Graciosa – Parte II

A Graciosa pode ser pequena, mas tem muito com que nos ocupar. Depois de uma passagem anterior pelos seus pontos mais (re)conhecidos, saímos agora a passear ilha fora, encontrando diversos momentos que nos deixam sem dúvidas: isto é Açores e todos os Açores são uma maravilha.

Santa Cruz da Graciosa
Monte da Ajuda

Em post anterior terminámos em Santa Cruz, a maior povoação da ilha. Iniciamos agora o périplo por uma vista de pássaro, apreciando a capital do alto desde o Monte de Nossa Senhora da Ajuda, com pena, porém, de não sermos nós efetivamente pássaros para ver de cima e ao vivo este cone vulcânico. Assim é. Aquele que em tempos foi conhecido como o Monte das Violas é um pequeno cone vulcânico com 129 metros de altitude e está encimado por uma cratera. Mais, no fundo dessa cratera foi instalada a praça de touros local, assim se seguindo uma tradição trazida da vizinha Terceira no século passado. É, seguramente, o mais inesperado lugar para se levantar uma praça de touros.

Praça de Touros
Ermida da Ajuda

Para além de um soberbo miradouro, não apenas sobre Santa Cruz, mas também sobre o Atlântico, o Monte da Ajuda acolhe três ermidas e muitas cruzes, sendo que a Ermida da Ajuda é bem bonita na sua arquitectura.

Baia da Folga

O mar é elemento quase sempre presente. A costa da Graciosa é, na maior parte das vezes, negra. Não apenas a Ponta do Carapacho, que visitámos no texto anterior, mas também na zona da Baía da Folga (a não perder, um almoço no Estrela do Mar) e no Porto Afonso, na Ponta da Barca e no Barro Vermelho, entre outros.

Porto Afonso
Porto Afonso

No Porto Afonso foi onde pudemos testemunhar a irreal panorâmica com o cónico Pico a emergir da longa São Jorge. Antigo porto de pesca, muito exposto aos humores do mar, está hoje ao abandono. Resta o cais de betão e umas grutas escavadas na falésia para estacionar os barcos de pesca, apenas uma ocupada. Estas grutas deixaram a descoberto o vermelho ocre da terra, mas o calhau rolado e formações piroclásticas como um pequenino ilhéu junto à costa são negros, assim como o é a dita costa, embora salpicada aqui e ali de vegetação verde. É, no fundo, um festim de cores, a que a erosão marinha não é alheia.

Costa ocidental
Poceirões

A costa ocidental da Graciosa para lá do Porto Afonso continua muito interessante, mas agora com formações basálticas e cheia de escoadas lávicas com cortes bem delineados. Ajudou, igualmente, a erosão marinha, criando assim um cenário rude e agreste, mas espectacular. As falésias são aqui um pouco mais altas, chegando aos 30 metros. E formam-se piscinas naturais, como os maravilhosos Poceirões.

Moinho da Beira Mar
Farol da Ponta da Barca
Ponta da Barca e Ilhéu da Baleia

Depois de passarmos por mais um moinho, o moinho de vento da Beira Mar, com pouca demora chegamos à Ponta da Barca, com farol de mesmo nome. Aqui, ao contínuo deslumbre da costa é acrescentada a cor irreal da água, de um azul profundo a contrastar com a rocha negra, acompanhada de um ilhéu que muito justamente leva o nome de Ilhéu da Baleia. A sua forma não engana e corresponde a uma chaminé basáltica com disjunção prismática que resistiu à erosão.

Barro Vermelho

Por fim, o Barro Vermelho, lugar de mais umas piscinas naturais e caos basáltico.

Vinhas

O interior da zona entre a Ponta da Barca e o Barro Vermelho é dominado por plantações de vinhas que, à semelhança da ilha do Pico, são feitas em solo vulcânico e estão delimitadas por muros de pedra, os currais. A economia do vinho já foi forte nesta ilha, mas as pragas de meados do século 19 trouxeram um grande abalo, agravado no século seguinte pelo terramoto de 1980, que também afectou a Graciosa, e logo depois pela construção do aeródromo, que roubou terrenos à vinha. Nemésio chegou a escrever da Graciosa “que vindima o verdelho mais dourado do mundo”. De qualquer forma, ainda se veem algumas vinhas e se a quantidade não é a de outrora (chegou a afirmar-se que na ilha havia mais vinho do que água), agora aposta-se na qualidade, de que o Pedras Brancas é o maior exemplo.

Igreja de Guadalupe
Igreja de Guadalupe

Rumo ao interior da ilha, impõe-se uma passagem por Guadalupe e uma paragem na sua igreja, uma das mais importantes. Toma na bonita fachada a inscrição do ano de 1713, mas só ficou concluída em 1756. No interior destaca-se o bonito órgão de tubos, considerado um dos mais antigos dos Açores.

Guadalupe – planície
Guadalupe – planície

A povoação teve origem numa ermida construída no século 16 com o propósito de acolher a imagem de Nossa Senhora da Guadalupe trazida do México por Domingos Pires da Covilhã, um dos primeiros povoadores. Implantada numa planície, os seus terrenos férteis fizeram de Guadalupe o principal centro de produção de cereais e hortícolas, antes ocupados por trigo, cevada e milho e agora maioritariamente este último. Como já vimos, a Graciosa é terra de queijadas e vinho, mas também de alhos e meloas, meloas estas que se veem amiúde nesta região.

Acabámos por deixar escapar a visita à quinta onde um italiano há muito radicado na ilha prossegue a criação do burro-anão, agora ex-libris da Graciosa, mas o qual se crê ser originário do Norte de África, tendo sido muito provavelmente trazido pelos piratas. Ao invés, deixámo-nos levar tranquilamente pelas estradas da ilha, que nos dão uma série de miradouros ideais para contemplar as suas paisagens.

Miradouro da Eira, com vista para a Caldeira, encosta da Luz e costa sudeste
Miradouro das Urzeiras, com vista para a Ponta Branca
Pico da Caldeirinha
Pico da Caldeirinha, vista para a caldeira
Pico da Caldeirinha, com vista para a zona montanhosa da Serra das Fontes e da Serra Dormida
Pico da Caldeirinha, com vista para a planície e alguns cones vulcânicos

O Pico da Caldeirinha de Pêro Botelho, na Serra Branca, tem vistas para o centro da ilha, mas também deixa ver o mar. A Caldeirinha, que num instante se contorna, é um cone vulcânico com um algar de 33 metros de profundidade carregado de vegetação que, a custo, cedemos à tentação de espreitar para o interior. Lá em baixo, a vida corre em sossego, com as vacas pastando a seu bel-prazer.

Miradouro da Ribeirinha, com vista para terrenos à beira mar dispostos em quadrículas, paisagem tipicamente açoriana

Com estas paisagens no coração, guardamos as palavras de Raul Brandão: “Na luz matutina e fria das quatro horas tenho diante de mim um espectáculo único: a Graciosa dum verde muito tenro acabando dum lado e do outro em penhascos decorativos”.

Deixe um comentário