigo Paço Real mandado construir por D. Dinis no século XIV. Para além de D. Afonso V ter aqui recebido os Reis Católicos (de Castela) para a assinatura do Tratado de Alcáçovas, foi também o lugar escolhido para os casamentos das infantas D. Isabel e D. Beatriz, netas de D. João I e D. Filipa de Lencastre, e para D. João II lavrar o seu testamento. Na fachada destacam-se o pórtico e as janelas manuelinas, bem como duas altas e estreitas chaminés. Embora muito alterado ao longo dos séculos, no interior as salas e pátios que visitamos e espreitamos dão-nos, ainda assim, uma ideia do que seria a área residencial do antigo Paço. Hoje acolhem o posto de turismo de Alcáçovas, um auditório, a biblioteca local, exposições temporárias e uma exposição permanente dedicada à arte chocalheira (inscrita desde 2015 na lista da Unesco do património imaterial com necessidade de salvaguarda urgente).

Todavia, é a visita ao segundo espaço deste Paço que mais encanta. Primitivamente consagrada a São Jerónimo, em 1622 foi edificada a capela do Paço de Alcáçovas no interior de um horto murado. É o Jardim das Conchinhas com a sua Capela de Nossa Senhora da Conceição.

Caminhando pela rua não percebemos um décimo da maravilha que está para lá dos muros, um mundo encantado pela profusa mas simples decoração de diversos elementos. Vemos a torre piramidal da Capela, sim, mas não suspeitamos que o seu interior está totalmente revestido de conchas, pedrinhas e fragmentos de faianças e que a sua fachada exterior, sacristia, fonte, oratório e muros acompanham-na no recurso a esta arte decorativa.

A arte dos embrechados nos jardins portugueses começou a ser moda a partir do século XVII, o que se explica não apenas pelo gosto de então, muito virado para influências orientais, mas também pelo maior, mais fácil e relativamente barato acesso a materiais trazidos pelas aventuras marítimas dos portugueses da época. Obtidas as conchas e os cacos das porcelanas, eram então incrustados nas superfícies a decorar, resultando no género de puzzles que podemos ainda hoje admirar. Para além deste Jardim das Conchinhas, em Viana do Alentejo, outros exemplos há Portugal afora, como o Palácio Fronteira e a Quinta dos Azulejos, ambos em Lisboa, ou, embora com recurso a outros materiais mais pobres, o Convento dos Capuchos, em Sintra, e o Convento de Santa Cruz e Mata do Buçaco.

Aqui em Alcáçovas, a arte dos embrechados foi elevada ao estatuto de obra-prima, em especial no interior da Capela, com o recurso a uma série de cores e elementos geométricos que nos extasiam, embora sejam ao mesmo tempo delicados.

Mas cá fora, junto ao tanque e fonte encontramos ainda outro motivo de encantamento ao descobrir a figura de um cavaleiro por entre uma coluna em arco.

Pelo jardim, outros elementos se destacam, como oliveiras, limoeiros e laranjeiras, a reforçar que esta arte está também intrinsecamente ligada à natureza. E, para não nos ficarmos apenas pela estética, este jardim centenário era também engenhoso, possuindo um sistema hidráulico que permitia que fosse sistematicamente alimentado pela água. Como curiosidade, acrescente-se que por brincadeira se diz que não lhe falta sequer a sua muito própria Torre de Pisa, a ver pela estrutura inclinada que ainda resiste no meio de tanta beleza.

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