Do Magoito ao Cabo da Roca (16 kms) – 3° Acto

A etapa de hoje tem bem menos quilómetros do que a anterior, pois nesta há uns quantos vales e fozes de rios para atravessar.

Do alto da Praia do Magoito avistamos largo pela frente todo o caminho que iremos percorrer, desde a descida inicial à areia do Magoito até ao Cabo da Roca bem lá ao fundo. A caminhar integralmente pelo concelho de Sintra, vamos pisar as areias e as falésias mais ocidentais da costa continental da Europa.

A palavra “magoito” derivará de monte com pouca importância. Mas o lugar não pode ser tomado assim. A falésia que é testemunha privilegiada da foz do rio da Mata é bonita e a duna fóssil consolidada que serve de parede na rampa de acesso à praia está classificada como geomonumento. A formação desta duna remonta à época do Holocénico, do período do Quaternário, qualquer coisa como cerca de 11 mil anos atrás. Os vestígios arqueológicos que por aqui se acharam são, porém, mais recentes, permitindo traçar a ocupação humana deste lugar ao Neolítico, cerca do ano 5000 a.C. E a importância do Magoito faz-se hoje também pelo reconhecimento da sua água, rica em iodo, e a beleza do seu enquadramento.

Começámos por descer até à areia para logo voltarmos a subir. O areal do Magoito é extenso e na maré baixa pode-se continuar pela areia até à Taboeira, mas nós seguimos caminho mais junto ao céu, pelo topo da arriba. A manhã havia acordado com umas cores deliciosas e uma excelente visibilidade, e a maré baixa deixava ver a laje verde a descoberto sobre a água azul e a areia branca. Uma paleta completa.

Um banquinho de madeira marca o lugar de um grandioso miradouro natural. Estava despido de gente, talvez a aguardar que o dono da mota parada no estacionamento mais belo do mundo para aqui se mudasse, saltando de uma beleza para a outra.

Tanta beleza distraí e até atordoa, daí que possa fazer sentido a marcação numa pedra plantada na riba da falésia de que para o mar não é, desta vez, o nosso caminho.

Ao Magoito segue-se a Praia da Aguda. A laje a sobressair da areia continua um espectáculo, mas agora a ela junta-se a transparência da água do mar. A Aguda é praia recatada e pouco concorrida. Há uma escada para descer até ao areal, mas são os nudistas que mais a procuram. Cá em cima, a inscrição num azulejo anuncia-a: “Gosto de ti, tanto, tanto! Este gosto nunca muda; És um verdadeiro encanto. Oh! Linda Praia da Aguda!”.

Não nos cansamos desta paisagem fantástica, mas a figura de uma mulher esculpida na duna rochosa, erodida pelo vento, rouba por momentos a nossa atenção.

Imediatamente antes de chegarmos às Azenhas do Mar, por uma vez gabamos um edifício empoleirado na arriba. É a Casa Branca, a “casita à beira mar” que serviu de refúgio de veraneio para Raul Lino e sua família, projectado pelo próprio arquitecto em 1920. É evidente a influência da arquitectura popular portuguesa nesta obra simples e minimalista, um mimo que ajuda a compor um cenário que já era perfeito. Poesia pura.

Azenhas do Mar é um dos postais de Sintra. As casas encaixadas na arriba norte, desde a base na areia até ao topo no céu, são verdadeiramente cénicas. Pena a enorme torre guindaste no cimo da arriba, que estragava em muito o ambiente do lugar. Ainda assim, descemos até ao mar na foz da ribeira do Cameijo e a maré baixa ofereceu-nos um raro espaço no areal para uma relaxante pausa a meio da manhã. A saída das Azenhas faz-nos levar na memória a arquitectura muito Estado Novo da sua Escola Oficial (hoje jardim de infância) e Fonte, ambas datadas de 1928. Mais adiante, já não são os azulejos a imagem de marca das vivendas junto ao mar, mas estas levam ainda assim elementos típicos como as listas e apontamentos de cor azul nas suas fachadas.

De repente a rocha junto ao mar torna-se mais negra, agreste até, mas os pescadores mantém-se alheios à mudança da paisagem. Afinal de contas continuamos todos com o mar azul diante nós.

Mais um pouco e descemos à Praia das Maçãs. Não chegámos no mimoso eléctrico vindo de Sintra, chegámos antes a caminhar, mas é neste ponto da costa que melhor sentimos o romantismo da vila. Do areal onde desagua a Ribeira de Colares avistamos ao longe o Palácio da Pena e tudo. Em tempos que já lá vão, esta ribeira atravessava pomares e os frutos caídos eram levados pelas suas águas até à foz neste lugar que acabou por ficar conhecido como Praia das Maçãs.

Atravessada a praia, a subida pelas rochas deixa-nos no Alto da Vigia, um sítio arqueológico com vestígios do que terá sido um santuário romano dos séculos I a V. Erigido na época do imperador Tiberio, aqui viriam apenas os representantes do imperador, ou seja, as mais altas individualidades do Império Romano. Era aqui que acabava o mundo ocidental conhecido de então, desconhecendo-se o que estaria para lá deste imenso rio. Este santuário romano assinalaria, assim, o fim do mundo, e estaria consagrado ao sol e ao oceano e, mais tarde, à lua. Mas aqui existem igualmente vestígios da ocupação islâmica posterior, dos séculos XI e XII, acreditando-se que digam respeito a uma mesquita e a uma necrópole. Era, literalmente, um lugar de vigia.

