Por Oliveira do Hospital

Oliveira do Hospital, na Beira Alta, é um concelho largo e diverso. Entre uma panorâmica da Serra da Estrela e outra da Serra do Açor, é escolher. Mais difícil, um mergulho no Alva ou no Mondego? No Alvoco ou no Seia? Os vales que acompanham estes rios são de sonho. Então, mas Oliveira é só paisagem? Claro que não, como sabe quem acompanha este blog, tantas foram as vezes que já andámos por este pedaço do centro de Portugal. Em seguida, apresentamos mais uns quantos dos seus recantos.

Com vestígios de ocupação humana desde a pré-história e elementos arquitectónicos preservados de outras épocas (como as Ruínas Romanas da Bobadela e a igreja moçarabe de São Pedro de Lourosa, de que falámos em tempos), o topónimo “hospital” dever-se-á à Ordem dos Hospitalários, a quem a região foi doada em 1120 por Dona Teresa, mãe de Dom Afonso Henriques. Esta Ordem manteve-se independente em Portugal e a Comenda de Oliveira do Hospital permaneceu na posse dos cavaleiros hospitalários até 1834, acreditando-se que seria em Oliveira do Hospital que a Ordem teria a sua sede ou convento principal, algures onde estão hoje os paços do concelho e a igreja matriz. Quanto ao topónimo “oliveira”, será uma derivação do nome primitivo da povoação, derivando do inicial “Ulvária” (de significado terreno alagadiço, onde há ulvas) para “Ulveira” até ao actual Oliveira.

Oliveira do Hospital ganhou foral de D. Manuel I em 1514, mas foi já no século 19 que viu o seu território alargado, recebendo como freguesias diversos concelhos vizinhos entretanto extintos por força das reformas de âmbito administrativo e judicial que aconteceram em Portugal nessa época. Hoje são 16 as suas freguesias e desde 1993 Oliveira do Hospital passou a ser considerada cidade. Não apenas a existência do hospital e diversos serviços, mas também a presença da indústria no concelho há de ter tido o seu contributo para tal elevação e desde miúdas nos habituámos a ver, desde Aldeia das Dez, o fumo da fábrica da Agloma a ser bombeado para os céus. Hoje o seu maior produto e marca identitária é outro, o queijo da serra, com as várias queijarias do concelho a terem destaque neste gabado produto.

Rio Seia
Várzea do Rio Seia
Placas
Açude da Ribeira

Desde Maio de 2023, outro ex-libris se juntou à lista: os Caminhos do Açude da Ribeira, perto da aldeia do Ervedal da Beira, rodeados de uma paisagem natural única. Requalificados naquela data, agora é-nos dada a possibilidade de percorrer 3 caminhos pelas margens do rio Seia e suas várzeas (o do Açude, mais curto – 2,83 quilómetros -, o do Espadanal, médio – 3,42 quilómetros -, e o do Talegre, mais longo – 8,95 quilómetros). Percorremos o percurso intermédio, seguindo pela várzea florida pela Primavera e atravessando a Ponte Românica de Vale de Negros sobre o rio Seia (construída em 1231, com três arcos redondos e tabuleiro em cavalete, talvez tenha aqui passado uma via romana), com um curto mas bonito pedaço de galeria ripícola a marginá-lo, e passando pela Casa e Fonte do Espadanal. Chamaram-nos a atenção as placas indicativas dos lugares, desenhadas por alunos das escolas locais. Mas o maior destaque vai, claro está, para o açude, cascata e passadiços, junto ao rio Seia.

Cascata do Açude da Ribeira
Miradouro do Açude da Ribeira
Passadiços do Açude da Ribeira

Do Miradouro do Açude, num ponto mais elevado, podemos observar todo o conjunto e constatar que o vale deste rio é muito bonito, possuindo uns poderosos afloramentos rochosos. É pura natureza serrana. O Açude, por sua vez, foi construído por um fidalgo do Ervedal em meados do século 19, por razões económicas, no sentido de obter um melhor aproveitamento agrícola dos campos ao redor, onde por meio da levada a água era encaminhada. Ao longo dos tempos acabou por tornar-se numa área de lazer para os locais, mas agora a Câmara Municipal procedeu à referida requalificação do espaço, tornando-o uma das maiores atracções do concelho. Uns passadiços de betão e ferro (e não a mais costumeira madeira) com cerca de 300 metros ziguezagueiam diante do açude, que proporciona uma bonita cascata com cerca de 10 metros, e permitem admirar o rio sob uma outra perspectiva. Todavia, a intervenção na paisagem natural (descontando que o próprio açude é uma construção humana) do vale e do rio não se fez sem alguma polémica, havendo quem apelidasse estes passadiços de “monstro”. O melhor mesmo é visitá-los, formando cada um de nós a sua opinião.

Oliveira do Hospital
Ponte de Andorinha

A caminho da povoação de Ervedal, após um desvio na estrada de asfalto, está a Ponte de Andorinha, também sobre o rio Seia. Não é romana, longe disso, talvez medieval, mas o que fica é, mais uma vez, o cenário natural impressionante do rio a escavar a terra para poder correr até ao Mondego, deixando muito rochedo formoso pelo caminho.

