Palma de Maiorca

Palma é a maior cidade da ilha de Maiorca, uma das Baleares, ao largo de Barcelona e Valência. Bafejada por uma localização de sonho, numa baía que dá para o Mediterrâneo azul e com as montanhas da Tramuntana nas costas, consegue aliar o carácter medieval das suas ruas a um rico património monumental e diversos atractivos culturais. Em Palma não é necessária festa, basta as vistas, a história e a arte.

A primeira ocupação humana conhecida na ilha terá acontecido na primeira metade do segundo milénio a.C. (Idade do Bronze), por parte da que é denominada cultura pré-talayótica. Por volta de 1300 a.C. (Bronze final e Idade do Ferro), a cultura talayótica exerceu o seu domínio quer em Maiorca quer em Menorca, derivando o seu nome do talayot, o característico monumento balear que mais não é do que uma torre de vigia ou defesa, uma atalaia. Mais tarde, durante o século 9 a.C., as ilhas tornaram-se lugar de passagem, numa época em que se vivia o processo de colonização do Mediterrâneo ocidental. Fenícios, cartagineses e romanos foram-se estabelecendo sucessivamente. De qualquer forma, e no que respeita a Palma, não há vestígios arqueológicos que confirmem a presença de assentamento humano anterior à conquista romana. A fundação oficial da cidade é, assim, a do ano 123 a.C., data em que as ilhas Baleares foram incorporadas no império romano. Nos dias de hoje, a maior parte dos restos da cidade romana da actual Palma estão enterrados no subsolo do bairro de Almudaina, o bairro da catedral. O perímetro da cidade estava então definido por uma muralha que se manteve pelo menos até ao século 13 e que foi sendo lentamente demolida, restando nos nossos dias pouco da antiga muralha romana. No ano de 902 as ilhas Baleares foram conquistadas pelos muçulmanos e incorporadas no emirado omíada de Córdoba. Atribuíram-lhe a designação de Madina Mayurqa e deram-lhe um novo aspecto urbano, instalando os representantes do estado em Maiorca no Alcazar, construindo uma primeira Mesquita no lugar onde está hoje a catedral e criando um sistema hidráulico para abastecimento de água às casas e edifícios públicos e irrigação da zona de cultivo de hortas à volta de Palma. No final do século 11 o recinto amuralhado mouro era muito maior do que o romano. Em 1229, no entanto, o cristão Jaime I conquistou a cidade e alterou-lhe o nome para Ciutat de Mallorca. Mais tarde, no século 14 Palma tornou-se um importante porto comercial do Mediterrâneo, atraindo nos séculos seguintes a atenção dos piratas e tendo ficado sujeita a diversos ataques. O século 20, por sua vez, trouxe o derrube dos muros da cidade e a sua rápida expansão.

Tudo isto aprendemos no Museu de História da Cidade, no interior do Castelo de Bellver, instalado no cimo da colina Puig de sa Mesquida, sobranceira à cidade de Palma. Daqui consegue-se perceber com precisão a implantação geográfica da cidade.

Construído no início do século 14, durante o reinado de Jaime II, a ideia era que o Castelo de Bellver servisse como complexo palaciano e militar, aproveitando a sua situação geográfica de domínio de toda a cidade e sua baía. A tonalidade clara deve-se à pedra marès usada na sua construção, um género de arenito local fácil de trabalhar e obtido nas grutas artificiais no subsolo do castelo e nas pedreiras ao ar livre do bosque de Bellver, ali ao lado. Destaque para a sua forma oval, incluindo pátio e torre de menagem, e para as vistas incríveis do terraço do castelo.

Feita esta apresentação da cidade, nada como começar o passeio por Palma pela sua magistral catedral. É uma das maiores da Europa e ocupa uma vasta área na frente marítima, um colosso artístico. Conhecida por La Seu pelos maiorquinos, a sua construção teve início em 1300 no lugar de uma anterior mesquita e levou mais de 300 anos até estar concluída. Originalmente em estilo renascentista, a destruição do terramoto de 1851 levou a que fossem introduzidos elementos do gótico tardio. Os seus portais são profusamente ornamentados, tanto o portal do Mirador, virado ao Mediterrâneo, como o portal de la Almudaina, virado ao palácio de mesmo nome.

