Castro Laboreiro, situado bem a norte, no concelho de Melgaço, é longe, longe de tudo.
Até há menos de um século, nem uma estrada a ligava à civilização. Apenas caminhos de cabras. Isolamento, é do que se trata. Hoje tudo é diferente, mas para alguém da cidade esta continua a ser uma região perdida no meio da montanha. E a montanha aqui não é qualquer uma, é a Serra da Peneda. Os montes e pedregulhos típicos da Peneda só fazem com que o ambiente de desolação, rigor e mistério se adense. Aqui não vamos encontrar formas e recantos verdejantes como nos lugares mais frequentados do Gerês. Aqui só existem penedos rugosos e pedregosos. O caos de pedra da Peneda.
Ainda assim, tudo na região me atraí.
Cheguei noite caída a Castro Laboreiro, 5 estranhos graus. No dia seguinte, para aproveitar o dia, ainda antes do pequeno almoço tardiamente servido pelas 8:30, saí manhã cedo rumo ao Castelo.
Uns cães uivavam – eram cães mas soavam como lobos -, num contraste perfeito com o som encantatório de embalo que saia das colunas municipais como música de fundo na vila. É um retrato exacto do sentimento perante a região: receio e fascínio em doses iguais.
Iniciei, assim, a subida até ao Castelo hesitante, a medo até, pensando na imagem intimidante do cão raça Castro Laboreiro – porque os lobos há muito desapareceram. Se me aparece um pela frente aqui neste meio do nada não chego ao Castelo, pensei. É o fim, pura e simplesmente, conclui. Continuo caminho, olho adiante, para o lado direito, para o lado esquerdo, para trás. A paisagem fantástica tudo faz esquecer e o facto de estar sozinha nela só faz crescer a adrenalina. O tal caos de pedra faz com que queiramos conhecer a forma da pedra seguinte, do que está para além dela, os contornos dos vales e dos montes que nos enchem a alma. A Peneda é linda.
O Castelo está implantado num castro, o Castram Laborarum dos romanos, com o significado de “acampamento de trabalhadores”, numa colina escarpada a 1033 metros de altitude. Foram, no entanto, os mouros os que ergueram o primeiro castelo no lugar, o qual viria a ser conquistado por D. Afonso Henriques e reconstruído pelo seu sucessor, D. Sancho I. Se ainda hoje o acesso até lá cima é difícil, não consigo imaginar como fariam os nossos antepassados para lá chegar. Fácil de imaginar é, sim, a inexpugnabilidade do castelo face aos inimigos invasores.
No topo do Castro, depois de ultrapassada uma das suas duas portas de madeira, encontramos as ruínas dos dois antigos recintos, o castelo e a cerca da antiga povoação. Esta povoação intramuros terá sido abandonada logo na Idade Média, tendo os seus habitantes mudado para a vila cá em baixo, a actual Castro Laboreiro. Com o avançar dos séculos o Castelo foi perdendo a sua importância e provavelmente já na época das Guerras da Restauração apresentaria estruturas apenas rudimentares e não terá desempenhado um papel decisivo. Para piorar, no século XIX foram utilizadas pedras do Castelo para a construção de edifícios na mais recente vila.
O que temos hoje é, pois, a ruína de um castelo. Mas uma ruína perceptível e, sobretudo, uma ruína num espaço fabuloso. Para lá das pequenas muralhas altaneiras o cenário de montanha é de cortar a respiração. Avistamos até uma cascata a despenhar-se pelas fragas rochosas antes de cair no rio Laboreiro.
O percurso até ao topo do Castro e Castelo é circular. Na descida, mais uma vista especial, a da vila cá em baixo no planalto encaixada nos montes. Castro Laboreiro é pequena, e o seu centro histórico resume-se a uma reduzida praça com pelourinho e igreja matriz e umas casas típicas de granito por companhia.
