Cuba

A vila de Cuba, no Baixo Alentejo, é talvez das sedes de concelho alentejanas menos visitadas. Fica a perder quem para isso contribui. Terra de vinho e de cante, adegas e tabernas, o seu povoamento é milenar e também os romanos deixaram nela testemunhos da sua presença. Vila Ruiva e Vila Alva, a um tiro de distância na planície quebrada por montes modestos, fazem da visita à região um prazer dos sentidos. E é com um sorriso irónico no rosto que podemos informar: este fim de semana fomos a Cuba. De carro.

O topónimo Cuba é evidente, a forma de lá chegar é que pode ser diversa: uns acreditam que se deve ao facto de na época da Reconquista Cristã terem sido aqui encontradas uma série de cubas para fazer vinho; e outros que o nome deriva do árabe “coba” para pequena cuba. Certo é que a mais famosa das Cubas, a das Caraíbas, lhe sucede, após Cristóvão Colombo lhe ter dado o nome.

No Centro Cristóvão Colon, colaboração entre a Câmara Municipal de Cuba e a Associação Cristóvão Colon, situado no posto de turismo num lugar central da vila, frente ao tribunal e onde está uma estátua do descobridor das Américas, é-nos apresentado um espaço expositivo onde se pretende demonstrar que o navegador nasceu em Cuba do Alentejo. É feito o enquadramento geopolítico da época, Portugal e Castela como rivais da expansão marítima, descrevem-se as quatro viagens por si efectuadas ao Novo Mundo, entre 1492 e 1504, mostram-se as dezenas de topónimos que atribuiu nas Américas, a maioria dos quais de regiões do Alentejo, e defende-se que a personagem que a história oficial regista ser o tecelão Cristoforo Colombo não é compatível com a do descobridor. Colon, e não Colombo, seria afinal um pivot da estratégia do rei D. João II, um infiltrado na corte dos Reis de Castela, e o seu nome seria Salvador Fernandes Zarco. Um nobre nascido por volta de 1451 que seria filho bastardo do infante D. Fernando, duque de Beja, e de D. Isabel Zarco, filha do navegador João Gonçalves Zarco. Para tal, alega-se que o próprio Colon casou com uma dama da nobreza (Filipa Moniz, filha de Bartolomeu Perestrelo, da Casa de Viseu) e que, na época, os casamentos faziam-se dentro da mesma classe social. Mais, que uma pintura de Alejo Fernandez, “A Virgem dos Navegantes”, datada de 1505 e presente no Alcazar de Sevilha, mostra Colon com um manto decorado com motivos constituídos por três romãs abertas, dispostas em triângulos e rodeadas de ramagem, o mesmo símbolo presente no seu túmulo na mesma Sevilha.

E que existe um portal em Cuba com idêntica figuração das romãs da pintura. Esse portal é o da Ermida de Nossa Senhora da Conceição da Rocha, construída no século XVI, e é o único vestígio que resta do antigo paço ducal dos duques de Beja, que terá ruído em 1585. Se é verdade ou mera fantasia, não o sabemos, embora não desconheçamos a posição de Luís Filipe Thomaz, um dos grandes historiadores da expansão portuguesa, e que pode ser lida aqui.

Independentemente da sua relação com um dos maiores navegadores da história, Cuba vale a visita. Tornada vila em 1782, a povoação já existia no século XIII, sendo então pertença senhorial. No centro histórico não falta o típico casario alentejano branco com listas das mais variadas cores, e só o Palacete Borralho Relógio, uma casa privada do século XIX, parece romper o padrão. Não visitámos o seu interior, limitando-nos a tentar perceber como aqui caiu tamanho elemento castanho com torres, dando laivos de arte nova nas suas varandas e escadas de ferro e platibandas decoradas a azulejo com motivos florais.

Veem-se algumas praças bonitas, como esta do Largo do Conde da Esperança, com chafariz no meio.