A catedral está encerrada a visitas aos sábados à tarde e aos domingos o dia todo, pelo que a única hipótese de conhecer o seu interior num destes dias é aproveitar o horário imediatamente antes de uma das missas para uma rápida espreitadela – foi o que nos tocou. Com isso, não pudemos apreciar convenientemente os trabalhos de Antoni Gaudí e Miquel Barceló no interior da catedral, o primeiro do início do século 20 com o baldaquino por cima altar da Capela da Trindade (capela principal, no meio) e o segundo de 2007 com a introdução de um mural em cerâmica na capela do Sagrado Sacramento (no lado direito).

Ao lado da Catedral está o Palácio Almudaina e o Horto do Rei, originalmente a fortaleza islâmica e alcazar dos governadores. Acredita-se que, anteriormente, os romanos haviam construído aqui um castro, mas o certo é que no final do século 13 a fortaleza foi convertida em residência dos reis de Maiorca (embora desde 1349, com a morte de Jaime III, nenhum rei tenha aqui vivido de forma permanente) e hoje continua residência oficial dos Reis de Espanha quando visitam Maiorca (embora gostem de usar outro palácio na ilha). Com a Torre del Ángel a encimá-lo, no pátio do palácio está uma fonte com leão, um dos poucos elementos dos mouros que restam, e daqui uma escadaria leva até às várias salas correspondentes aos apartamentos reais e outras divisões – no meio de muita tapeçaria, destaque para a Sala Maior, um grande salão gótico para cerimónias com uma sucessão de arcos.

Mas, facilmente perceptível como parte de uma fortaleza, em Palma temos a Dalt Murada – parte intacta dos antigos muros defensivos, a maior parte destruídos no século 19 para permitir a expansão da cidade – e o Es Baluard – desde 2004 Museu de Arte Contemporânea de Palma, centro cultural de excelência num grande exemplo de arquitectura moderna. Estão ambos imediatamente sobre a baía de Palma e sobre o Parc de la Mar e seu lago artificial, garantia de mais um punhado de belas vistas.

Aqui perto, não se pode perder o edifício da Sa Llotja, a bolsa de valores dos antigos mercadores, construída no século 15 em estilo gótico, cheia de torreões, arcos e gárgulas.

Assim feito, é altura de deixar a beira mar e partir rumo ao interior da cidade. A cidade medieval, centro histórico de Palma, é um emaranhado de ruas estreitas e pequena praças, onde se encontram algumas mansões do século 16 e 18 – as ca’n locais – cujos portões de ferro deixam ver uma nesga dos seus famosos pátios. A Porta de Almudaina, em arco, fica para aqui e é provavelmente parte dos muros romanos.

Numa rua quase escondida da cidade velha, a Calle Serra, estão os Banhos Árabes, o único monumento da época muçulmana conservado da então cidade de Madina Mayurka. Não se sabe ao certo, mas serão talvez do século 10 e fariam parte de um palácio de um árabe notável. A sua estrutura, para lá de um bonito jardim, é idêntica aos de outros banhos de cidades islâmicas que, por sua vez, se basearam nos dos romanos. Eram encarados como lugares de reunião e de prazer e deste resta a sala do Caldarium (banhos quentes) e do Tepidarium (banhos mornos), ficando a faltar o Frigidarium (banhos frios). O Caldarium é a mais interessante, de planta quadrada com 12 colunas com capitéis com diferentes decorações, devido ao aproveitamento de materiais vindos de outros edifícios, e uma cúpula com 25 clarabóias, por onde a luz entrava. E neste edifício conseguimos perceber a ideia do sistema hidráulico que já vinha dos romanos, mas acabou por ser desenvolvido pelos muçulmanos, sendo que o elemento água era de grande importância na cultura islâmica, quer nos banhos como no abastecimento e no regadio.

Palma é ao mesmo tempo uma cidade medieval e moderna, confundindo-se as duas. O Passeio do Born é um boulevard que faz como que a ligação entre estas suas duas facetas. Cheio de vida, elegante e urbano, numa área curta ao seu redor podemos ver mansões barrocas do século 18, como a Casa Solleric, edifícios modernistas do início do século XX, como o do antigo Gran Hotel (hoje Caixa Forum, um centro cultural), a inevitável Plaça Major, muito característica das cidades espanholas, e mais um sem número de edifícios de fachada atractiva, como o do Ayuntamento, mais um exemplo barroco, desta vez do século 17, com balcão e relógio.

