Do Cabo da Roca ao Cabo Raso (14 kms) – 4° Acto

“Quando eu morrer voltarei para buscar / Os instantes que não vivi junto do mar”, Sophia de Mello Breyner Andresen

O Cabo da Roca é o ponto mais ocidental da Europa continental, “onde a terra se acaba e o mar começa”, como escreveu Luís de Camões no Canto III dos Lusíadas. Só isso faz deste um lugar icónico. Mas a costa da Roca é provavelmente a mais bonita de todo o Portugal. E a jornada de hoje, em especial da Roca ao Abano, uma das mais incríveis e épicas, sobretudo para os amantes de paisagens marítimas.

Esta não é uma caminhada fácil nem acessível a todos. À semelhança dos últimos quilómetros da anterior, há inúmeros vales para atravessar, tantos que se perde a conta. Por sorte, o tempo estava não apenas de céu azul como sem vento, o que não é tão comum assim por aqui, tornando ainda mais perigosas as caminhadas pelas falésias.

Partimos do Farol do Cabo da Roca, instalado a 165m de altitude e em funcionamento desde o ano de 1772, fazendo dele um dos mais antigos do nosso país. E em pleno Parque Natural Sintra-Cascais, com a Serra de Sintra de um lado e o Atlântico do outro, descemos rumo a sul.

Desde o primeiro metro de caminho que as palavras se tornam raras para descrever o cenário tão enorme que vamos tendo diante nós. São mais os suspiros e até urros em resposta ao recorte da costa e à transparência da água. A primeira praia que nos toca mirar é a de Riba de Cabra, logo seguida da Enseada de Assentiz. Que estrondo.

Uma descida intensa e uma subida de igual valor e, entre uma paragem para uma tentativa para respirar, já não sabemos se para ganhar fôlego pelo excesso de beleza ou pelo cansaço da subida a pique, eis que o Cabo da Roca se nos apresenta assim.

Estamos a caminhar há meia-hora e o dia já está ganho.

O mar está tranquilo e os barcos de recreio navegam a seu bel-prazer.

Mas nem sempre é assim. Os barcos nem sempre conseguem aproximar-se desta costa irrequieta. Irrequieta no ondular do mar e irrequieta no molde das rochas. Estas, pequenas mas agrestes e de forma irregular, conseguem até formar umas piscinas naturais nestes dias calmos e com praticamente ninguém como testemunha.

Ainda assim, lá para o meio do cimo destas falésias pouco acessíveis conseguimos descobrir uma casa perdida do nada mas com uma vista que é tudo. O mar continua com um azul intenso, já se vê o Guincho cada vez mais perto e percebemos que as falésias estão abatidas em alguns pontos, com pedregulhos caídos. E o mar, já tinha tido que anda com um azul irreal?

As enseadas sucedem-se, cada uma mais incrível do que a outra. Não sei os seus nomes, mas uma delas, ali para os lados do Porto do Touro, é um pedaço de natureza bruta fabulosa. As rochas acastanhadas de forma irregular e com rara vegetação rompem o mar azulíssimo e a água é translúcida. Claro que para aqui chegarmos tivemos de enfrentar mais uma daquelas descidas, mas sem esforço não há recompensa. Ainda assim, viemos perturbar a intimidade de um casalinho que chegou primeiro na descoberta de uma prainha deserta e com acesso indefinido. Até para os barcos o acesso a esta enseada deve ser difícil e talvez por isso não se viu aqui nenhum. Ou seja, o mar, esse, tivemo-lo todo vazio.

A vizinha desta enseada vimo-la apenas de cima, mais uma extraordinária imagem. E logo depois parámos para almoçar aninhados à sombra de um pinheiro com vista para mais uma brilhante paisagem Atlântica.

Nesta altura já tínhamos parado de contar as subidas e descidas. Pela tarde, as vistas continuaram fabulosas e o mar extremamente atraente. Não nos cansamos de gabar a sorte pela ausência de ondulação que permitiu estas cores incríveis. As praias continuam sem acesso óbvio por terra e as rochas absolutamente cénicas.

Até que chegamos a um lugar de rochas enormes, uma antiga pedreira. Logo após a sua “escalada” damos com um forno de cal. Tudo isto imediatamente antes da Praia da Grota e daquela que é uma das imagens mais icónicas da costa do Guincho, uma sucessão de enseadas recortadas ao mar enquanto o longo areal do Guincho remata o postal.

Depois de tanta beleza oferecida como o é este rendilhado da costa delicado e brilhante, a lava negra da rocha do Abano já não parece tão bela. Mas o Abano, enseada relativamente abrigada dos ventos fortes que costumam fazer-se sentir na região, tem também a sua magia, embora totalmente diferente daquela que vínhamos observando até aqui. Sobranceiro ao Abano, vemos ao longe o Santuário da Peninha, na Serra de Sintra. E na vertente sul o Forte do Abano, também conhecido como Forte do Guincho, construção do século XVII para protecção da costa, à semelhança dos demais fortes que temos visto nestes dias de caminhada.

E chegamos, enfim, ao longo areal da Praia do Guincho. Mais conhecida pelo vendaval que costuma proporcionar aos praticantes de desportos aquáticos, há sempre veraneantes estendidos na areia, gente que gosta de juntar aos banhos de sol os banhos de areia. Areia essa que não raro vem até à estrada de asfalto, cobrindo-a. A Duna da Cresmina fica mais no interior, entre a Praia do Guincho e a Praia da Cresmina, e através de um curto percurso por passadiços podemos caminhar em respeito por este sistema dunar, apreciando-o e admirando as vistas que o rodeiam.

Até ao Cabo Raso seguimos junto à estrada, já em clima de fim de festa, mas ainda descobrimos umas poças aninhadas nas rochas a caminho e no próprio Cabo.

Depois de passarmos pelo Forte de São Brás de Sanxete, construção do século XIX, com o Farol do Cabo Raso lá dentro, neste Cabo terminamos esta etapa com os pés na água surpreendentemente transparente.

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