E a igreja matriz de São Vicente, do século XVI, denuncia na fachada maneirista e barroca estarmos em pleno Alentejo.

O mesmo se diga da fachada da Ermida de São Sebastião, reconstrução do século XVII, já no limite urbano da vila.

Idem para o Convento e Igreja de Nossa Senhora do Carmo, já século XVII / XVIII, antecedido por um tranquilo largo. Acontece que, à semelhança do que nos tocou na vizinha Vidigueira, todos estes templos estavam fechados, pelo que não pudemos espreitar o seu interior. Com excepção de uma pequena parte deste último convento, há muito transformado em hospital e hoje lar / centro de acolhimento de refugiados e serviço de saúde, em que conseguimos vislumbrar os seus claustros abandonados e em muito mau estado.

Infelizmente, a (ausência) sinalética em Cuba não ajuda a conhecer e interpretar o seu património construído, o qual pode não ter valor a nível nacional, mas terá certamente a nível local. Assim, saímos da vila a tentar imaginar a história, se alguma houver, para além do palácio / casarão ao lado da Ermida de São Pedro. Levam as mesmas cores e parecem fazer parte de um mesmo conjunto. Mas não será assim. A Ermida vem do século XVI, embora obras dos séculos posteriores lhe tenham dado a feição barroco-tardia actual, duas torres sineiras na fachada principal em alpendre. O palácio que lhe é contíguo será uma obra já do século XX, nossa contemporânea, pois, e talvez sem grande importância arquitectónica e cultural. De qualquer forma, impossível deixar de fixar o olhar na sua torre em forma de pirâmide, algo que não nos lembramos de ter visto no nosso país.

Antes de visitarmos o Centro Cristóvão Colon havíamos passado pela Ermida de Nossa Senhora da Conceição da Rocha. Do século XVI e de arquitectura também alpendrada que acolhe vários estilos – manuelino, maneirista, barroco e neoclássico – é a ermida com o tal portal que terá pertencido ao paço dos duques de Beja. Sem qualquer informação a respeito no sítio, acabámos por nos deixar tomar pelo lugar onde está implantada, um lugar relativamente ermo e rural com vista para o silo de cereais de Cuba, mas envolvido por uma vegetação que facilmente nos transporta para outras paragens mais tropicais. Como as Caraíbas, por exemplo, e assim voltamos ao mesmo, às inevitáveis relações que o topónimo Cuba permite.

Ainda sobre a vila, diz o Guia de Portugal, no seu 2° volume dedicado à Extremadura, Alentejo e Algarve, editado em 1927, que “foi nesta vila incaracterística e modorrenta, quasi africana sob os ardores caniculares, que passou os últimos anos da sua vida, alternadamente com Vila de Frades, um dos mais fortes e originais prosadores que ainda houve na nossa terra, Fialho de Almeida”. O Museu Literário Fialho de Almeida presta homenagem ao homem e à obra, destacando-lhe a curiosa faceta de gastrónomo, para além de constituir ainda um espaço de residências artísticas.

Na saída norte em direcção a Vila Alva, um monumento em homenagem ao Cante marca este património imaterial que não é já apenas regional, mas antes da humanidade.

Em Vila Alva, povoação efectivamente branca e muito bonita, quer no seu casario quer na sua implantação geográfica, pudemos visitar uma das adegas que são parte da cultura e tradição das gentes deste Alentejo que, para além de um modo muito próprio de fazer o vinho, nos deram o dito Cante. Ancestralmente, aqui vinifica-se as uvas em talhas de barro – o vinho de talha – e a Adega do Mestre Daniel permitiu-nos conhecer mais acerca do processo, como que um complemento à visita do dia anterior ao Centro de Interpretação do Vinho de Talha, em Vila de Frades.

