Junto à vila da Lousã ficam algumas das mais pitorescas aldeias de xisto da serra de mesmo nome. Percorremos as estradas que serpenteiam a serra rodeados de uma vegetação frondosa feita de sobreiros, castanheiros, carvalhos e pinheiros. Pelo caminho, aqui e ali, surge um aglomerado de casas, sempre aninhadas numa encosta em declive, parecendo quase empoleiradas umas nas outras.
Das 5 aldeias de xisto do concelho da Lousã, Casal Novo foi a primeira paragem. Uma entrada mesmo à beira da estrada de asfalto deixa-nos face a face com uma rua sempre a (bom) descer. São edifícios de xisto de um lado e do outro desta rua única empedrada e muito declivosa, uns mais bem conservados do que outros e todos eles rodeados pelo arvoredo. Lá em baixo fica uma eira donde com tempo aberto se descobrem o Castelo da Lousã e o Santuário de Nossa Senhora da Piedade no meio da floresta.
As aldeias da Lousã terão começado a ser ocupadas por volta do século XVII ou XVIII de forma sazonal, na Primavera e no Verão, e as suas gentes dedicavam-se sobretudo à pastorícia. Nos dias de hoje estas aldeias têm muito pouca população com residência habitual, mas a de Casal Novo, que chegou a ter 65 habitantes em 1885, não tem sequer um, sendo as suas habitações todas de residência secundária.
O nome “casal”, já se sabe, significava em português arcaico um aglomerado de duas ou três casas. Já o “novo” do nome desta aldeia indicará que esta era uma povoação mais recente do que as vizinhas Chiqueiro e Talasnal.
Falhei a visita a Chiqueiro, sem que me tenha apercebido muito bem porquê.
Mas a visita a Talasnal é impossível de se falhar, não fosse esta a aldeia mais famosa da Lousã. Da estrada temos logo uma excelente panorâmica que nos mostra com exactidão a forma como a aldeia se espraia na encosta e na serra.
Aqui não há apenas uma rua. São vários os caminhos que nos convidam a descobrir todos os recantos do Talasnal e nos atiram para ruinhas estreitas e sem saída, umas a subir e outras a descer, perdendo-nos no meio daquela natureza construída. Não nos admiremos se dermos de caras com um javali – como me aconteceu – ou um veado ou corço.
Em 1911 o Talasnal tinha 129 habitantes, dois lagares de azeite e até uma escola. Hoje, neste mundo de encantar restam casas de residência secundária (mais uma vez, aqui não há já residentes habituais) feitas de xisto e belamente decoradas com flores e ramos de videira. Umas empoleiram-se nas vizinhas, mas outras conseguem reinar livres de amarras abrindo-se às vistas fabulosas da serra, obrigando ao desfrute relaxado do cenário.
À semelhança do que acontece no Casal Novo, na zona mais baixa do Talasnal consegue ver-se o Castelo da Lousã e um percurso pedestre liga-os, conduzindo-nos até à praia fluvial.
Estas aldeias não foram instaladas muito longe de ribeiras, mas em nenhuma delas o elemento água se faz sentir tão presente como no Candal. À sua entrada, junto à Estrada Nacional (EN) espera-nos a Ribeira do Candal rodeada de casinhas alcandoradas na encosta.
E quando atravessamos a pequena ponte e começamos a subir a aldeia vemos fontes e o som da água vai nos acompanhando. De todas as aldeias de xisto da Lousã, o Candal é a mais acessível, precisamente porque fica à beira de uma EN, daí que seja a mais desenvolvida. Ainda assim, em 1940 eram 201 os seus habitantes permanentes e nos Censos de 2011 0 (zero). As décadas de 50 e 60 viram a sua população emigrar em massa e apenas na década de 70 chegou a electricidade à aldeia. À semelhança do Talasnal, também tinha lagares de azeite e uma escola e o Candal era uma aldeia onde a pastorícia era a actividade principal, com as cabras e as ovelhas a serem guardadas no piso térreo das casas, e os seus habitantes dedicavam-se ainda a uma agricultura de subsistência e ao fabrico de carvão. Mas, tradicionalmente, aqui se trabalharia a pedra. Nesse sentido, o nome “Candal” derivará de “candar” que, por sua vez, derivará de “cantar a pedra”, porque enquanto trabalhavam a pedra os canteiros e os pedreiros iam cantando.
A encosta onde está situada são na verdade uma espécie de duas vertentes cortadas pela Ribeira. Olhando da estrada, a do lado esquerdo é onde fica a maioria do casario. Subimos a bom subir as ruas inclinadas, deambulando pelos caminhos sem saída que vão dar a mais uma casinha de xisto sem reboco ou a um ponto que nos oferece mais uma vista privilegiada. Há aqui, porém, muitos edifícios abandonados e em ruína, o que é ao mesmo tempo uma pena e uma consequência inevitável do avançar do tempo. Ainda assim, o prazer de apreciar as decorações das casas com flores e descobrir umas chaminés singulares, esse, está sempre presente.
Apesar de mais acessível, o Candal acaba por receber menos visitantes – e menos confusão – do que o Talasnal. Foi por isso que no Candal, na sua Loja de Aldeia do Xisto, pude saborear com mais tranquilidade um talasnico, um doce típico de mel e castanha.
A Cerdeira é a aldeia que se segue, onde se chega após um desvio mais adiante na EN. Digamos que a subida de carro pela estrada de asfalto até lá faz suar tanto como se optássemos por seguir a pé. São curvas e mais curvas, tão apertadas e sem visibilidade que nos fazem duvidar que o caminho vá ter a alguma espécie de civilização. Mas vai. E uma daquelas onde a criatividade tem feito por imperar e, com ela, dar nova vida e transformar a aldeia. Cerdeira é a mais criativa e artística das aldeias de xisto.
Mais uma vez, a sua implantação geográfica é soberba, uma daquelas cuja beleza, isolamento e tranquilidade só podem resultar em pura inspiração. Aqui o Homem teve de se esmerar para moldar os elementos naturais a seu belo prazer. Uma longa rua a descer (ou a subir, conforme a perspectiva) até ao vale onde corre uma pequena ribeira, mais uma rua traseira mais curta, escadaria com chão de xisto a condizer com os edifícios e esplanadas perfeitas fazem da Cerdeira o lugar ideal para se montar ateliers e residências artísticas que acolhem gente de todo o mundo e donde a arte há-de brotar. Até um espaço de botânica que usa a planta do xisto como planta aromática.
O nome Cerdeira virá do antigo “sardeira”, a árvore hoje commumente conhecida por cerejeira e que por aqui terá em tempos medrado. Em 1940 os censos registaram o maior número de habitantes que a aldeia já teve, 79. Hoje, mais uma vez, ninguém aqui reside de forma habitual. A este respeito, há até uma história triste que o cinema de João Mário Grilo, no filme de 1992 “O Fim do Mundo”, connosco partilhou: na década de 1970, tinha a aldeia três habitantes, uma discussão pela partilha da água acabou por deixar a aldeia deserta. Constantino matou os outros dois e em 1983 voltou à Cerdeira, após o cumprimento da sua pena, onde, homem bom e respeitado apesar do seu crime, viveu os seus últimos anos de vida partilhando as tradições da aldeia com quem entretanto para aqui viera.
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