As Serras da Arrábida

Quando ouvimos falar da Arrábida, a maior parte de nós pensará em praias de mar azul cristalino, mas a Arrábida é tambem serra e grande parte do seu mistério e poder vem dela.

À beira de casa, e até da janela do emprego, habituei-me a ver a silhueta dos montes ondulantes da Arrábida, do outro lado do estuário do Tejo. Do Castelo de Palmela até ao Cabo Espichel, abrangendo os concelhos de Palmela, Sesimbra e Setúbal, o Parque Natural da Arrábida acomoda não uma mas antes uma mão cheia de serras: Serra de São Francisco, Serra do Louro, Serra de São Luís, Serra da Arrábida e Serra do Risco. É um desfile de elevações ao longo de 35 kms de frente de costa, fazendo deste o lugar de Portugal onde se erguem as mais altas falésias junto ao mar. Uma paisagem única de escarpas rochosas a pique sobre o azul do mar ou, nas palavras de Joaquim Rasteiro, “um biombo, paralelo à costa”.

As Serras de São Francisco (275 metros) e do Louro (224 metros), na terceira linha de relevos da Arrábida, desenvolvem-se lado a lado com os vales de Barris e Alcube e os seus terrenos são salpicados por dois elementos característicos, as vinhas e os moinhos de vento. No concelho de Palmela, o castelo serve-lhes de vigia.

Delas vê-se a Serra de São Luís, o ponto mais alto do concelho, a 395 metros de altitude. Juntamente com a Serra dos Gaiteiros (228 metros), forma a segunda linha de serras do Parque Natural, também com moinhos e vales verdejantes e muito florida na Primavera, onde se caminha por entre o voo das borboletas e sob o chilrear dos passarinhos. E até sobre uma antiga calçada romana de pedra. Os seus caminhos são muito concorridos também pelos amantes do btt.

No topo da Serra de São Luís a vista para o Estuário do Sado e Península de Tróia é fabulosa.

E, finalmente, na primeira linha surgem as Serras da Arrábida e do Risco.

Na Serra da Arrábida fica o ponto mais alto de todo o Parque Natural, o Alto do Formosinho, a 501 metros de altitude. Um percurso pedestre oficial liga Azeitão ao Portinho da Arrábida, com passagem pelo Formosinho após uma subida muito pronunciada na encosta pedregosa. A diversidade da paisagem é profunda: a urbanidade da vila – terra natal do poeta Sebastião da Gama -, as quintas com vinhas ao redor, os vales abertos entre montes, os bosques cerrados onde o sol não entra e, até, o testemunho secular da presença humana na região.

A formação rochosa Castelo dos Mouros (482 metros), o “monte fortificado”, constitui um dos primeiros povoados da Arrábida, da Idade do Bronze, e o Convento da Arrábida, pouco abaixo, tem na sua envolvente várias covas usadas pelos monges para seu recolhimento absoluto do mundo e cruzes espalhadas pela serra – o misticismo da Arrábida vem de longe.

Apesar de todos estes elementos, é difícil não destacar as enormes vistas de rio, de mar e de serra. Na subida, no Alto do Formosinho e na descida, o panorama é soberbo. Vê-se a costa atlântica de Almada ao Espichel, o estuário do Tejo, o estuário do Sado e a costa atlântica de Tróia, Alentejo abaixo afora. E, logo ali, a deslumbrante costa da Arrábida, serra coberta de verde lado a lado com a água tranquilamente azul.

A Serra do Risco fica ainda mais colada ao oceano. A sua mais alta elevação é o Píncaro, a 381 metros de altitude, o ponto mais alto da costa portuguesa continental (e é mesmo a escarpa litoral calcária mais elevada da Europa), e alcançá-lo é um pouco menos exigente do que ao Formosinho, embora aqui haja que vencer um eventual medo das vertigens. A escarpa é tão recta e tão alta que impressiona, bem como o recorte selvagem da costa. É impossível resistir a olhar para baixo e admirar-nos com a transparência da água.

A leste de Sesimbra, entre a Achada e o Jaspe, a forma do Risco é inconfundível, uma crista verde que se levanta rumo ao céu. Ou, nas palavras certeiras de Sebastião da Gama, “tem o ar de uma onda que avança impetuosa e subitamente estaca e se esculpe no ar, é uma onda de pedra e mato, é o fóssil de uma onda”.

O Alto do Jaspe é um miradouro fabuloso, ideal para receber o por do sol com o Risco e o Atlântico como personagens principais dignas de um Óscar. Mas é também o lugar de uma antiga pedreira de onde se extraiu uma rocha singular, a Brecha da Arrábida ou mármore da Arrábida.

Aqui perto, mas no interior da Serra, ficam as Marmitas do Gigante. A pedra calcária foi erodindo pela acção da água ao longo dos tempos, formando estas cavidades profundas e largas na rocha e quase escondidas pela vegetação. Mais um fenómeno geológico na Arrábida, a juntar às suas muitas especificidades notáveis. Paredes meias estende-se uma planície com vista para o Monte da Lua Serra de Sintra, a provar como é dinâmica a paisagem no Parque Natural.

A paleta de cores é uma das que nos fazem gabar a maravilha que é a Arrábida. O contraste entre o azul do mar e o verde da serra é magnetizante e inesquecível. A vegetação passa por pinheiros e carvalhos e arbustos altos como o carrasco, medronheiro, aroeira e aderno. No sopé da serra, a chegar a Alpertuche, fica a Mata do Solitário, uma área de protecção total que pretende preservar este que é um dos últimos testemunhos da floresta mediterrânea primitiva que aqui existiu há milhares de anos. Ou seja, à beira do Atlântico, um quê de Mediterrâneo.

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