Parque Urbano do Jamor

O Jamor, em Oeiras, perto de Lisboa, será para muitos o lugar da festa da final da Taça de Portugal, em futebol. Mas para além do antigo estádio, do tempo do Estado Novo, há muitos mais equipamentos desportivos que marcaram a história do desporto no nosso país. E é, ainda, um surpreendente pulmão verde debruçado sobre o rio Tejo.

Jamor é o nome de um rio que nasce na Serra da Carregueira, em Sintra, e ao fim de cerca de 15 quilómetros desagua no Tejo, junto à Cruz Quebrada. Até à década de 1930, o vale do Jamor junto à foz era uma zona eminentemente rural, com prados de sequeiro e diversas quintas e casais que, por conta do regadio proporcionado pelo curso fluvial, possibilitavam o cultivo de cereais. Linda-a-Velha e Linda-a-Pastora eram, então, pequeníssimas povoações. A partir de 1934 começou a ser planeada a construção do Estádio Nacional e a sua execução transformaria para sempre esta paisagem rural. Junto com o Estádio e outros equipamentos desportivos, foi igualmente decidida a arborização de uma larga área, cerca de 220 hectares que serviriam de complemento ao novo parque. Assim, foram plantadas meio milhão de árvores e arbustos, resultando na enorme e diversificada mancha verde que hoje está à disposição de todos nós através de uma série de caminhos pela natureza que prestam-se a demorados passeios ou corridas e pedaladas.

Mata do Jamor
Mata do Jamor
Capela de Nossa Senhora da Boa Viagem
Capela de Nossa Senhora da Boa Viagem

A Capela de Nossa Senhora da Boa Viagem, sobranceira ao Tejo, apresenta-se completamente envolvida nesta densa mata. Quem passa na Avenida Marginal ou na A5, grandes vias que cercam o Parque Urbano do Jamor, não suspeita que possa existir aqui tamanho recolhimento. A Capela terá sido construída em 1734, mas não exactamente neste ponto; foi transferida para aqui aquando das obras no Estádio Nacional, no lugar onde anteriormente terá havido um convento de mesmo nome, abandonado e demolido na sequência da extinção das ordens religiosas, em 1834. A pequena capela, venerada pelos pescadores, está revestida a azulejos, é alpendrada e o seu adro serve de miradouro para o Tejo, Trafaria e linha da Costa da Caparica, paisagem que só não é totalmente desafogada dadas as muitas árvores que lhe servem de barreira.

Farol do Esteiro
Vista para o Tejo
Rio Jamor
Vale do Jamor

Do projecto original para o Parque e Complexo Desportivo do Jamor idealizado pelo Estado Novo de Salazar, muito não foi cumprido. Inicialmente, o complexo seria dedicado à competição de futebol e atletismo, mas depois muitos mais desportos instalaram-se no Jamor, incluindo o alto rendimento no final da década de 1980. Hoje, alia desporto de alta competição, exercício físico informal e actividades de lazer.

Estádio Nacional – Praça da Maratona
Estádio Nacional – tribuna
Estádio Nacional

O Estádio Nacional, foi inaugurado a 10 de Junho de 1944, então considerado o “dia da raça”, num momento que reuniu milhares de pessoas, coisa até aí nunca vista. Até hoje, a tribuna e a praça da maratona são elementos icónicos deste Estádio. O primeiro jogo internacional de futebol, um Portugal – Espanha, aconteceu em 1945. Em 1949, nele jogaram Benfica e Torino, um jogo marcante por no regresso a casa toda a equipa italiana ter falecido em consequência de um acidente aéreo. Em 1967 foi palco da final da Taça dos Clubes Campeões Europeus (actual Liga dos Campeões), entre Celtic e Inter de Milão. Tendo sido erigido na época do Estado Novo, ditadura que durante décadas imperou em Portugal, assim como o Estádio serviu de acampamento da Mocidade Portuguesa, em 1960, também o mesmo foi lugar das marcantes e históricas manifestações dos estudantes de Coimbra na final da Taça de Portugal em futebol entre a Académica e o Benfica, em 1969. São, aliás, as finais da Taça de Portugal que mais me têm levado ao Jamor, com momentos de alegria e desilusão bem divididos por conta das prestações dos rapazes do Sporting neste jogo decisivo da prova rainha do futebol em Portugal. Esses dias, porém, são sempre marcados pela festa e diversão, proporcionadas pelo convívio dos muitos grupos que ao Jamor vão chegando e juntando em piqueniques espalhados pela mata e relvados afora no Parque.

