Quanto tempo leva de São Tomé, a capital, a Neves, perguntei na véspera ao rapaz que nos foi buscar ao aeroporto.
“Três horas de relógio”, veio a resposta.
Como? Perguntei três vezes. As mesmas vezes que as tais horas de relógio. Ficámos sem saber o que significava e tentámos perceber, perguntando a outras pessoas e a pensar no sentido da coisa.
Será que três voltas de relógio são três horas? Não podia ser.
Acabámos, depois de grande reflexão, por concluir que três horas de relógio são três quartos de hora.
Não foi esse o tempo que demorámos até Neves, pois fomos parando em diversos pontos da área Norte e ocidental de São Tomé, que compreendem os distrito de Lobata e Lembá.
Micolo foi a nossa primeira paragem. Pequena povoação virada a Norte, tem vista para o ilhéu das Cabras e para alguns barcos encalhados. Percorremos a sua praia, onde a breve trecho vão chegando canoas da faina. Na areia, enquanto os adultos ajudam a chegada a terra, as crianças distraem-se com brincadeiras e pedem-nos, pela primeira vez, por “doce-doce”. A única doçura que deixamos é acenos e sorrisos.
De regresso, admiramos a roupa a secar estendida no chão.
Balançamo-nos para a pequena rua principal, enquanto três amiguinhos, o Samuel, o Nataniel e outro que não percebemos o nome, repetem o dito doce-doce, o qual nos irá acompanhar durante toda a viagem. Vamos percebendo que talvez mais do que um desejo é já uma frase chavão dita automaticamente sempre que surge uma pessoa com a pele mais clara.
Continuamos. A observar as pequenas vendas e a vivência do lugar.
De seguida vamos para Fernão Dias. A vegetação é frondosa. Verde, verde. Bananeiras, coqueiros e mais um montão de árvores, ainda sem conseguirmos identificar. Chegamos ao memorial da liberdade, o qual sinaliza o massacre de Batepá, em 1953, perpetrado pelas tropas coloniais portuguesas.
O terror do passado, partilha o espaço com a beleza do local. A costa faz-se de praias de areia branca e fina e de um mar calmo, que ainda assim, a espaços acolhe navios naufragados.
Praia dos Governadores e dos Tamarindos são duas que se destacam. Como é domingo, alguns locais dirigiram-se à praia para passarem o dia. Contudo, na praia dos Governadores, a mais bonita da zona norte, reina a paz. Apenas três pares de turistas ocupam o areal, enquanto um local termina a pesca do dia. Percebemos que estamos perto do paraíso.
Morro do Peixe fica também na costa. É um pequeno povoado costeiro, onde àquela hora as canoas, feitas de ôca, descansam na areia.
Para o interior, a partir de Guadalupe, onde a vida corre, com pequenas vendas, barbeiro, bancas informais a grelharem peixe, dirigimo-nos à Roça Agostinho Neto.
Na verdade o nome original é Rio de Ouro. Outrora a mais importante roça de São Tomé, onde o conde Vale Flor imperava no mercado de cacau. Imaginar toda a dinâmica passada é um exercício que o Willy, o nosso guia, nos ajuda, ao contar a história daquele espaço, outrora, próspero. Estão lá o que foi a casa principal, as senzalas, as fábricas, o hospital, os carris da linha férrea que ligava a roça, no interior, a Fernão Dias, na costa.
Contudo, tudo, actualmente, tem funções bem distintas, pois com a descolonização e a, posterior, nacionalização das roças, o processo produtivo de grande escala findou e estes espaços foram ocupados pelas famílias como local de residência.
Esta roça, ainda com o nome Rio de Ouro, é um dos palcos do livro Equador, de Miguel Sousa Tavares. Esse nome deve-se ao facto de no local desaguarem dois rios e o cacau, noutros tempos, ser considerado tão valioso como o ouro. Já o nome actual, Agostinho Neto, é uma homenagem ao primeiro presidente de Angola.
De regresso à costa, no cotovelo em que o Norte vira para oeste, mergulhamos nas águas quentes e transparentes da Lagoa Azul. Que delícia. Que bálsamo para quem vem do frio Europeu. Perco-me no mundo subaquático feito de peixes diversos, ouriços, rochas e cores.
Seguimos para Neves, a segunda maior cidade da ilha principal. A tal que se demorava três horas de relógio a chegar a partir da capital. Passamos apenas e sentimos o quotidiano dos locais, que se faz nas bermas da estrada principal. Ainda assim, realizamos que, nestas coordenadas, o conceito de cidade é muito distante do nosso.
A partir dali a estrada torna-se particularmente linda. Por vezes mesmo a ladear, sem protecção, o mar. Volta a ir ligeiramente para o interior e a ser rodeada pela vegetação frondosa. Entramos no território do cacau, com a roça Diogo Vaz a assumir um importante papel. Mas existem outras, de cariz mais biológico.
O dia encaminha-se para o fim e voltamos a serpentear junto ao mar, em direcção ao túnel de Santa Catarina. A estrada é linda, linda, linda. Mesmo linda. Um sonho.
Chegamos ao túnel de Santa Catarina, um ex-libris daquela parte da ilha. Um local com grande potencial Instagram, fosse São Tomé um destino turístico maior.
Paramos para as nossas fotografias. Um grupo de amigos diz que quer tirar uma foto connosco, porque “domingo foto manda bem”. Seja. Esse é o espírito e pele branca, rapidamente percebemos, faz sucesso na terra do cacau.
A partir daquele ponto a estrada piora ainda mais – sim, porque as estradas são muito más pela ilha fora –, para mais à frente terminar mesmo, por isso voltamos para trás.
Antes de chegarmos ao local que havemos de pernoitar, paramos em Anabom, onde os portugueses chegaram no século XV. Tal como nessa época, não encontramos ninguém. Só nós, a natureza e o marco que assinala o momento histórico.
A tarde quase se faz noite, porque nos trópicos essa chega cedo e rápido. Encontramos um miúdo a vender água de coco. Precisamos deste bálsamo para imergirmos mais neste mundo tropical.
Terminamos o dia no Mucumbli, um eco lodge em Ponta Figo, a pensar que o mundo tem lugares maravilhosos e, intuímos, que alguns deles estão em São Tomé.
A noite entra e com ela todos os, muitos, barulhos da floresta tropical. Eu, pessoa da cidade, que vivo no meio de constante ruído, demoro a habituar-me àquele barulho. Ao barulhinho bom. Mas, enfim, embalo e sonho com as paisagens maravilhosas que o dia ofereceu.