Florença – o Centro Histórico

Numa cidade como Florença, provavelmente aquela que mais elementos artísticos nos dá a conhecer, não é nada fácil destacar um palácio, uma igreja, uma obra. Mas arriscamos fazê-lo, mesmo sabendo que a concorrência do Duomo é esmagadora. Foi a Capela Médici, parte do complexo de San Lorenzo, que mais mexeu com as nossas emoções.

Mausoléu da histórica família que ainda hoje marca arquitectonicamente e artisticamente a cidade, o edifício da Capela Médici possui uma forma exterior bruta. Começámos por vê-lo desde o terraço do hotel, com a sua enorme cúpula confundindo-se com o conjunto do Duomo, e a princípio não percebemos sequer o que seria. O seu interior, designadamente a Capela dos Príncipes, apesar de igualmente monumental e imenso, é inesperadamente austero mas delicado. Diante dos seus túmulos experimentámos um profundo respeito e serenidade e impusemo-nos silêncio para melhor contemplar a sua magnificência. Aqui estão 6 (Cosimo I, Francesco I, Ferdinando I, Cosimo II, Ferdinando II e Cosimo III) dos 49 membros da dinastia, encerrados em cenotáfios imponentes de granito escuro, mas apenas dois completos com escultura. Para além do granito e mármore, muitas pedras preciosas estão presentes, como o jaspe, quartzo, lápis lazúli, alabastro, coral e madre pérola.

A cúpula desta Capela dos Príncipes é outra maravilha, com uma bela pintura representando o Génesis e o Novo Testamento. Destaque ainda para o altar octogonal.

A outra sala da Capela Médici que é também uma obra-prima é a Sacristia Nova, preenchida com três esculturas de Michelangelo, uma delas parte do túmulo de Lorenzo Médici.

Do complexo em que a Capela Médici está inserido fazem ainda parte a Basílica de San Lorenzo e a Biblioteca Medicea Laurenziana (esta última não visitámos). Uma das mais antigas de Florença, esta Basílica foi consagrada no ano de 393 e reconstruída em estilo romanesco entre os anos 1045 e 1060, tendo os Médici lançado uma terceira reconstrução após tomarem a igreja para si. Na época medieval o monasticismo tinha grande importância na cidade e a vida paroquial era parte do dia a dia das pessoas, daí que não seja estranho que a família quisesse ter também o seu lugar neste domínio. A fachada da Basílica de San Lorenzo permanece inacabada e o seu interior é simples e leve, pleno de harmonia. As colunas cinzentas em pietra serena dão alguma austeridade, mas os tectos são ricos. E sobre quatro colunas encimadas por capitéis iónicos em mármore temos dois púlpitos em bronze com detalhes esculpidos, obra de Donatello.

Mais notável ainda é a Velha Sacristia, anterior à reconstrução da igreja. Corria o ano de 1419 quando Giovanni di Bicci de Médici escolheu Filippo Brunelleschi para comissionar a sua construção, daqui resultando aquele que é considerado o primeiro edifício renascentista na história. Tal como a igreja, a sacristia é simples mas majestosa. Inspirado no estilo da Roma Antiga, Brunelleschi criou uma pequena cúpula decorada com um fresco em lápis lazúli e acompanhada por mais obras esculturais de Donatello, enquanto ao centro o sarcófago de Giovanni di Bicci de Médici testemunha tamanha beleza.

Na San Lorenzo há ainda que visitar o museu, com mais túmulos da família, como o de Cosimo o Velho, e relicários e outros objectos litúrgicos que são um espanto. E, claro, os claustros, em número de dois, um maior e outro mais pequeno.

Não visitámos o Palácio Médici-Riccardi, diante da Basílica, e seguimos até à Praça do Duomo, ali à espreita. É sem dúvida o lugar mais concorrido, visitado, movimentado e atulhado de Florença.

Deixando a Praça do Duomo, deambulamos pelas ruas estreitas da antiga Florença medieval. Passamos pelo “bairro de Dante”, primeiro pela Igreja de Santa Margherita, onde o poeta casou e onde está Beatrice Portinari, sua amada e inspiração, mas não mulher. Depois, poucos metros adiante, pela Casa de Dante, um edifício que parece uma torre-fortaleza, hoje museu. E, finalmente, pela Badia Florentina, de torre distinta mas entrada discreta, construída originalmente no século 10 pelos beneditinos; os seus tectos em madeira são de pasmar.

E assim chegamos à Praça da Signoria. O acesso à praça é possível desde oito ruas e este é o coração político de Florença desde a Idade Média, época em que o governo era chamado Signoria e tinha sede no Palazzo dela Signoria, hoje Palácio Velho. Ao centro da Praça está a estátua equestre de Cosimo I, de Giambologna, em restauro por altura da nossa visita. Mas há muitos mais elementos que fazem desta um verdadeiro museu a céu aberto. Desde logo, a Loggia dei Lanzi, do século 14, uma galeria com esculturas renascentistas que inclui obras como o “Rapto das Sabinas”, também de Giambologna, e “Perseus”, de Benvenuto Cellini, com a cabeça de Medusa numa das mãos. Há ainda a Fonte de Neptuno e uma cópia da estátua “David”, de Michelangelo, cujo original esteve aqui até 1873 e está hoje na Accademia e é outro dos símbolo de Florença.

