Percurso Ribeirinho de Loures

No dia 7 de Setembro foram inaugurados os mais recentes passadiços junto a Lisboa. É o novo Percurso Ribeirinho de Loures, projecto há muito reclamado e enfim executado à boleia da Jornada Mundial da Juventude, que teve lugar nos terrenos agora à disposição do lazer de todos nós.

aqui havíamos dado conta da construção dos primeiros metros de frente de rio no concelho de Loures, concluída em 2017/18, que então se esperava que fossem alargados e dessem origem a uma área muito mais generosa. E foram, e deram.

Com início na foz do Trancão, no exacto lugar onde este rio se junta ao Tejo, são 6,1 quilómetros por um passadiço pedonal e ciclável suspenso sobre uma zona húmida e de sapal próxima da Reserva Natural do Estuário do Tejo. E, assim, Lisboa fica ligada a Vila Franca de Xira, com passagem por terrenos de Loures, praticamente uma trintena de quilómetros quase todos eles sempre junto ao rio.

Primeiro atravessamos a nova ponte sobre o rio Trancão, que assim se torna a mais natural união entre Lisboa e Loures. Depois vamos vendo desfilar as povoações de Sacavém, Bobadela, São João da Talha e, por fim, Santa Iria da Azóia. É uma zona de contrastes, muito urbanizada e industrial e, ao mesmo tempo, de natureza bruta.

No sentido Sacavém-Santa Iria vemos muitas chaminés, contentores e aglomerados habitacionais, enquanto que no sentido contrário é a Ponte Vasco da Gama que marca a paisagem.

Em ambos os sentidos, porém, com o Tejo sob mira vê-se a tranquilidade das águas do rio, o mouchão da Póvoa a aparecer e desaparecer conforme a maré e as serras da Arrábida ao longe. Esta tranquilidade é animada pela vida vegetal e animal que, muitas das vezes, quase não se percebe. Os painéis informativos aconselham as horas do nascer do sol ou do pôr-do-sol para termos hipótese de ver passar um ou outro dos mamíferos e vertebrados terrestres que têm aqui o seu habitat: coelho-bravo, rato-de-cabrera, raposa-vermelha, lontra, cobra-de-escada e rã-verde. Por sua vez a vegetação é discreta, mas ainda assim rica. Quase sempre rasteira, esta área é composta por sapais, lodaçais, caniçais e esteiros formados pelo constante avanço e recuo das marés. Uma vegetação halófila que se caracteriza por ser tolerante à salinidade. Há gramineas e arbustos de pequeno porte, morraça, sarcorcónia, salicórnia e valverde-do-sapal, salgadeira, junção e caniço. Esta vegetação tem um papel decisivo na depuração das águas, absorvendo e fixando os metais pesados, muitos dos quais tóxicos para outros seres vivos. E as grandes extensões de lama também têm vida e servem de alimento aos peixes na maré cheia e às aves na maré vazia. Este é, aliás, um importante habitat para diversas espécies de avifauna, particularmente migratória, sendo lugar de paragem, refúgio, alimentação e nidificação. Os flamingos são talvez a espécie que mais encanto produzem a quem passa, elegantes como só eles e com as suas patinhas cor de rosa. E são fáceis de avistar, uma vez que agora já são da casa, aqui permanecendo quase todo o ano.

É, enfim, uma área de elevado valor natural, ambiental e paisagístico, uma das 10 zonas húmidas mais importantes da Europa. A que agora se juntou esta intervenção humana dos passadiços. Dadas as características do terreno, esta obra implicou uma engenharia diferente e o caminho está assente em estacas elevadas relativamente ao solo, precisamente para protecção dos habitats.

São, então, 6,1 quilómetros desde Sacavém (início debaixo do viaduto do IC2 e próximo da nova ponte sobre o Trancão) até Santa Iria (final próximo do apeadeiro da estação de comboios). Um caminho de madeira ciclopedonal construído sobre palafita, com pontes ao longo do trajecto, 4 postos de observação e estadia e diversos túneis de sombra. Estes postos de observação e túneis de sombra são um elemento distintivo na paisagem, não apenas pela função que desempenham, mas também pelo resultado do desenho dos postes e ripados de madeira de que são feitos.

Há ainda diversos pontões, como o pontão da Valor Sul, o pontão da Fima e o pontão da BP. Tomam o nome da indústria que lhes serve e/ou permite perceber a nossa localização face a ela. Alguns destes pontões são lugares de eleição dos pescadores, embora eles também se aventurem para lá destas estruturas, ou de quem queira somente estar ainda mais próximo do rio.

No final deste Percurso Ribeirinho de Loures abrem-se mais 22 quilómetros, igualmente pedonais e cicláveis, já pertencentes ao concelho de Vila Franca de Xira, dos quais também já escrevemos aqui. No entanto, esta obra de Loures ainda não terminou. Irá continuar, estando previsto serem plantadas cerca de 1600 árvores de pequeno porte e 42 000 arbustos neste/próximo Outono/Inverno de 2023/2024, procurando dar retoque final a toda a envolvente dos passadiços.

Duas notas finais para visitar este Percurso Ribeirinho. Primeiro, há que atentar que estes 6,1 quilómetros são apenas numa direcção, ou seja, há que voltar. Se de bicicleta a distância não apresenta problemas, a caminhar já poderá ser demasiado para alguns. Aí, a opção poderá ser percorrer apenas um sentido, sendo a estação de comboio de Sacavém, de um lado, e a de Santa Iria, do outro, as melhores opções para retornar ao ponto de partida. Uma última nota para notar o sucesso que este Percurso tem tido. São muitas as pessoas que o têm usado para caminhar, correr ou pedalar, sozinhas, com amigos ou em família, com carrinhos de bebé ou com cães. Os passadiços são largos, mas não infinitos, pelo que há seguir pela direita, deixando a esquerda livre para ultrapassagens. Não é uma estrada, mas acidentes devem ser evitados. Para assim melhor se usufruir deste pedaço de natureza que agora temos a sorte de ter.

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