Mas Castro Laboreiro fascina ainda pela sua cultura castreja. São três os tipos de ocupação na região: os povoados de ocupação permanente situados nas zonas mais abrigadas do vale abaixo do planalto, as brandas e as inverneiras. Estes dois últimos não são de ocupação permanente. Tudo depende do clima que a natureza oferece numa determinada época do ano. As brandas são a opção para as épocas do ano mais quentes, situando-se a maior altitude e em zonas mais frescas e de pastagens mais verdes e mais propícias às sementeiras, enquanto que as inverneiras ficam para o Inverno, protegidas que estão do vento a mais baixa altitude e nas encostas mais abrigadas da Peneda. O que acontece de especial em Castro Laboreiro é que esta situação, que seria típica das zonas de alta montanha, acaba por não se verificar bem assim. Na verdade, nos dias de hoje muitos dos habitantes da região acabam por fazer das brandas a sua primeira habitação, muito graças ao cada vez menor rigor dos Invernos.
O Trilho Castrejo, com cerca de 17 kms, transporta-nos por muitas destas penedias recônditas, pelos antigos caminhos que ligam as brandas às inverneiras. Segui, ao invés, de carro e, embora sem a mesma proximidade e sem chegar às brandas de outrora, pude perceber um pouco mais da ocupação da região nas duas margens do rio Laboreiro.
Para sul do castelo segue uma estrada estreita que corta o vale e apresenta paisagens mais convidativas, com algum verde e arvoredo. As paredes rugosas das montanhas estão, no entanto, logo ali perto. Pela estrada fora vão surgindo alguns desvios para povoações. Para se atestar do quão apartadas e perdidas estão, as caixas do correio dos seus habitantes ficam à entrada, precisamente no lugar do desvio da estrada que já é ela própria uma estrada secundaríssima.
Esta estrada é ainda encantadora pelas pontes que aparecem à sua beira.
A primeira, a Ponte da Assureira fica à entrada da povoação inverneira de mesmo nome. Construída na época medieval, veio substituir uma outra da época romana, e é uma pequena ponte de pedra sobre um ribeiro afluente do rio Laboreiro. Tem um único arco e o seu tabuleiro é em cavalete suave. A vegetação é aqui intensa e junto à ponte encontramos um moinho. Um pouco mais afastada fica a Capela de São Brás, nome pelo qual é também conhecida esta ponte.
A Ponte Nova ou da Cava Velha fica uns 200 metros mais à frente na estrada. Porém, para darmos com ela temos de desviar e seguir por um pequeno trilho. Provavelmente construída no século I, na época romana, terá sido reformada na época medieval. O nome “Ponte Nova” faz presumir que não seria a única nas redondezas, talvez acompanhada da Ponte da Assureira ou de uma outra. Com dois arcos de volta perfeita mas não de mesmo tamanho, julga-se que esta ponte poderá ter tido em tempos mais um arco. O tabuleiro em cavalete e inclinado é feito de laje.
Sobre o rio Laboreiro, esta é a mais imponente e surpreendente das pontes da Peneda. A pedra domina toda a sua envolvente, marcando presença na ponte, nas paredes da serra e até no caminho da água. O lugar é lindo e selvagem, como todos na Peneda, e aqui não se vê vivalma, só natureza bruta.
A última ponte desta jornada volta a estar escancarada na estrada, sendo fácil, por isso, dar com ela. É a mais recente Ponte de Dorna, construída no século XIX. Também em arco e tabuleiro em cavalete, a sua forma e materiais não diferem das anteriores. O lugar é aqui o mais bucólico possível, com direito a arvoredo com folhagem de vários tons e belos reflexos na água do ribeiro.
Todas estas pontes estavam integradas na rede de comunicações vicinais de Castro Laboreiro, ligando até a via romana que seguia para Espanha.
Na volta o percurso segue pela outra margem do rio Laboreiro, com muitas mais inverneiras no caminho e os maciços da serra a conferirem ao cenário um típico ambiente de montanha. A branda do Curral do Gonçalo fica para lá do sol posto, não sei se se avista daqui nem sei como lá chegar. Sei é que é o lugar de mais altitude da freguesia, a 1166 metros, o que faz dele o segundo lugar habitado em Portugal com mais elevada altitude. Tudo em grande por Castro Laboreiro, está visto.
já tinha presente na memória o nome Castro Laboreiro, mesmo que não me lembre porquê
agora fico com o lugar, mesmo que nunca lá tenha estado
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E vale mesmo a pena ir até Castro Laboreiro e às montanhas menos batidas da Peneda. Recantos que exploramos sozinhos, apenas com a natureza ao nosso redor.
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