Não sei fazer doces. Só entendo de comer doces, e isso muito bem. A maior parte das vezes devoro-os com tal intensidade que não me chego a aperceber dos seus ingredientes. Mas sinto o seu guloso sabor. Mas também não me importo de olhar para eles, nem que seja em fotografias ou ilustrações, e deixar-me ficar com água na boca.

Daí que a trilogia de livros “A Doçaria Portuguesa” tenha vindo mesmo a calhar. A primeira edição, dedicada ao Norte, saiu em 2016 e a segunda, dedicada ao Sul, no ano seguinte. No final de 2019 chegou a edição, a maior, dedicada ao Centro do país (e planeia-se uma próxima dedicada às ilhas). É um inventário da doçaria portuguesa, um trabalho de sapa de Cristina Castro com muitas horas no terreno a procurar e investigar a origem e tradição de doces conventuais, regionais e populares. Mas não apenas dos doces, mas também das pessoas e histórias das práticas doceiras, muitas delas curiosas e herdadas e passadas de geração em geração. Não são precisas receitas para degustarmos estes livros.
No prefácio da segunda edição, a do Sul, Maria de Lourdes Modesto escreve que “Portugal é um país doce”. Já Edgar Pacheco, no prefácio à edição do Centro, questiona-se “como é que um povo pequeno e pobre criou tanto doce a partir de três ou quatro ingredientes-base”.
Há doces para todos os gostos e feitios, uns mais seculares, outros criados há poucos anos. Quase todos eles momentos de inspiração dos seus criadores. E os seus nomes são igualmente inspirados: há o Bolo Podre e o Bolo Rançoso (é explicada a origem do nome deste último); há as Lesmas de Silves, as Mijoninhas Alpalhão e o Tecolameco do vizinho Crato; se há a Enxarcada também pode haver a Enxovalhada; os Casadinhos, os Bons Maridos e os Beija-me Depressa são capazes de conviver bem numa mesma casa; e as Rotundinhas? Um doce para quem adivinhar o lugar da sua origem.


Estas três edições têm ilustrações da minha amiga Ana Gil que, nem de propósito, produziu uns belos desenhos da Aletria – da terra da minha avó materna – e das Cavacas – da terra da minha avó paterna. Rio Tinto e Aldeia das Dez não fazem de igual forma parte das minhas referências geográficas. Em Rio Tinto nunca estive, mas adoro a doçura da aletria legada pela avó Quina; a Aldeia das Dez volto sempre, mas evito a secura da cavaca feita pelas conterrâneas da avó Mariazinha. Antes prefiro o Pão de Ló desta última, de cuja preparação acompanhava atentamente à espera de rapar a gemada que restava na tigela. Ou os Pançudos. Ah, onde estão os Pançudos de Aldeia das Dez neste inventário? Aqui fica mais uma ideia de doce para uma futura edição.