O concelho de Tábua está situado no planalto da Beira, entre serras como a Estrela, Lousã, Buçaco e Caramulo. Os rios e ribeiros fazem-se sentir nestas terras, criando vales à sua passagem. O Mondego, aliás, marca aqui a linha de fronteira entre os distritos de Coimbra e de Viseu. São, pois, as paisagens ribeirinhas a sua maior atracção, mas também a história e cultura não são esquecidas.

O maior legado dos romanos na região está nas vias que deixaram. Um troço ainda visível com cerca de 350 metros viria da povoação romana da Bobadela, no vizinho concelho de Oliveira do Hospital, e seguiria para Santarém ou, então, ligaria a Bobadela e Lisboa (Olissipo) ou Braga (Bracara Augusta). Por outro lado, há quem ligue o topónimo Tábua aos tempos romanos, talvez derivando do latim “tabula”, por referência a região plana, ou até ligando-o ao deus romano Tabudico, nome inscrito numa ara votiva. Outros, porém, entendem que o nome deriva da planta Typha angustifolia, presente ao longo de terrenos pantanosos, lagoas e cursos de água, como nas margens do Mondego.

São, precisamente, as vistas para o Mondego que nos trazem à Pedra da Sé. Começámos por admirá-lo junto à margem, com os belos reflexos de um singelo monte espelhados na sua água, e logo seguimos para um ponto mais altaneiro, o miradouro natural da Pedra da Sé. Em breve as águas do Mondego se transformam em Albufeira da Aguieira e desde este grande afloramento granítico obtém-se um grandioso cenário – e diz que este é um bom lugar para observações astronómicas. A Pedra da Sé tem referências antigas, desde a época medieval, nomeadamente no reinado de D. Afonso III, quando surgiu associado à divisória do Couto de Lorvão. O nome derivará do facto da grande pedra fazer lembrar uma Sé ou de a pedra aqui presente ter sido utilizada para a construção da Sé de Viseu ou da Sé de Coimbra.



Não muito longe, a Pedra c’Abana (ou Penedo Oscilante) é outro miradouro de excelência. Também sobre um afloramento rochoso granítico, a mais uma enorme vista sobre o Mondego este lugar alia a curiosidade – diz-se – de podermos com a nossa força fazer mover as curiosas rochas. Não saíram do lugar, mas isso deveu-se certamente à nossa falta aos treinos.




Da Póvoa de Midões seguimos para Midões, onde um antigo palacete de finais do século 18, destruído pelo devastador incêndio de 2017, foi recentemente recuperado e transformado em hotel e restaurante. Mas o interesse da povoação não se basta aqui. Pelourinho, igreja matriz e mais um ou outro edifício apalaçado também suscitam a nossa atenção, assim como umas misteriosas sepulturas antropomórficas escavadas numa rocha granítica. Esta necrópole, da qual não se sabe muito, fica perto da Capela de Santo António, em ruína, e é um testemunho da Alta Idade Média.



Daqui seguimos para rios e ribeiros mais singelos do que o anterior Mondego, o maior rio exclusivamente português, embora igualmente tocantes. Desde Junho de 2023, data da inauguração dos passadiços de Vale de Gaios, tornou-se possível caminhar lado a lado com o rio de Cavalos, afluente do Mondego, admirando uma série de quedas de água e atravessando um magnífico bosque. Ao verde natural deste cenário idílico, juntaram-se uns passadiços coloridos que têm feito as delícias das redes sociais. Este projecto turístico-cultural da Câmara Municipal de Tábua é parte de uma extensa rota pedestre com 17 kms, com início em Tábua e final em Vila Nova de Oliveirinha e passagens por Candosa e Midões (PR4 Trilho dos Gaios – Um percurso com história), mas o troço fácil e plano de 6 kms (ida e volta) entre as aldeias de Vale de Gaios e São Geraldo já nos permite uma bela experiência pela natureza e cultura locais.



A pequena Vale de Gaios é uma povoação encaixada em outeiros, com meia dúzia de casas de granito e uma praia fluvial de onde agora parte o caminho que muitas das vezes é efectuado sobre umas tábuas de cores diversas, azul, verde e vermelho. Logo ao início, o ambiente é acrescentado por antigos moinhos que acompanham o rio de Cavalos, testemunho de uma actividade secular que foi fulcral para a economia da região, a moagem. E também logo aqui aparecem as primeiras quedas de água e cascatinhas. O barulho da água é intenso, sorte de a visita ter acontecido após uma boa época de chuvadas, elevando o caudal do rio. Mais quedas de água se sucedem, por entre uma vegetação exuberante, com fetos e ramos de árvores de espantar junto à água do rio translúcida. Não falta sequer o constante chilrear dos passarinhos, companhia perfeita neste passeio pelo bosque de Vale de Gaios. Outro dos destaques vai para os formosos blocos graníticos que amiúde encontramos no percurso, cortesia do magmatismo que deu origem a estes granitos usualmente designados por “dente de cavalo”, talvez uma explicação para o topónimo deste rio. E as surpresas e curiosidades não terminaram: por uns 300 metros, o rio de Cavalos desaparece entre as rochas, correndo sem se ver, mas continuando a ouvir-se. Diz-se que por baixo das rochas graníticas estão galerias que são um perfeito labirinto, visitáveis pelos mais intrépidos exploradores dos subterrâneos quando o caudal e corrente do rio é reduzida.



O rio de Cavalos reaparece cerca da Ponte Romana de Sumes, que se crê que tenha sido parte do mesmo itinerário da via romana da Pedra da Sé, a tal que viria da Bobadela, onde, aliás, existe outra ponte romana sobre o mesmo rio de Cavalos. Esta Ponte Romana de Sumes possui um arco com vão de volta perfeita e um tabuleiro com cerca de 50m de comprimento e 3m de largura, donde se observa o encaixe apertado do rio.


Antes de chegarmos a São Geraldo, encontramos ainda uma Bica de Águas Sulfurosas. Fonte muito antiga, a água sai por entre a fractura dos blocos de granito, entretanto cimentada e onde foi colocada uma bica em ferro inoxidável por onde a água corre para uma pequena pia e depois para o ribeiro. Até ela vinha gente de todo o lado, incluindo senhoras das cidades em busca de tratamento para as doenças da pele – as mulheres da aldeia vinham até à fonte, carregavam a água à cabeça e subiam à aldeia para com ela encher as banheiras onde as senhoras da cidade se banhariam.



Por fim, quando por Tábua não podemos perder a visita à aldeia de Sevilha, igualmente banhada pelo rio de Cavalos. É mais uma grande e boa surpresa, uma aldeia de casario de arquitectura vernacular, com casas sem revestimento para além do granito puro mas também outras coloridas, assim melhor as enquadrando junto ao outeiro que lhes está nas costas, conferindo mais beleza ao cenário. Ao redor, no vale, campos agrícolas a atestar a fertilidade destas terras. Pura ruralidade. Em breve o rio de Cavalos desaguará no Mondego, mas antes tem aqui um momento de exuberância manifestado na sequência de cascatas na parte baixa da aldeia. Acompanham-na um açude, vários antigos moinhos e uma ponte medieval, tudo isto ao som ruidoso das gélidas águas desta Sevilha beirã. Aplausos.