Revistas de Viagem

Há aquelas revistas tradicionais de viagens, como a Volta ao Mundo, em Portugal, ou a Lonely Planet, Condé Nast Traveller, Wanderlust e muitas mais, lá fora.

E, depois, há aquelas revistas independentes que mais parecem livros, aquelas com capas que ficam sempre bem numa mesa da sala de estar mas, melhor ainda, aquelas cujos textos e fotografias nos fazem sonhar e nos inspiram a viajar. E, sobretudo, nos dão a conhecer destinos remotos, ou não tanto, na sua plenitude.

Revistas lindíssimas cujas edições, as mais das vezes, têm um tema que lhes servirá de guião para explorar paisagens, comunidades, modos de ser e fazer. Vidas que desconhecíamos que alguma vez tivessem existido ou que ainda possam existir, como aquela do “Último Fazedor de Sapatos de Neve”, no norte da América do Norte, ou da adolescente que, apesar dos modernos veículos de neve, ainda insiste ser transportada nas suas deslocações de centenas de quilómetros por um trenó puxado pelos cães da Groenlândia. Estas são apenas algumas das histórias que se podem conhecer no último número da revista Another Escape, “The Frozen Volume” (o seu décimo primeiro número), que diz ao que vem: “O volume congelado sai à rua e abraça o frio. Descobre como as condições extremas podem promover a comunidade, unidade e união, e como a nossa paixão pelas actividades ao ar livre podem nos empoderar a enfrentar os elementos.”

Expressões e ideias como nostalgia, resiliência, ingenuidade, comunidade, remoto, isolamento, ambiente e alterações climáticas estão muito presentes. Mas sem proselitismos. Um artigo sobre a Groenlândia na edição acima citada, em especial no que respeita à questão das alterações climáticas, por exemplo, faz nos pensar que o que é mau para o resto do mundo pode não ser, ironicamente, um mal absoluto para esta região, pela maior proximidade e novas oportunidades que, eventualmente, o degelo pode trazer.

A Another Escape diz-se inspirada pela natureza de forma a ser criativa e levar a um estilo de vida considerado. Fá-lo, desde logo procurando ser uma publicação sustentável, com preocupações ao nível do uso e impressão do seu papel.

O mesmo com a Rucksack Magazine. Também uma revista bianual que se debruça sobre um estilo de vida ao ar livre, tem vindo a apresentar-se-nos sob um tema: The Winter Issue, The Journey Issue e The Island Issue, ou seja, edições dedicadas ao Inverno, à jornada e às ilhas. A sua paixão é a aventura e o contar histórias. Com ela descobri que as fotografias de dias sem sol, aqueles onde do céu só se vê uma enorme massa branca ou cinzenta, também podem ser deslumbrantes. E que lugares inóspitos e desolados, seja pelo clima que sobre eles se abate o ano quase inteiro ou pelo seu isolamento, podem produzir em nós um desejo imenso de viajar até eles. Com esta revista passei a desejar visitar a Islândia, as Ilhas Faroe ou a Ilha de Skye mesmo em meses de Inverno. Porque apesar de os seus artigos nos contarem o desconforto que pode ser pisar estas lonjuras, ainda assim as suas fotografias e textos têm o poder imenso de nos atrair até lá e aventurarmo-nos.

Mais luminosa, seguindo por caminhos mais batidos mas ainda longe das massas e sempre com artigos sobre territórios e ambientes e actividades surpreendentes, a Lodestars Anthology é provavelmente a revista mais bonita. Pega num país por edição e vai esmiuçando-o de lés a lés, com textos, fotografias e ilustrações. A curiosidade é o que a move e que no caminho a leva a conhecer personagens que resultam em textos intimistas sobre as paisagens e a cultura de cada um desses países.

A sua última edição, a décima primeira, por exemplo, é dedicada a Portugal (antes viajou pela Índia, França, Canadá, Nova Zelândia, Japão, Escócia e Inglaterra) e nela podemos viajar pelo granito da Peneda-Gerês, descer pelo Centro do país, saborear doces conventuais, explorar Peniche e a Comporta, deixarmo-nos seduzir pela arte dos azulejos, procurar a felicidade em São Lourenço do Barrocal, percorrer a Costa Algarvia e descobrir o verde dos Açores e o charme da Madeira.

A Fare Magazine tem um conceito um pouco diferente, mas o seu sentido passa igualmente por nos dar a conhecer a cultura de um local. Partindo de um foco na comida, cada edição bianual guiada por locais parte de uma cidade para explorar as suas particularidades culturais. A sua quarta e última edição é dedicada a Seoul (depois de edições sobre Istambul, Helsínquia e Charleston) e à boleia da comida desenvolvem-se artigos pela história da Coreia, pelo milagre do super desenvolvimento tecnológico da sua capital, a tradição de partilha à mesa, a cidade com mais mulheres solteiras no mundo desenvolvido. A comida (e cultura) coreana está na moda e depois de percorrer esta revista dedicada a Seoul fico ainda com mais dificuldade em perceber porque não existem restaurantes coreanos em Lisboa (excepção de um banca no Mercado Oriental e um restaurante achinesado em Odivelas).

A Suitcase Magazine autodenomina-se como “a cultura da viagem” e propõe-se, nada mais nada menos, a mudar a forma como viajamos – “esqueça os clichês turísticos e aproveite o apetite aventureiro da próxima geração”. Com 4 edições por ano, a Suitcase é mestre no escapismo moderno e as suas edições são inundadas por artigos de inúmeros lugares bonitos, com dicas de locais a visitar, dormir e comer, sem deixar de piscar o olho à moda e às novas tendências de viagem.

De todas as aqui referidas, a Suitcase é provavelmente a revista mais popular e mais lida e, consequentemente, aquela que mais vai ao encontro de um viajante independente mas que não prescinde de paragens acolhedoras e confortáveis.

Uma última menção para a extinta Boat Magazine. Nada a ver com barcos, atenção. Criada em 2014, esta muito elogiada revista independente propunha-se a não ser apenas uma revista de viagens, daquelas com dicas de restaurantes e hotéis. Pelo contrário, pretendia ir mais a fundo e, através da escolha de uma cidade, a sua edição deslocalizava o seu estúdio para lá e deixava-se imergir pelas suas dinâmicas, colaborando com fotógrafos, escritores e criativos locais para daí extrair histórias únicas, sob diversas perspectivas, dessas cidades e seus habitantes. Há cinco anos, numa entrevista, perguntava-se ao seu editor onde se veria daí a cinco anos, precisamente agora, em 2019. Ele respondia que talvez Islamabad. Não sei dele. A Boat parou no número 12, sem chegar ao Paquistão, mas passando por, entre outras, Sarajevo, Detroit, Lima, Banguecoque, Havana e Telavive. Entre quase todas as edições esgotadas fui ainda a tempo de ter direito a esta última e confirmar que a Boat mereceu mesmo todos os elogios que lhe foram feitos e que deixa saudades.

Em resumo de jornada, estas revistas de viagem são elas próprias lugares de escape. Revistas para se deixar soltas e à vista nas diversas divisões da casa e às quais é sempre um prazer voltar.

Para folhear algumas destas revistas, bem como muitas outras que em comum têm a sua estética belíssima, é possível fazê-lo sem a intermediação de um écran na livraria Under the Cover, em Lisboa.

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