Belas

Belas é uma vila no concelho de Sintra. Rodeada por serras, vales e cursos fluviais, nestas paragens impera o verde. De povoamento longínquo, com alguns complexos megalíticos nas redondezas, a época romana deixou como testemunho maior a Barragem Romana de Belas, no vale onde corre a ribeira de Carenque e onde tem início o Aqueduto das Águas Livres, perto da quinta de mesmo nome. É, precisamente, terra de muitas quintas e jardins.

No volume dedicado a Lisboa e Arredores do Guia de Portugal, editado em 1924, lê-se ser esta uma “vilazinha aprazível e de águas correntes nas abas da serra da Carregueira, pequena estação de vilegiatura cujas quintas históricas, alfombradas de pinheirais, lhe dão o perfume da tradição e as sombras espessas. Por toda a parte se surpreende o fio das fontes nas veredas silenciosas que, entre as árvores centenárias, levam a alturas dominantes, com panoramas de uma sóbria e plácida grandeza”. Sede de concelho até 1855, a sua localização a caminho de Sintra e o seu clima ameno atraíram a nobreza ao longo do tempo e o seu núcleo histórico mantém ainda diversos edifícios oitocentistas em estilo revivalista e romântico.

A mata de Belas é ideal para um tranquilo passeio pela natureza e junto a ela, além da Quinta das Águas Livres, também a Quinta do Bonjardim (lugar onde se jogou o primeiro jogo de futebol em Portugal, em Setembro de 1888) e a Quinta da Fonteireira são lugares de referência.

Mas uma das mais antigas é a Quinta do Senhor da Serra. Depois da conquista de Lisboa, em 1147, Belas foi doada pelo rei a nobres e a ordens militares e religiosas, à semelhança de outras terras nas redondezas da cidade. A Quinta do Senhor da Serra, igualmente conhecida por Paço Real de Belas e Quinta dos Condes de Pombeiro e Marqueses de Belas, foi uma dessas concessões régias pelos serviços prestados na vitória, no caso a Robert Lacorne. Posteriormente propriedade de Lopo Fernandes Pacheco, fidalgo do reino no século 14, voltou à posse da coroa depois do seu filho ter estado envolvido na morte de Inês de Castro, expropriada pelo rei D. Pedro I, que aqui passou umas temporadas, tendo erigido uma torre e outras construções. Ao longo do tempo foi mudando de mãos, entre nobres e coroa, e no século 17 era pertença dos Condes de Pombeiro, tendo sido alvo de obras e melhoramentos. Muito danificada pelo Terramoto de 1755, foi reconstruída e nos seus jardins instalada uma fonte com escultura de Neptuno de autoria atribuída a Bernini, hoje no Palácio Nacional de Queluz. No final desse século 18, os condes de Pombeiro tornam-se nos primeiros marqueses de Belas e realizam novos melhoramentos na propriedade, recebendo nela diversos artistas e intelectuais da época e também membros da família real – o futuro rei D. João VI e sua esposa Carlota Joaquina também eram visitas, e em homenagem ao facto foi levantado um obelisco nos jardins da Quinta. No final do século 19 a Quinta deixou de pertencer aos marqueses de Belas e, após anos de abandono, no século passado os seus proprietários encomendaram uma remodelação do palácio ao arquitecto Raul Lino. Não obstante, destruída pelas cheias de 1968 e 1969 e saqueada na década seguinte, a Quinta entrou em degradação e em 1994 as obras da CREL retalharam a enorme propriedade, passando o viaduto rodoviário sobre parte dela. Hoje, o Paço de Belas é cenário de eventos e festas, em particular casamentos. Não o visitámos, mas tendo em conta a sua história e diante o seu muro principal, onde se vê a pedra de armas dos Atouguia Correia, bem como o mirante com brasão da mesma família proprietária da Quinta no século 16 e um painel muito gasto onde se percebem ainda algumas figuras, ficámos cheias de curiosidade para conhecer o que está para lá dele: uma enorme propriedade com palacete, capela e jardins com fontes e grutas, enfim, um conjunto com influências manuelinas, renascentistas, barrocas e românticas.

Perto do antigo Paço de Belas fica a praça principal de Belas, um pequeno largo com parque infantil onde sobressai a Casa de Saúde de Santa Rosa de Lima. Construída no início do século 19, foi doada pelo Comendador Faria à congregação das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, tendo sido por estas adaptada a unidade de saúde em 1925. De longa fachada em tom branco e com janelas e portadas azuis, possui um estilo revivalista, onde chama a atenção o seu corpo central com balcão suportado por colunas em arco e frontão encimado por estátua do Deus romano Mercúrio.

Junto ao Largo de Belas, no café à entrada da vila, abastecemo-nos gulosamente de uns Fofos de Belas, parte da típica doçaria de Sintra, um género de pequenos pães-de-ló polvilhados de açúcar e recheados de creme, confeccionados desde 1850 aqui mesmo, na que era a Fábrica dos Fofos de Belas. E logo chegamos ao adro da Igreja de Nossa Senhora da Misericórdia. A sua origem parece remontar à época da fundação de Portugal, embora a invocação de Nossa Senhora da Misericórdia apareça apenas em 1583. O portal manuelino é o elemento mais distinto da igreja, mas destaca-se ainda a sua torre sineira barroca, mais tardia, e o interior em talha dourada da capela mor e dos altares laterais.

Para lá do adro da igreja está a nossa última paragem neste passeio por Belas, a Quinta Nova da Assunção, hoje propriedade da Câmara Municipal de Sintra. Não é tão antiga como outros elementos arquitectónicos da vila, mas constitui um momento alto de prazer o deambular pelos seus jardins. Concluída e inaugurada em 15 de Agosto de 1863, dia de Nossa Senhora da Assunção, leva este nome também em homenagem a Maria da Assunção Vieira, mulher de José Maria da Silva Rego, que a mandou edificar mas faleceu antes da conclusão das obras.

Do conjunto desta quinta de veraneio fazem parte o palacete residencial, a casa de fresco, lagos, fontes e estruturas de apoio ao enorme jardim. Não entrámos na residência, mas o restante tem um ambiente claramente romântico, muito ao gosto da época. Preserva bonitos painéis em azulejo – no primeiro jardim com cenas orientais, chineses no seu ambiente; no jardim mais afastado com cenas do dia-a-dia e outras com motivos zoomorficos, vegetalistas e mitológicos – destaque para uns pássaros e leões lindos e uns convivas à mesa, cavalheiros de um lado e damas do outro.

No meio do arvoredo – carvalhos, oliveiras e pinheiros, entre outros – para lá dos jardins surge uma inesperada torre-mirante e, mais adiante ainda, a casa de chá por entre pinheiros – espreitando pelas janelas podemos ver o interior com decorações a estuque com novas cenas exóticas. É uma outra Sintra, mas desta vez menos concorrida, onde podemos desfrutar em pleno desta bela simbiose entre os diferentes ambientes criados sob o ar da serra.

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