Já estamos quase na Praia Grande, mas antes de a alcançarmos espreitamos os surfistas no mar abaixo de nós, naquela que é conhecida como a Praia Pequena do Rodízio, quase sem areia mesmo na maré baixa.

A Praia Grande do Rodízio recebe-nos com a sua famosa piscina oceânica, juntinho ao mar. A promenade é animada, cheia de surfistas e betinhos, um ambiente jovem e urbano fora da cidade. Aqui parámos para almoçar com vista ora para o Atlântico ora para a arriba sul da Praia Grande. Esta enorme parede vertical tem cravadas na rocha pegadas de dinossauros, crê-se que em número de 51, que por aqui andaram há 115 milhões de anos.

É uma arriba muito instável e placas avisam do perigo de desabamento provocado pela erosão. Não devíamos ter subido, sabemo-lo, mas arriscámos – a nós e à arriba – e seguimos pela enorme escadaria de madeira, tão vertical quanto a arriba. No topo, pontuado de verde aqui e ali, a paisagem garante uma enorme vista para norte, com a Praia Grande aos nossos pés.

Novamente no cimo das falésias, a partir daqui e até ao nosso destino final vamos descer e subir alguns vales para vencer a costa. Este é o troco mais bonito – e mais difícil – da etapa. Num ápice percebemos a Adraga e já se volta a avistar a Roca, agora cada vez mais perto.

A Adraga vista de cima é fantástica. No mar azul que banha a sua costa escarpada vemos umas formosas rochas que boiam livremente por ali. A água é super transparente, mas ficamos na dúvida qual o elemento mais belo. Provavelmente, é o conjunto que faz a nossa felicidade. A descida até à praia não foi a mais fácil, uma vez que distraídos com tanta beleza não tomámos o trilho correcto. Já cá em baixo no areal há mais para admirar, como a rocha em túnel em forma de arco que dá directamente para o mar.

Voltamos a subir, desta vez seguindo um pouco pelo interior por uma zona de pinhal. Já no topo da falésia extasiamo-nos com a tranquilidade escondida da pequena Praia do Cavalo, à qual se acede apenas na maré baixa desde a Adraga.

E, sobretudo, deixámo-nos surpreender pela natureza bruta do Fojo da Adraga e da Pedra de Alvidar. O Fojo é um algar vertical, um enorme buraco de cerca de 75m provocado pela acção das águas da chuva, que foram dissolvendo o calcário e formaram esta abertura na rocha que comunica com o mar. Aqui espreitámos – e escutámos – a água abaixo na cave.

Ainda aqui, tentámos perceber como pode a rocha cair tão lisa e a direito sobre o mar, como se de um tobogã se tratasse. É a Pedra de Alvidar, uma bancada calcária com uma inclinação próxima dos 90°. Incrivelmente, não apenas as lendas contam histórias de destemidos que por ela desceram, uma vez que também os pescadores ainda hoje arriscam fazê-lo. No blogue Rio das Maçãs lemos que em 1748 o escritor Francisco de Almeida Jordão ter-se-á referido à Pedra de Alvidrar escrevendo: «É toda escabrosa em declive até ao mar, de uma altura imensa, que foge o lume dos olhos quando se olha para baixo. Há homens tão bárbaros, que descem e sobem por ela descalços, que parece impossível, por um pequeno prémio».

O mar é o nosso companheiro mais óbvio, está bom de ver, mas há que não esquecer que a Serra de Sintra está mesmo do lado contrário e a Pena e a Peninha, uma de cada lado, são parceiras à altura.

Já vamos a caminho da selvagem Ursa e de forma surpreendente a vegetação torna-se mais presente e chega até a ser vívida.

O cenário durante a próxima hora de caminhada, desde a aproximação à Praia da Ursa até a deixarmos para trás, é esplendoroso. Espreitamos a Praia do Caneiro mas já só temos olhos para os enormes blocos rochosos que dominam por completo a paisagem, a Ursa e o Gigante. Diz a lenda que na Idade do Gelo vivia por aqui uma mãe ursa e seus filhotes. Quando o degelo se iniciou os deuses mandaram a mãe ursa e demais animais saírem do lugar. Como desafiou a ordem dos deuses, estes ditaram a transformação da mãe ursa em pedra – a Pedra da Ursa – e os seus filhotes em pequenos rochedos – aqueles que vemos ao longo da costa, ao redor da pedra maior. Quanto à criação da Pedra do Gigante, nada sei. Apenas que vindos de norte a apreciamos em toda a sua majestade. O caminho pela falésia é fácil. O difícil – e perigoso – é querer seguir sempre junto ao mar, como era objectivo desta nossa empreitada. Por isso descemos o vale para logo de seguida o voltar a subir (e como o vale é bastante irregular várias descidas e subidas se sucederam). A descida requer todos os cuidados e há que não arriscar, uma vez que para além de acentuada tem pedras soltas.

Desta vez não fomos mesmo até à areia desta que é a praia mais ocidental da Europa continental, como em tempos relatámos aqui, mas espreitámo-la bem de perto.

O Cabo da Roca está perto, mas não conseguimos deixar de olhar para trás, sempre com o cenário da Ursa a perseguir-nos. Não é à toa que é considerada uma das praias mais bonitas do nosso continente. A beleza da Ursa, e da Roca, é uma beleza perfeita, selvagem e delicada ao mesmo tempo. O facto de ter a honra de ser o lugar mais ocidental da Europa continental faz descarregar magotes de turistas no miradouro perto do Farol. Todos pelo prazer de admirar a grandeza do Oceano Atlântico que aqui se perde de vista.

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