Na província de Salamanca e a apenas 25 quilómetros da fronteira com Portugal está a cidade fortaleza de Ciudad Rodrigo. O Parque Natural Arribas do Douro, a norte, a Serra de Gata, a sul, e a Serra de França, a leste, não andam longe, complementando a visita histórica e cultural à cidade com grandes pedaços de natureza.

Ciudad Rodrigo está instalada a 653 altitude, no alto de uma ligeira colina, rodeada pela planície e com algumas ondulações ao redor. Habitada pelo menos desde a Idade do Bonze, no século 4 a.C. uma tribo celta, os vetões, andaram por aqui (um berrão, “verraco” em espanhol, frente ao Castelo é disso testemunha), bem como os romanos, com a sua Augustóbriga (que deixaram as designadas “Três Colunas”, monumento curioso à entrada da cidade). Posteriormente, as disputas entre muçulmanos e cristãos tiveram fim no século 11 e, em consequência, por volta de 1100 o conde Rodrigo González Girón lançou mão do povoamento e da reconstrução da povoação – é talvez a ele que deve o seu nome (e também talvez o mesmo Rodrigo que estará na origem do topónimo Castelo Rodrigo, a não muito distante aldeia raiana portuguesa que já pertenceu ao reino Leão, passando definitivamente para Portugal com a assinatura do Tratado de Alcanizes em 1297). A proximidade ao então reino rival é parte da história da cidade, nem sempre pacífica. Foi daqui que partiram as tropas de Castela rumo a Almeida e, depois, Aljubarrota para a decisiva batalha que pôs fim à crise dinástica portuguesa de 1383-1385 e levou D. João Mestre de Avis ao trono. Durante a Guerra da Restauração portuguesa, em 1640, foi alvo de ataques e durante as Guerras Peninsulares, em 1812, a povoação teve papel central nos movimentos militares. A época de maior relevância aconteceu durante os séculos 15 e 16, em que muita nobreza tinha aqui residência, sendo dessa altura muitos dos seus edifícios monumentais. Todavia, no século 17 e inícios do 18 as várias guerras de que foi testemunha, como a da citada Restauração portuguesa e a da Sucessão espanhola, acabaram por trazer alguma decadência. Não espanta, pois, a sua muralha, ainda hoje uma distintiva marca arquitectónica da cidade.

Considerado Conjunto Histórico-Artístico espanhol, para lá das muralhas onde o rio Águeda corre abaixo está um rico património. A aproximação a Ciudad Rodrigo deixa-nos ver em destaque no conjunto muralhado as torres da Catedral de Santa Maria, da Igreja do Cerralbo e do Castelo Castelo Enrique II. Mas pelo meio, muito mais há a conhecer por entre diversas igrejas e capelas, casas solarengas com brasão e muito movimento pelas ruas, ainda mais evidente na Praça Maior.


Frente ao Castelo Enrique II, hoje Parador de Turismo, está o tal berrão, “verraco” em espanhol, elemento em granito testemunha da cultura celta, à semelhança do que encontramos em algumas cidades do norte do nosso país. Dele partimos à descoberta de Ciudad Rodrigo, começando por seguir breve pelo caminho de ronda ocidental. A muralha medieval foi construída no século 12, durante o reinado de Fernando II. São mais de dois quilômetros de perímetro, tem sete portas, as mais antigas a do Sol e de Santiago, e vários baluartes do século 18. Vamos deixando a quadrangular torre de menagem do castelo para trás, construída no ponto mais elevado da povoação já no século 14, acrescento de Enrique II de Trastámara à fortaleza de Fernando II. E chegamos à praça onde está a Catedral, o conjunto religioso mais importante de Ciudad Rodrigo.



A construção da Catedral de Santa Maria teve início em 1165, mas apenas foi concluída em 1550, daí os diversos estilos artísticos que a compõem. Tem três portadas e na sua Porta de las Cadenas vemos uma fileira de esculturas em relevo e uma pequena rosácea a encimá-la. A torre central da catedral, a Torre de las Campanas, aquela que começámos por avistar ao longe, está agora mesmo diante nós. A importância que Ciudad Rodrigo alcançou na Idade Média é reveladora no facto de Fernando II a ter elevado a sede episcopal, não surpreendendo, assim, a grandeza, quer artística quer em dimensão, desta catedral. O interior, que não chegámos a visitar, tem várias capelas barrocas, o Pórtico do Perdão (diz que um dos mais espectaculares de Espanha), o claustro e o mausoléu de famílias nobres locais, bem como um museu diocesano.

E na cidade há ainda mais igrejas, desde logo a Capela do Marquês de Cerralbo, jugo à Catedral, igualmente com cúpula com zimbório em destaque. Foi construída para servir de panteão aos Pacheco e, diz-se, para fazer sombra à catedral.

Para lá da Praça Maior, numa só praça estão frente a frente a Igreja de San Isidoro e a Capela do Convento das Franciscanas Descalças, esta última com portada com arcos e colunas e as armas reais e um escudo com o símbolo do Coração de Jesus.

Junto a elas, outra imponente igreja, desta vez a de San Agustín (Santo Agostinho), do século 16, colada à rua estreita.

E por aqui começamos a apreciar os pormenores dos edifícios, como o da esquina, a Casa de los Vásquez, agora sede dos Correios, construída no século 16 e restaurada no 20, com portada gótica e vários escudos de armas na fachada.


A Praça Maior é o coração da cidade, para onde confluem muitas das suas ruas e onde o movimento de gentes – locais e turistas – é mais intenso. Nela está o edifício do ayuntamiento, construção do século 16 em estilo renascentista, apresentando na fachada principal duas torres, uma de cada lado, e o piso térreo e o superior com tripla arcada.

Nesta longa praça cheia de vários restaurantes e cafés com esplanada, estão ainda uns quantos palacetes, outrora pertencentes à nobreza da cidade. Os olhares viram-se e demoram-se na fachada da Casa do Primeiro Marquês de Cerralbo (também conhecida por Casa de los Cueto), do século 16, com o friso pejado de ornamentos que incluem um sem número de escudos, um recurso típico do renascimento espanhol conhecido como “plateresco”, uma fusão do mudéjar e do gótico flamejante. Aliás, os escudos nas fachadas estão por todo o lado, até em edifícios que podem não ter dignidade ou história especial.




Como estes, espalhados um pouco por cada rua da cidade.


Nas imediações, o Palácio de los Águila, igualmente do século 16, é aquele que mais seduz, muito por culpa do seu pequeno mas acolhedor claustro. Também conhecido por Palácio do Príncipe, toma o estilo renascentista e mostra vários brasões dos seus antigos proprietários.

A norte da Praça Maior e junto à igreja do Cerralbo, a Praça do Conde reúne o Palácio de Moctezuma, o Palácio do Conde de Alba de Yeltes e o Palácio dos Castro. Este último, também conhecido como Palácio do Conde de Montarco, possui um pórtico muito chamativo com duas colunas entrelaçadas encimadas por leões e um grande escudo ao centro com duas figuras a ladeá-lo, como que segurando-o. Atente-se ainda nas suas janelas com decorações góticas. É, enfim, mais um exemplo do estilo plateresco, muito característico de Ciudad Rodrigo, uma surpresa de povoação palaciana perto da fronteira do nosso país.