Igreja de São Domingos, em Lisboa

A Igreja de São Domingos, junto ao Rossio, foi fundada no século 13 e fez parte do primeiro convento dominicano de Lisboa. Ao longo dos séculos, foi sendo sistematicamente afectada por inundações, terramotos e incêndios, não surpreendendo, pois, que tenha acompanhado a história da cidade e sido palco de diversos acontecimentos. Uns positivos e outros negativos.

A Igreja pertencia a um vasto conjunto e a primeira pedra para a sua construção foi lançada em 1214, embora só finalizada em 1251. A cerca do complexo conventual era enorme e nos seus terrenos, a chamada Horta dos Frades, foi construído a partir de 1492 o Hospital Real de Todos os Santos. Encravada no espaço urbano – é de salientar que os dominicanos são uma ordem de mendicantes, pelo que usavam as ruas da urbe para obterem as suas esmolas -, foi perdendo espaço a partir do século 16, com o crescimento exponencial de Lisboa, que levou à abertura de novas ruas no Rossio e suas imediações.

Durante os reinados de D. Manuel e de D. João V, foi profundamente alterada. Na sequência dos estragos causados pelo Terramoto de 1755, veio a intervenção de Carlos Mardel e Caetano Sousa, tendo sido refeito o espaço e recuperada a fachada. Com a extinção das ordens religiosas, em 1834, o conjunto perdeu ainda mais espaço, ficando remetido à igreja e com apenas um flanco do claustro. Mais, um destruidor incêndio já em 1959 fez com que a igreja voltasse a necessitar de uma profunda intervenção. Assim, e desde a sua reabertura ao público, em 1995, após projecto de restauro do arquitecto Fernando Canas, temos algo muito diferente quer do original do século 13 quer das intervenções dos séculos 16 e 18, por força dos humores da natureza mas também do homem. No fundo, testemunhamos hoje como que um assumido conformismo com a ruína, funcionado aqui o património como um legado de uma herança que se quer simbólica.

Afinal, muito aconteceu na Igreja de São Domingos e nas suas imediações. Desde procissões e feiras, passando por conspirações para a Restauração da Independência (que veio a verificar-se em 1640), a casamentos e baptizados reais (aqui casou D. Pedro V com D. Estefânia, em 1853, D. Luís com D. Maria Pia, em 1862, ou D. Carlos com D. Amélia, em 1886; e o mesmo D. Carlos foi aqui aclamado rei, em 1889). Mais traumático e trágico, no século 18, daqui saiam em procissão os condenados à fogueira da Inquisição, sediada no vizinho Palácio dos Estaus, hoje lugar do Teatro D. Maria II. E em 1506 aconteceu o massacre de judeus, relatado pelos cronistas Damião de Góis e Garcia de Resende. O povo de Lisboa, instigado pelos dominicanos, estropiou e atirou para fogueiras pessoas com quem até à véspera vivia lado a lado; uma placa no Largo de São Domingos lembra essa violência.

Iniciemos esta nossa visita pela fachada da Igreja, voltada, precisamente, para o Largo de São Domingos. Depois do Terramoto de 1755, as ideias do Marquês de Pombal, nomeadamente a sua conhecida racionalidade, levaram a que a Igreja apresentasse um exterior de linhas simples, antecipando um certo neoclassicismo. Nessa medida, o pórtico da patriarcal, que também tinha ruído, foi aqui colocado, disso resultando uma fachada de palácio que funciona como uma janela para o Rossio. O interior, por sua vez, mostrava a sua riqueza, quer pela largueza do espaço quer pelo recurso a mármores e pinturas. Curiosamente, em 1748, pouco antes do Terramoto, portanto, D. João V havia encomendado ao arquitecto Frederico Ludovice o altar-mor, que sobreviveu à catástrofe. Nele é evidente a exuberância do barroco joanino, com a ostentação do ouro.

A Igreja de São Domingos possui uma nave única de cruz latina, com quatro altares laterais encimados por arcos de volta perfeita entre colunas. Mais acima, tribuna e janelas. E de um flanco a referida capela-mor e do outro o coro-alto. Mas o que mais causa surpresa ao entrar na Igreja é o seu tecto em falsa abóbada de berço, esponjado em manganês e ocre, opção tomada em 1995 para a recuperação do edifício após o incêndio de 1959. Com esta pintura esponjada do tecto, com diferentes colorações, conferiu-se uma leveza ao espaço, fazendo com que pareça até mais amplo, muito por culpa dos jogos de luz que lhe estão subjacentes. Ao abrir-se espaço e ao usar-se pigmentos naturais para a coloração do tecto, deu-se uma marca de contemporaneidade a esta ruína, tornando-se evidente que o património é uma construção e que ao refazer-se o tempo há, da mesma forma, uma consciência desse mesmo tempo.

Portaria
Portaria
Sacristia
Sacristia

Para além do espaço principal da igreja, entre as antigas dependências do convento estão ainda a portaria, a sacristia e uma ala do claustro. A Portaria, com muito mármore em evidência, possui um conjunto de azulejos figurativos a azul e branco, assim como o corredor de acesso à Sacristia. Nesta, vê-se uma capela num dos topos e várias pinturas. Está também revestida de azulejos, mas agora para além do azul e branco há também alguns em tom amarelo.

Claustro
Claustro
Claustro

Por fim, do claustro de São Domingos resta apenas uma ala, uma vez que ao longo dos tempos a propriedade foi sendo desmembrada – todo o restante está ocupado pelo bar de um novo hotel. Na que permanece no espaço da igreja, veem-se alguns túmulos com inscrições, como o dos infantes D. Afonso e D. Sancha, ambos filhos de D. Afonso III e D. Beatriz, reis fundadores deste Convento de São Domingos.

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