E são tantas as igrejas de Palma que perdemos já os seus nomes, restando porém na memória os seus belos portais.

Não faltam galerias de arte e mais espaços culturais (infelizmente não encontrámos o Museu Fundação Juan March aberto), bem como lojas para todos os gostos e cafés e pastelarias. A Forn de Santo Cristo é das mais famosas e concorridas, o lugar certo para se provar uma ensaimada, o doce típico de Maiorca. A provar, ainda, o cocarroi, a característica empanada das Baleares que experimentámos e aprovámos no Ca’n Joan de s’Aigo, um café / restaurante secular que serve produtos típicos locais.

Fora do centro de Palma, no bairro da Cala Major, a Fundação Pilar e Joan Miró, é de visita obrigatória. Miró nasceu em Barcelona, mas a sua mãe e avós maternos eram maiorquinos, tal como a sua mulher, Pilar. Para o pintor, Maiorca era um lugar de criação, paz e liberdade e resolveu instalar-se na ilha em 1956, uma espécie de exílio numa época em que Franco e a sua ditadura governavam Espanha. Aqui pôde desenvolver o seu trabalho e ter o seu estúdio de sonho, com projecto de arquitectura do seu amigo Josep Lluis Sert. É assim que surge o Taller Sert, um edifício modernista de escala humana que une tradição e inovação. Aliás, a arquitectura deste estúdio é ela própria uma escultura, com ondas no telhado e tratamento cromático das fachadas em cor vermelho, azul e amarelo, precisamente aqueles que associamos às pinturas de Miró. No fundo, uma pareceria da arte com a arquitetura. No interior do Taller Sert vemos telas em cavalete, como se estivessem ainda no processo de execução, e objectos que o pintor foi coleccionando ao longo da sua vida.

Anos depois, em 1959, Miró adquiriu o edifício Son Boter, uma casa tipicamente maiorquina e de carácter rural do século 18, que ficou como seu segundo estúdio. Inicialmente destinado para a criação das suas esculturas, acabou por servir para as telas de grande tamanho e também seu refúgio. A vista desde o pátio de Son Boter é ainda maravilhosa, quer para as montanhas da Tramuntana quer para o azul profundo do mar de Maiorca (embora esta já não totalmente livre à contemplação), algo que inspirava o artista. No interior de Son Boter vemos graffitis a carvão nas paredes e desenhos preparatórios para futuras esculturas, bem como salpicos de tinta no chão e diversos objectos – como o siurell, a figura tradicional popular maiorquina de barro e argila moldada com os dedos que inspirou Miró. Estes espaços – Taller Sert e Son Boter – eram contíguos a Son Abrines, a casa da família, e foram o território de criação de Miró até à sua morte, em 1983.

Entretanto, em 1992 surgiu o Edifício Moneo, a sede da fundação projectada por Rafael Moneo, Pritzker de arquitectura em 1996. Este edifício pretende ser uma espécie de cidadela que se abstrai do entorno urbano caótico ao seu redor – prédios e mais prédios encosta fora a caminho do mar. E consegue-o. À entrada vemos o telhado coberto de água, como que aproximando o mar e o horizonte e simulando a vista de que gozava Miró. E no interior podemos ver parte da colecção de Joan Miró – pintura, desenho e escultura. E perceber como as formas das pinturas de Miró são intemporais: assim como o homem pré-histórico deixava a sua marca nas paredes das covas, também o uso das mãos é importante para Miró (havíamo-lo visto nas paredes das salas do Son Boter). Os jardins ao redor do Edifício Moneo, com plantas autóctones da ilha e com esculturas de Miró, propõem-se uma vez mais a recuperar a envolvente natural entretanto perdida e alcançam a fusão da arte e arquitectura defendida por Miró. Este é, no fundo, uma boa imagem da Palma do século 21, uma cidade que para além da desordem urbana fora do centro histórico mantém uma bem conseguida união entre património e arte.

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  1. Grupo : CANALLIS's avatar Grupo Canallis diz:

    Em meu nome, e do nosso administrador, fica classificicada a vossa Web bem concebida com design expendido
    Um abraço fraterno.
    Henrique Pereira

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