O Palácio Velho, elemento essencial na praça e na cidade, foi construído entre 1299-1314 no sentindo de alojar os priori, os representantes da magistratura suprema. Parece uma fortaleza medieval, donde se destaca a dominadora torre de 94 metros, conhecida como Torre de Arnolfo, em homenagem ao seu arquitecto, Arnolfo di Cambio.

Em 1540, Cosimo I de Medici fez do palácio sua residência ducal e centro do governo, convidando Vasari para renovar e decorar o interior. E que interior! São várias as salas inesquecíveis, com o Salão do Cinquecento como a mais emblemática: tem 53 metros de comprimento e pinturas de batalhas de cada lado, glorificando as vitórias florentinas sobre as rivais Pisa e Siena, e serviu originalmente de assembleia legislativa de Florença, sendo ainda hoje a principal sala para cerimónias da cidade – podemos admirá-lo também de uma varanda superior. Mas há mais, perdurando na memória a decoração delicada das paredes e dos tectos das várias salas. E a curiosidade de ver a colecção de mapas do século 16 na Sala das Cartas Geográficas, com a representação de todas as partes do mundo conhecido até então (incluindo um da Península Ibérica), o que ilustra bem as ambições e interesses científicos de Cosimo I.

No piso térreo do Palácio Velho, aberto a todos que o queiram visitar, o Terraço de Firenze tem as paredes decoradas com pinturas com imagens da cidade, enquanto que ao centro apresenta uma réplica da estátua de um miúdo com golfinho cujo original havíamos visto numa das salas do palácio.

A Galeria Uffizi, o museu mais visitado de Itália, fica mesmo ao lado do Palácio Velho. Foi Cosimo I quem, em 1560, encarregou Vasari da construção do Palácio Uffizi (Palácio dos Escritórios) para nele reunir os diversos magistrados da cidade. Em forma de U, é um edifício enorme e desde meados do século 19 os nichos das suas arcadas estão ornamentados por 28 esculturas representando os florentinos mais célebres.

Logo em 1581, o segundo piso do palácio foi transformado em galeria de arte, acolhendo obras da colecção da família Médici. Esta colecção, alargada ao longo dos tempos, foi legada à cidade pela última descendente da família, Anna Maria Luísa, em 1743, sob a condição de nunca deixar Florença. Hoje, a maior e melhor colecção de arte renascentista do mundo acolhe obras de escultura e pintura deste e de outros períodos, desde o século 12 ao 18. É boa ideia reservar o bilhete de entrada com antecedência, para fugir das filas, mas não nos livramos delas diante das obras mais famosas nem de uns quantos encontrões. E é difícil manter a atenção durante o longo tempo que é necessário para percorrer as várias salas da Uffizi, salas estas que não têm apenas obras expostas, sendo algumas delas também de admirar pela sua decoração de tectos e mobiliário.

Dito isto, não se pode perder o “Nascimento de Vénus”, de Sandro Boticelli, a pintura cuja imagem é a cara do museu: já a tínhamos visto reproduzida em diversos suportes, mas é diante ela, a um passo de distância, que nos enche de felicidade podermos perceber com toda a nitidez o sopro do rapaz.

A não perder, ainda, dois Caravaggio: “Cabeça de Medusa”, expressivamente inquietante, e “Baco”, sensualmente tocante.

E a “Vénus de Urbino”, de Ticiano, onde a noiva nua aguarda para ser vestida pelas suas aias, enquanto um pequeno cão se anicha nos lençóis da sua cama.

A Galeria Uffizi fica à beira do Arno e ao lado do rio prosseguimos, entre a Ponte Velha e a Ponte de Santa Trinita, até chegarmos à Via de Tornabuoni, a mais chique de Florença, pejada de lojas de luxo, igrejas e palácios renascentistas. Vindas do rio, o primeiro deles é o Palácio Spini Ferroni, obra do já nosso conhecido Arnolfo de Cambio, um edifício com ameias de arquitectura medieval florentina, datado de 1289, e que é hoje sede da Casa Ferragamo. Na praça diante dele encontramos uma alta coluna com pedestal, a Coluna da Justiça, que veio das Termas de Caracala, em Roma.

A Basílica de Santa Trinita também fica aqui. Com origens no século 11, mas reconstruída ao longo dos séculos, a fachada é em estilo maneirista e o seu interior possui uns vitrais acima do altar que lhe conferem uma bela luz. Por entre as vinte capelas podemos admirar uma série de pinturas e esculturas que fariam inveja a qualquer museu de arte antiga português, bem como uns frescos muito vivos e outros já algo esbatidos.

Passamos o Palácio Strozzi, com a sua imponente e longa fachada, construído entre 1489-1504 pela família de mesmo nome, “inimiga” dos Médici, que o conservou até ao início do último século, legando-o então ao estado italiano; é hoje um centro cultural.

No final da Via Tornabuoni, espaço para mais uma igreja, desta vez a Igreja de San Michele e Gaetano. Originalmente romanesca e dedicada a São Miguel Arcanjo, já lá estava há séculos quando foi reconstruída no século 17 no estilo barroco que hoje podemos testemunhar e dedicada a São Caetano, fundador da Ordem dos Clérigos Regulares, também conhecida pelos Teatinos. A fachada é mais ornamentada do que a anterior, a Basílica de Santa Trinita, e o interior, embora escuro, é incrível, cheio de mármore, pinturas e esculturas. Foi a igreja que mais gostei de conhecer e desta vez não me ralei nadinha do tempo que a mamã gastou a visitá-la.

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