Ervedal – vista para o Monte do Colcurinho

E vale a pena uma paragem no Ervedal, povoação que desde a fundação da nacionalidade pertenceu à coroa, tendo sido doada a diversas instituições por D. Sancho I e obtido foral em 1249, era já então sede de concelho. As vistas panorâmicas desde o adro da sua igreja são grandiosas, com o Monte do Colcurinho, o mais alto e mais querido do concelho (designado simplesmente por “cabeço”), mesmo à nossa frente, em plena Serra do Açor. E a Serra da Estrela está também ali próximo, à esquerda deste postal.

Solar dos Viscondes do Ervedal
Solar dos Viscondes do Ervedal

A aldeia possui alguns edifícios de ambiente senhorial, construções típicas em granito, mas o mais relevante deles é o Solar dos Viscondes do Ervedal. Do século 16, foi mandado construir por Diogo Braz Pinto e pertenceu sempre à mesma família. De características rurais e simples, a arquitectura da casa dos “fidalgos de Ervedal” é irregular, possuindo três corpos levantados em diferentes épocas: o primitivo de fachada alongada onde se destacam quatro janelas de sacada simples e duas porta rectangulares, a capela de Santo António (do século seguinte) e a torre de três pisos num dos flancos. Em 1992, o solar de Ervedal da Beira foi transformado em turismo de habitação.

Miradouro da Penha
Miradouro da Penha

Mais adiante, perto de Póvoa de São Cosme, o Miradouro da Penha oferece mais uma panorâmica fantástica. A 348 metros de altitude, abaixo corre uma linha estreita do rio Mondego, o maior rio integralmente português, fazendo de fronteira entre os concelhos de Oliveira do Hospital e Carregal do Sal e os distritos de Coimbra e Viseu. A implantação do miradouro é igualmente especial, um afloramento rochoso com blocos de grande porte e distintos.

Igreja de Vale de Ferro

O lugar de Vale de Ferro, ainda freguesia do Ervedal e mais junto ao Mondego, seria apenas um ponto no mapa, não fosse o caso de surpreendentemente nele encontrarmos uma galeria de arte, o Pátio Velho, e a pequena igreja de Nossa Senhora das Necessidades, a qual toma uma arquitectura diferente do que se costuma ver por estes lados.

Baloiço das Antas Pró Mondego

E nem este concelho escapou à moda dos baloiços. Em Seixas, Seixo da Beira, o Baloiço das Antas Pró Mondego volta a dar-nos uma bonita vista para o Mondego.

Granito

Uma das curiosidade do concelho de Oliveira do Hospital é constatar como a paisagem da sua vertente norte é tão diferente da vertente sul, aquela a que estamos mais habituadas. A norte, os declives são mais suaves e a vegetação menos intensa, enquanto a sul a vegetação que bordeja o Alva torna-se mais exuberante e as vistas dominantes são aquelas que se dirigem para os cumes das serras do Açor e da Estrela. O que não muda é o granito de que a terra é feita.

Palheiras de Fiais
Palheiras de Fiais
Palheiras de Fiais

As Palheiras de Fiais, na povoação de Fiais da Beira são um conjunto de 75 construções de pedra de granito com cobertura de telha de canudo sobre um enorme afloramento granítico, as “Lages”. De arquitectura simples e até rude, estão em plena comunhão com o meio natural envolvente e são um testemunho do modo de vida comunitário de tempos idos. Com efeito, embora se desconheça as origens da tradição, a exposição ao sol permitiu que este afloramento fosse usado como eira natural, associada ao cultivo, produção e conservação dos cereais. Neste grande celeiro, os cereais eram deixados a secar no granito e depois armazenados nas casinhas. Mas não apenas o interesse cultural e etnográfico nos traz a este sítio; mais uma vez, as vistas são generosas, das palheiras se apreciando as serras da Estrela e o Monte do Colcurinho, no Açor, e a própria aldeia de Fiais, destacando-se no casario a torre da sua igreja.

Igreja de São Gião
Igreja de São Gião
Igreja de São Gião

E por falar em igreja, um salto grande leva-nos a São Gião, onde está aquela que é conhecida como a “Catedral das Beiras”. Com origem no ano de 1756, a igreja está espremida entre o casario na apertada praça principal da aldeia. A fachada não foge muito ao que estamos acostumados na região, mas o interior revela um retábulo barroco com muita talha rococó, para além de um tecto, quer da nave central quer da capela mor, inteiramente coberto de painéis com pinturas representando cenas da Vida de Cristo, da Virgem e de outros santos. Não se conhece a sua autoria, mas crê-se que seja obra de artista da região e o conjunto é reconhecido como possuindo qualidade.

Colcurinho
Colcurinho
Colcurinho
Colcurinho

Para o final deixamos a visita a uma aldeia de xisto abandonada, a do Colcurinho. Na encosta do monte de mesmo nome, o ponto mais elevado do concelho, já na Serra do Açor, esta aldeia está às portas do Chão Sobral e desde os anos 1950 ficou sem habitantes. Por entre o xisto das casas, ponte e fonte, a capela de Santo Antão é a única vestida de branco e, também, único edifício preservado e lugar de romaria anual. A ribeira tem hoje apenas um fio de água, mas em tempos a sua margem esteve ocupada por moinhos e lagares. Foram tantas as vezes que passámos a pé pela a estrada que dá acesso à Aldeia do Colcurinho, a caminho da casa dos tios do Chão Sobral, então aborrecidas por a carreira terminar no Vale de Maceira, mas nunca a havíamos adentrado. Hoje, é todo um mundo que ficou para trás, restando-nos deambular pela história imaginando as muitas vidas que nos antecederam.

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