A Serra da Lousã, no centro de Portugal, é uma região rica em património e paisagem. Património num sentido lato, abarcando tanto o património construído, bem representado nas suas aldeias de xisto, como cultural, preservando tradições e modos de fazer. E paisagem larga, daquelas com cenários de perder de vista que escondem recantos onde quer a flora quer a fauna não são meros personagens.

Junto com a Serra do Açor e a Serra da Estrela, a Serra da Lousã é parte do maior sistema de montanhas de Portugal, a designada Cordilheira Central, e também do Sistema Montejunto-Estrela. O seu ponto mais alto, o Trevim, está a 1205 metros de altitude, onde um marco geodésico entre antenas do Centro Emissor do Trevim marca o feito. Este é o limite dos distritos de Leiria e Coimbra e dos concelhos de Castanheira de Pera, Lousã e Góis. O cume está desprovido de vegetação e o vento é costumeiro, como bem se nota pelas muitas eólicas que preenchem os cumes vizinhos, mas desta vez tivemos sorte e o céu limpo permitiu-nos não apenas chegar até ao topo como admirar a vista ao redor. Imensa, está visto.

Pouco abaixo, um apontamento da moda, o baloiço do Trevim, construído no âmbito do projeto Isto é Lousã. Tal como a paisagem que permite desfrutar, é gigante. E muito concorrido. Ao fundo, montanha afora, está a densa vegetação onde se escondem os tais recantos que fazem as delícias dos visitantes da Lousã. Já por aqui andámos e disso demos conta, tendo visitado o Castelo da Lousã e sua praia fluvial da Senhora da Piedade e as aldeias de xisto.











Desta vez conseguimos almoçar no Burgo, junto ao castelo e praia fluvial, comida tradicional bem confeccionada e em doses e preços que já não se usam em Lisboa. Totalmente aconselhado. E às já conhecidas aldeias da Cerdeira, Candal, Talasnal e Casal Novo, conseguimos juntar a visita a Chiqueiro, todas elas parte da rede das Aldeias do Xisto e todas elas no concelho da Lousã. A novidade é que, em época do Natal, encontrámo-las deliciosamente decoradas com pormenores alusivos à época. Se estas aldeias já são um mimo, então num dia de inverno luminoso, com os verdes da floresta a sobressaírem ainda mais ao sabor do azul do céu e o cheiro no ar da madeira a queimar para aquecer, o postal é perfeito. E dá gosto perceber o orgulho que os seus parcos habitantes têm ao manter as suas aldeias engalanadas para a festa (a este propósito, ao contrário dos anteriores censos, que informavam não haver qualquer habitante regular nestas aldeias, os Censos de 2021 mostram que quer a Cerdeira quer o Chiqueiro já os têm).




Neste regresso à Lousã, aproveitámos para conhecer alguns lugares que ainda não havíamos visitado. Como a Cascata do Candal. Na estrada junto ao café e loja da aldeia tem início um percurso pedestre breve que nos transporta até à dita cascata. São apenas 800 metros e a primeira parte é fácil, primeiro junto à Ribeira do Candal e depois totalmente envolvidos pela bela floresta, por caminhos antigamente usados por quem fazia da região seu ofício, como os agricultores, pastores e moleiros. Num prado, veem-se algumas casas em xisto, umas em ruína e outras recuperadas – deve ser uma maravilha ter um casa de campo neste ambiente tão natural e especial. Acontece que, a cerca de 200 metros da cascata o caminho torna-se difícil, com uma descida que requer atenção pelo piso sobre as pedras irregulares e, sobretudo, pelos degraus mínimos em xisto certeiramente colocados nos muros que marcam o desnível do terreno – nada aconselhável a quem não está habituado a trilhos. De qualquer forma, até este ponto o caminho é muito bonito e já merece a pena conhecê-lo, até porque antes de iniciarmos a descida é-nos oferecido um vislumbre da cascata – totalmente imersa pela vegetação carregada – e uma paisagem espectacular deste pedaço da Serra da Lousã.

A base da cascata, pouco abaixo mas não fácil de alcançar, já se disse, é uma beleza, uma torrente forte com cerca de 25 metros de altura distribuída por mais do que um patamar, totalmente inesperada e acompanhada pelo ambiente místico de bosque por onde segue a ribeira. A Serra da Lousã é rica em biodiversidade, incluída na Rede Natura 2000, um mundo natural onde habitam espécies como veados vermelhos, corços, javalis, raposas, doninhas, ginetas, coelhos, lebres e lontras, para além de diversas aves como açores, águias-de-asa-redonda, melro-d’água, dom-fafe, petinha dos campos, corujas e mochos. Tudo isto num coberto vegetal tipicamente mediterrâneo, composto por carvalho cerquinho, sobreiros, castanheiros, medronheiros, urzes, carquejas, tojos e giestas, bem como pinheiro bravo, pinheiro silvestre, eucalipto, cedro-do-Buçaco e cedro-do-Atlas.



Outro dos lugares que não conhecíamos é o da Ribeira das Quelhas e seus passadiços. Já concelho de Castanheira de Pera, junto à aldeia do Coentral está esta novidade que no Verão de 2020 irrompeu pela paisagem da Serra da Lousã. À partida, poderíamos pensar “mais uns passadiços?”, mas na verdade parece-nos que estes fazem sentido, uma vez que apesar da (bem conseguida) intromissão na paisagem permitem que qualquer pessoa possa conhecer um pedaço de natureza bruta que de outra forma nunca conseguiria se tivesse que galgar encosta acima (antes da construção dos passadiços havia que percorrer um dos trilhos mais duros da serra).


Os Passadiços da Ribeira das Quelhas têm 1,1 kms e vão desde os 715 metros aos 959 metros através de uma estrutura de madeira elevada sob o solo e adaptada aos obstáculos que o terreno traz, acompanhando sucessivas quedas de água e poços naturais ao longo da margem direita da Ribeira das Quelhas. A envolvente é feita de imponentes escarpas rochosas, onde o granito impera, que enquadram majestosamente o vale encaixado.


Estes passadiços podem ser visitados durante todo o ano, mas é certo que as cores vão variando conforme as estações e que o inverno trará mais água e o verão um calor abrasador. É que não há muitas árvores durante o percurso; apenas no início, ainda quase sem degraus, onde se veem espécies como azevinho, azinheira, amieiro, castanheiro e carvalho alvarinho – devidamente enquadradas pela sua identificação no corrimão do passadiço. No cimo dos passadiços, até onde vai havendo algumas áreas de descanso e observação da paisagem, há um miradouro para todo o vale, a “cristã do galo”. E fora do caminho agora traçado veem-se cabras a pastar, acompanhadas pelo seu pastor.





Por fim, um passeio pela vila da Lousã. Igualmente decorada com iluminações de Natal, o seu centro é compacto e desenrola-se ao redor da Câmara Municipal e da Igreja Matriz, construída entre 1872 e 1882 ao gosto neoclássico. Há algumas casas nobres, a mais famosa delas o Palácio dos Salazares, há uns anos adaptado a unidade hoteleira. Do século 18, embora a longa fachada corrida seja do século 19, esta é uma moradia fidalga que pertenceu à viscondessa do Espinhal. Destaca-se o seu corpo central em estilo neoclássico com portada com milésimo de 1818 e brasão com as armas de Portugal. Perto está a Capela da Misericórdia, de 1568, com frontão com a imagem da Virgem sem cabeça (?). Peripécias.