Não surpreende, pois, que a paisagem ao redor de Vila Alva seja feita de vinhas e oliveiras centenárias, embora exista também montado de sobro. As suas terras são de qualidade, resultado do microclima aqui existente que faz com que estejam protegidas do vento norte pelas serras de Portel. Mas, curiosamente, a vinha é produzida em pequenos talhões, contrariando alguma ideia feita do Alentejo como lugar de latifúndios.

Vila Alva foi povoada desde a pré-história, ganhou foral em 1512, foi pertença do Duque de Cadaval e sede de concelho até 1854. O clero e os nobres passaram por ela deixando as muitas igrejas que ainda hoje vemos, como a da Misericórdia, do século XVII, e a da Nossa Senhora da Visitação, do século XV. Esta tem uma fachada diferente da que estamos acostumados a ver, com uma torre cilíndrica a resultar em elegância desta arquitectura popular.

Arquitectura esta que, depois de conhecermos a fachada da igreja paroquial da vizinha Vila Ruiva, vemos que é afinal comum na região. À semelhança da anterior, também esta Igreja de Nossa Senhora da Encarnação apresenta-se com uma torre cilíndrica, mas desta vez o portal é gótico, embora apresente igualmente influências do manuelino. Mas será o interior o grande atractivo desta igreja, mais uma vez fechada à nossa passagem, uma vez que possui um belo repositório de pinturas murais, incluindo o mais antigo fresco a chegar aos nossos dias, vindo desde o século XVI. Situada em lugar alvo elevado em relação ao centro da povoação, tem por companhia a maneirista e barroca Igreja da Misericórdia.

Vila Ruiva, tal como Vila Alva, teve foral em 1512 e foi pertença dos Cadavais e, a ver pelo nome de uma das ruas, já teve castelo. Resta ainda o edifício dos antigos paços do concelho e cadeia, encimado por uma pequeníssima torre sineira antecedida por relógio (igual a um outro que havíamos visto em Cuba).

Voltando ainda à temática igrejas / ermidas, à beira da estrada de Vila Alva – Vila Ruiva encontramos a Ermida de Nossa Senhora da Represa ou São Caetano, um importante ponto de peregrinação regional – a imagem de São Caetano, santo milagreiro, foi considerada no século XVIII como a mais milagrosa do reino. Do século XVI, combina uma série de estilos, como o manuelino, mudéjar, maneirista e barroco, e o adro é antecedido de um cruzeiro onde percebemos na base uma caveira e uns ossos.

Esta ermida está acompanhada de uma paisagem muito bonita, com montes suaves ao redor ocupados por plantações de vinha e uma oliveira aqui e outra ali. Mais interessante, o nome “Represa” remete para o elemento sagrado água, essencial também para a agricultura, pelo que nas imediações da ermida encontramos a seiscentista Fonte da Senhora da Represa e a Barragem de Nossa Senhora da Represa, esta última da época romana (demos com a fonte de mergulho, mas infelizmente não tivemos habilidade para perceber a barragem, embora tivéssemos passado a poucos metros).

Também dos romanos, a Ponte Romana sobre a Ribeira de Odivelas, ainda freguesia de Vila Ruiva, já a caminho de Albergaria dos Fusos e da Albufeira do Alvito, é um lugar a não perder. Ficava na via romana Faro / Beja para Évora / Mérida e foi construída no século I a.C ou I d.C. originalmente em granito, tendo sido reconstruída na época medieval pelos visigodos ou pelos árabes, a atentar nas arcarias de tijolo, e em épocas posteriores, dada a presença de materiais como o calcário e o xisto. O tabuleiro está assente em 20 arcos, a maior parte deles de volta perfeita. A ribeira não tinha muita água e deu para chegar perto dos arcos, alguns intervalados por olhais e tomados por alguma vegetação. Não deu é para perceber o fragmento de ara em mármore branco e a sepultura circular com epígrafe “ANNIUS ARCONIS F. HEIC SITVS”, de significado “Ânio filho de Arcónio aqui está sepultado”. De qualquer forma, encontrar neste lugar isolado um monumento deste calibre torna a viagem por Cuba completa.

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