Ferreira do Alentejo

Rodeada pela planície e famosa pelas suas plantações de olival e produção de azeite, Ferreira do Alentejo está situada ao quilómetro 595 da estrada N2. Com o pretexto de caminharmos pelo percurso pedestre local de pequena rota designado “Rota do Cerro da Águia”, visitámos esta vila alentejana do distrito de Beja.

Entrámos em Ferreira depois da passagem pelo Lagar do Marmelo, na herdade de mesmo nome, da Oliveira da Serra, um enorme olival. Mas a visita à vila não podia começar senão na Capela do Calvário, seu símbolo e um edifício muito característico. Provavelmente do século 17, tem forma redonda e cupulada e pedras incrustadas na fachada, sendo por isso conhecido por “igreja das pedras”.

Ao subir ao centro histórico, logo passamos por uma loja de ferro, elemento que ajudou a dar nome a Ferreira. Há várias hipóteses que tentam perceber o topónimo, sendo uma delas ligada a uma antiga povoação romana de nome Singa que acabou protegida das invasões bárbaras pela mulher de um ferreiro armada de fortes malhos de ferro. Mas há outras, embora todas ligadas ao ferro, seja atribuindo a origem do nome a uma fundição de ferro (ferraria) seja pelo costume de utilização de ferro em brasa por parte dos acusados de crimes para provar a sua inocência.

Ali perto, o Pátio das Andorinhas é um alojamento local com espaços bem decorados e acolhedores e uma espécie de centro cultural local – aqui acontece eventos musicais e tertúlias e posters vários marcam os acontecimentos passados. Não ficámos lá, mas vendo a porta entreaberta espreitámos e fomos simpaticamente guiados pelos seus diversos espaços, ficando com a ideia de que este é um lugar a considerar para pernoitar aquando de uma próxima visita à vila.

O centro de Ferreira é compacto e tem umas quantas ruas onde se destacam os edifícios brancos com listas coloridas e com platibandas cuidadas e decoradas. Todas elas acabam por ir dar à praça principal, Comendador Infante Passanha, antigo rossio, onde estão alguns dos seus edifícios mais distintos, anteriormente pertencentes às famílias locais mais ricas que viram o século 19 trazer sucesso económico na área vinícola. Praça simpática com calçada portuguesa em ondas, aqui fica a Câmara Municipal, um busto do Comendador (antigo presidente da câmara), a escultura “Passando o Tempo” e a igreja matriz Nossa Senhora da Assunção.

Embora com alterações posteriores, a igreja matriz terá origem no século 14, época em que a vila pertencia à Ordem de Santiago, tendo-lhe sido doada em 1233 e, posteriormente, concedido foral em 1516, por D. Manuel I. Destaque para o portal barroco da igreja e as armas da ordem de Santiago. Diz-se que no interior está a imagem de nossa senhora da Conceição que acompanhou Vasco da Gama na sua viagem à Índia.

Pouco mais adiante, a antiga igreja da Misericórdia, hoje núcleo de arte sacra do museu municipal, possui portal manuelino – veio para aqui já no século 20, vindo da Igreja do Espírito Santo.

À saída da vila, o lugar que é hoje cemitério foi em tempos ocupado por um castelo da Ordem de Santiago, instalado na parte mais alta. Custa a crer, uma vez que já nada existe, tendo o dito castelo sido demolido em meados do século 19, quando já estava em ruínas por a sua pedra ter sido usada na construção do casario da vila.

E, a partir daqui, virando costas ao centro urbano de Ferreira, percebe-se bem que a sua economia permaneça essencialmente agrícola: sucedem-se os campos de amendoal e, sobretudo, olival.

Estamos a baixa altitude, mas vê-se um moinho de vento branco e, mais adiante, o aeródromo do Monte Aviôa, uma vacaria e, por fim, a barragem do Monte Novo, alimentada pela Ribeira do Paço. A paisagem é serena, verde e pontuada por uma árvore ou outra, mesmo se no horizonte próximo estão alguns montes ondulantes, esses sim, cobertos com olival velho. A água dos olivais de Ferreira é assegurada pela zona de regadio do grande lago do Alqueva.

A subida ao Cerro da Águia, que dá nome ao percurso pedestre local, oferece uma vista livre a toda a volta e para a estação de bombagem e canal logo abaixo, vendo-se Ferreira ao longe.

No regresso a Ferreira, passamos pelo Jardim Público, com lago e árvores de grande porte, lugar escolhido pelos locais para estar. Sendo que estes locais incluem agora, à semelhança de muitas outras povoações do Alentejo, muitos indivíduos que vieram de bem longe para trabalhar nos campos. É muito curioso, aliás, ver caracteres chineses e lojas indianas entre o casario típico alentejano desta vila do Baixo Alentejo.

Desta vez seguimos por diferentes ruas do centro histórico onde havíamos estado há pouco, passando por mais edifícios senhoriais, como o Solar dos Frades, e a Casa do Vinho e do Cante, na antiga e típica Taberna Lelito. Infelizmente, à semelhança do que acontecera na nossa anterior passagem pela vila, também desta vez não a conseguimos encontrar aberta, este que é um espaço criado pela câmara no sentido de preservar e valorizar a memória das tabernas tradicionais alentejanas, o vinho de talha e o cante alentejano. Também no Museu Municipal, instalado na antiga senhorial Casa dos Morgados da Apariça, se propõe a dar a conhecer a história e a cultura de Ferreira do Alentejo.

E terminamos este passeio por Ferreira com uma menção ao etnólogo Michel Giacometti, francês de nascimento que dedicou parte da sua vida à recolha e documentação da música tradicional portuguesa a partir da década de 1960. Passou também por Ferreira do Alentejo, onde fez recolhas relacionadas com o cante, e acabou por escolher Peroguarda, povoação deste concelho, como sua última morada. Daí que a câmara promova o Festival Giacometti, dedicado à cultura Ibérica, com especial enfoque na alentejana, e com uma programação não apenas no domínio da música, mas também da arte, antropologia, cinema, dança e gastronomia. Costuma ter edição anual e decorrer no início de Junho.

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