Florença – o Oltrarno

Oltrarno, literalmente “do outro lado do Arno”, é a Florença mais popular, casa de pessoas simples e artesãos não nobres, que ocupa a margem esquerda do rio. Para lá chegar vindos do centro da Florença histórica e monumental há que passar uma das várias pontes sobre o rio Arno. As mais bonitas e famosas são a Ponte de Santa Trinita, com os seus três arcos e quatro estátuas simbolizando as estações do ano, e a Ponte Velha.

O rio que divide Florença já foi navegável e era uma via comercial de grande importância, com moinhos à sua beira e tudo. No entanto, a partir de 1860 a construção do caminho ferro e o ordenamento do cais mudou tudo. O movimento do rio, hoje, deve-se sobretudo aos praticantes de remo.

A Ponte Velha, sobre o Arno, é um dos símbolos de Florença. Construída por volta de 1345 no lugar de uma ponte romana da antiga Florentia, foi reconstruída várias vezes ao longo dos séculos devido às constantes inundações do rio. Também com três arcos, o seu tabuleiro é ocupado em ambos os flancos por casinhas de três pisos em tom pastel cujas janelas e respectivas portadas dão directamente para o rio. Muito, muito pitoresco. E uma imagem típica de Florença.

O que não se vê de imediato neste postal são as lojas que ocupam o piso térreo destas casinhas e a sua função: são lojas de joalharia seculares, estando aqui desde o século 16, época em que substituíram os mal cheirosos talhos e peixarias. Cosme I, com o pretexto da construção em 1559 do Corredor Vasariano, a passagem que liga os Palácio Uffizi e Pitti e que passa mesmo por baixo da Ponte Velha, aproveitou a ocasião para a mudança.

São várias as praças populares de Oltrarno, como a Praça del Carmine, a Praça della Passera e a Praça do Santo Espírito. Esta última é o coração do bairro. Bonita e acolhedora, aqui fica a basílica de mesmo nome. A Basílica do Santo Espírito, de fachada simples e nunca concluída, é dona de uma nave comprida mas serena e equilibrada, com um belo baldaquino em tons esverdeados no meio.

Em Oltrarno fica o Palácio Pitti, perfeitamente distinguível de qualquer miradouro na outra margem do rio. É um edifício imenso e longo, desenhado por Filippo Brunelleschi em 1457, em estilo renascentista, para Luca Pitti, um rico banqueiro. Mais tarde, no século 15, Eleonora de Toledo, mulher de Cosme I, acabou por o comprar, juntamente com o jardim, entrando para a família Médici. Ao longo dos tempos foi lugar de residência dos governadores da cidade até ser doado ao estado italiano em 1919 pela família Savoy.

A visita ao Palácio Pitti é, na verdade, a visita à Galeria Palatina, os apartamentos reais inundados de arte. As salas têm tectos incríveis, ideal para ganhar uma dor no pescoço de tanto olhar para cima a admirá-los, ao mesmo tempo que se enche a alma com tanta beleza. As pinturas em exposição fazem concorrência à Galeria Uffizi, quer em quantidade quer qualidade. Algumas das salas têm as suas paredes preenchidas por inteiro com quadros, sendo difícil focar a atenção numa obra isoladamente. Arrisco dizer que algumas destas salas isoladamente têm mais obras primas do que algumas colecções de museus de grandes cidades ou até capitais desse mundo fora – Caravaggio, Ticiano, Botticelli, Raphael, Rubens e Van Dick, todos eles marcam presença. E no piso superior há ainda mais, na galeria de arte moderna, mas neste ponto já estávamos cansadas de tanta arte e beleza.

O Jardim Boboli, nas traseiras do Palácio Pitti e com entrada por ele (embora seja também possível a entrada pela Via Romana e pelo Forte Belvedere), é um enorme exemplo de jardim toscano. Transformado pelos Médici e aberto ao público pela família Lorraine no final do século 18, possui grutas artificiais, estátuas de mármore, avenidas e caminhos, fontes, uma ilha-lago e um edifício romântico com restaurante.

Logo à entrada, ainda no pátio do Palácio Pitti, vemos a Gruta de Moisés, com um tanque com repuxos e a estátua do profeta por entre decorações de conchas.

Subindo, chega-se ao jardim instalado num patamar superior e logo ganhamos uma fantástica vista sobre Florença. Um anfiteatro, um obelisco egípcio trazido da Villa Médici e o Lago de Neptuno – ou Fonte da Forquilha, referência ao seu tridente – são alguns dos elementos mais distintos do Jardim Boboli.

Mais acima ainda, junto às muralhas do Forte de Belvedere, do Jardim do Cavaleiro tem-se mais uma vista fantástica, desta vez para o campo florentino, como que um abrir do apetite para o que será a paisagem da Toscânia rural.

E se subimos, agora há que descer. Com prazer caminhamos ao longo da Alameda dos Ciprestes, plantados em 1612, outro dos pontos altos do jardim. Com diversas esculturas ao longo da alameda, muitos caminhos laterais se abrem, multiplicando infinitamente o prazer.

No final, e em baixo, a Piazzale dell’ Isolotto é uma ilha com uma fonte no meio, com representações do Nilo, Ganges e Eufrates à volta.

Muito mais haveria para descobrir no Jardim Boboli, assim como no vizinho Jardim Bardini, cuja entrada está incluída no bilhete do Palácio Pitti, mas que por falta de tempo não chegámos a visitar. De táxi, fomos antes directamente para a Piazzela Michelangelo, uns 100 metros acima do Arno. É daqui que se tem a vista mais espantosa de Florença. A melhor forma de se despedir da cidade, desejando um até breve para visitar o muito que faltou.

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