Complexo de Piscinas
Complexo de Piscinas

Não consigo, no entanto, precisar com certeza o que me terá levado primeiro ao Jamor, se a Taça ou a piscina. A antiga piscina, diga-se. Construída em 1968, na zona dos esteiros, a mais baixa do vale e, por isso, sujeita a inundações, acabou demolida em 1995. De 25 metros e apenas 5 pistas, nas décadas de 1980 e 1990 eram raras as provas lá, mas recordo a sua envolvente, cheias de árvores e escura, nada convidativa sobretudo nos finais de tarde de Inverno. Até que, no lugar da antiga estação ferroviária, em 1998 foi inaugurado o actual Complexo de Piscinas, o primeiro coberto e apto a receber provas nacionais e internacionais de qualquer disciplina da natação, em Portugal, uma vez que inclui uma torre de saltos. No ano seguinte, em 1999, aí decorreram os Campeonatos Europeus de Piscina Curta, onde as bancadas cheias com mais de 4000 apoiantes, que nunca haviam assistido a nada igual no nosso país, testemunharam José Couto a nadar para a prata nos 200 bruços e para o bronze nos 100 bruços. Momento ainda mais marcante para mim, uma vez que estes históricos e bem sucedidos campeonatos tiveram a organização do meu pai, tendo eu ajudado como motorista da equipa ucraniana, onde estava a futura campeã olímpica Yana Klochkova. É no Complexo de Piscinas que está instalado o Centro Interpretativo do Parque do Jamor, estando aí expostos, numa vitrine, os calções usados por Diogo Ribeiro no Campeonato Europeu de Natação de Roma, em 2020, onde foi 3° lugar nos 50 mariposa, facto inédito na natação nacional, bem como o certificado da Fina (Federação Internacional de Natação) a comprovar o seu recorde do mundo júnior nos 50 mariposa, alcançado em 2022 nos Campeonatos Mundiais Juniores em Lima, Peru, onde foi campeão em 3 provas.

Ténis
Court Central do Jamor
Court Central do Jamor
Court Central do Jamor

O ténis é outro dos desportos em que o Jamor tem muitas histórias para contar. O court central, o centralito, é uma beleza, inaugurado em 1945. Nele jogaram, em 1983, Mats Wilander e Yannick Noah. Mas foi entre 1990 e 2012 que pelos vários courts do Jamor passaram muitas das maiores estrelas do ténis da época – o centralito era pequeno para acomodar os muitos fãs de ténis que, por conta do Estoril Open, viram aqui jogar toda a legião de espanhóis que dominou a terra batida de Roland Garros nessa época (incluindo Rafael Nadal, em 2004, tendo abandonado lesionado), mais um punhado de argentinos que conquistou diversos slams, para além de figuras míticas como Lendl, Novak Djokovic e, o maior de todos, Roger Federer.

Campos de rugby no local do antigo hipódromo
Centro de treinos de atletismo, com nave coberta
Campo de golfe
Quinta do Balteiro

Mas houve muitos mais eventos disputados no Jamor, como provas de cross e corta mato, como aquele que consagrou Carlos Lopes como campeão mundial em 1985. Em 1971 e 1972 foram realizadas corridas no então hipódromo e em 1977 e 1978 a Festa do Avante, a mostrar que nem só de desporto é feito o Jamor. Aliás, em 1974 foram instaladas na Quinta do Balteiro muitas pessoas vindas das ex colónias. Em ruína, os edifícios desta antiga quinta na encosta de Linda-a-Velha, são um testemunho da tal vida rural que marcou a história e a paisagem do vale do Jamor. Há ainda mais quintas ao redor, como a Quinta da Graça (diz que dona de uns dragoeiros centenários), também em ruína, logo abaixo da actual Faculdade de Motricidade Humana (antigo Inef e Isef).

Pista de marcha, com painéis Biodiversidade
Cruzeiro, Cruz Quebrada
Pista de canoagem
Mini-golfe
Kayak-pólo

O Parque Urbano do Jamor tem vindo a desenvolver-se, não apenas com a construção de equipamentos desportivos em diferentes épocas, daí resultando arquitecturas de estilos diversos, mas também com a sua valorização num espectro largo de valências. Assim, com início na Cruz Quebrada, ao longo da ribeira do Jamor foi definido um caminho que mostra a sua biodiversidade, um meio que acolhe diversas espécies e habitats. Há ainda um parque aventura junto à Carreira de Tiro, uma parede de escalada, um circuito de manutenção na mata poente e até um mini-golfe numa ilha construída junto à pista de canoagem, um lugar que alia o desporto, o lazer e a paisagem. O Jamor é, enfim, um complexo desportivo para ser (bem) vivido por todos.

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