Moura

Moura, no Baixo Alentejo, é um dos concelhos do Alqueva. A água é um elemento muito presente, seja pelas ribeiras que a rodeiam ou pelo rio Ardila que num instante chega ao Guadiana, já para não falar da Água Castello, com nascente no castelo. E é terra de azeite, com uma infinidade de olivais junto à própria cidade. Uma das maiores e mais bonitas povoações alentejanas, é dona de um rico património monumental, legado das muitas gentes que há séculos a povoam.

A lenda da moura Salúquia conta-nos que a princesa prometida ao príncipe Brafma, de uma cidade vizinha, viu o seu amado ser vítima de uma emboscada pelos cristãos quando se dirigia para o casamento. Estes vestiram, então, os trajes dos muçulmanos e seguiram para Moura. Ao vê-los, Salúquia abriu-lhes as portas do castelo, acreditando tratar-se do seu noivo. Mas não era assim, o que ditou o domínio dos cristãos sobre os árabes e a decisão de Salúquia de atirar-se da torre do castelo, evitando o destino de escrava. Verdade ou lenda, o castelo mantém ainda hoje uma torre que honra o seu nome. E a terra que antes havia sido dominada pelos árabes, e antes deles pelos romanos, quedou nas mãos dos cristãos e do reino de Portugal. Corria o ano de 1166 e o reinado de D. Afonso Henriques quando Moura foi conquistada pelos cavaleiros Álvaro e Pedro Rodrigues, embora a posse definitiva para o reino de Portugal tenha acontecido apenas em 1295. Ganhou foral, sucessivamente, em 1171 por D. Afonso Henriques, em 1217 por D. Afonso II, em 1232 por D. Sancho II e em 1512 por D. Manuel I. Em 1525 foi a vez de lhe ser concedido o título de “Notável Vila”, por D. João III. Todos estes apontamentos servem para que não restem dúvidas de que esta foi uma povoação medieval querida pelos reis. Nos dias de hoje, mantém a monumentalidade e é das povoações alentejanas com mais vida, não parecendo adormecida como a sede de distrito, por exemplo.

Já tinha esta em Moura diversas vezes, mas por uma ou outra razão, nunca tinha encontrado o Castelo aberto. Desta vez foi possível entrar para lá das muralhas e a surpresa foi grande. Na parte mais elevada da vila, num monte com 184 metros de altura, é um largo complexo com castelo medieval e fortificação moderna onde cabe a alcáçova, a torre de menagem, a torre do relógio, o antigo convento dominicano, a Torre de Salúquia, a barbacã e mais. Primitivo lugar de povoamento de Moura, desde o século 4 a.C. até meados do século passado o castelo teve ocupação contínua – a presença de nascentes de água num território de fraca pluviosidade terá sido decisiva para a fixação de comunidades neste local -, daí que aqui exista uma sobreposição de diferentes tempos históricos. São visíveis vestígios da fortificação islâmica do século 11 ou 12 (provavelmente sobre um castro da Idade do Ferro romanizado), nomeadamente muralhas e uma grande torre quadrangular com 13 metros de altura em taipa. E até uma lápide comemorativa da construção do minarete da mesquita no reinado de Al-Mutadid, em meados do século 11, com inscrição em árabe.

Com a integração no reino de Portugal foram efectuadas muitas alterações no lugar e no século 14, aproveitando parte das muralhas árabes, a construção do castelo trouxe a alcáçova e a torre de menagem, com 25 metros de altura, onde habitavam os alcaides da vila. Já a Igreja e Mosteiro de São Domingos (de freiras dominicanas) é do século 16 e terá aproveitado parte das fundações da mesquita. Integrava a primitiva igreja de Santa Maria do Castelo, que acabou por passar para fora das muralhas, sendo a actual igreja São João Baptista. No século 17 o Castelo de Moura perdeu relevância, por a fortaleza se ter tornado obsoleta, ainda mais agravada pela invasão e destruição do Duque de Ossuna, em 1707, por ocasião da Guerra de Sucessão de Espanha. O Terramoto de 1755 e a exploração de salitre no recinto do castelo, que levou ao desmantelamento de alguns muros, ditou a sua ruína.

Felizmente, 2012 trouxe a sua reabilitação, tornando-se obrigatória a visita ao espaço do castelo, podendo observar-se tudo o acima descrito. Mais, da torre do relógio, construída no século 19, obtém-se uma vista fantástica da cidade de Moura, logo abaixo, percebendo-se a sua precisa implantação através da envolvente: lá estão os olivais e o rio Ardila.

Com a reconquista de Moura no final do século 13, a povoação estendeu-se para fora do castelo, primeiro para a Mouraria e depois para o arrabalde novo. O bairro da Mouraria é, assim, o mais antigo e característico da cidade e também uma das maiores mourarias do nosso país. Já foi maior, mas mantém ainda três ruas e um largo, num traçado rectângular raro nas cidades árabes, com casas de paredes brancas e chaminés típicas que deitam directamente para as ruas, todas elas floridas. No Largo de Mouraria podemos visitar a Casa dos Poços, núcleo árabe do Museu Municipal, onde vimos expostos uns bocais de poços em cerâmica com origem no período islâmico.

Também muitas das ruas do arrabalde novo, hoje centro de Moura, estão floridas, fazendo da cidade um conjunto com uma graça especial. Este cuidado é da responsabilidade dos próprios moradores, que vê-se que têm gosto em alindar o seu sítio.

No largo principal de Moura há uma série de elementos urbanos e artístico-monumentais. Para além do já referido castelo, aqui fica o edifício da câmara municipal, o mercado municipal, a Bica de Santa Comba, a Fonte das Três Bicas, o Jardim Dr. Santiago, o pelourinho e a Igreja de São João Baptista.

A Igreja de São João Baptista, construída em 1502, tem portal manuelino decorado com motivos vegetalistas e heráldica manuelina. Menos comum, na fachada da torre campanário vê-se um balcão com altar. O interior possui três naves com capelas, todas revestidas com painéis de azulejo, incluindo azulejos hispano-árabes.

Testemunhos da presença de água no lugar do castelo – no século 16 Duarte Darmas mencionava a existência de um poço no centro da alcáçova e descrevia-o como “poço de mujta auga e booa” -, eis os chafarizes monumentais, alimentados por ela. A Bica de Santa Comba, à entrada para o castelo, foi construída em 1891 em estilo neoclássico. Tem representadas as armas do concelho e a imagem de Santa Comba e o tanque é encimado por duas figuras de cabeça de leão donde sai a água da bica pelas suas bocas.

A Fonte das Três Bicas, frente à Igreja de São João Baptista, foi construída em estilo barroco e neoclássico. Tem pedra de armas com motivos decorativos rococó (barroco) a encimar a fonte, toda ela em mármore branco e cinzento alentejano. E vê-se o busto em alto relevo de D. João VI, em cujo reinado foi erigida esta fonte, vestido à romana, com manto preso por uma fíbula e com coroa de louros (neoclássico), e ainda castelo heráldico da cidade também em alto relevo.

Ao lado da Fonte das Três Bicas está a entrada para o Jardim Doutor Santiago, um espaço verde municipal de recreio para todos (tem parque infantil). Logo após o portão de entrada temos dois edifícios de estilo neo-mudéjar que pertenciam às Termas de Moura. O jardim tem ainda uma cascata, uma pérgola, um coreto, canteiros e bancos que antecedem um miradouro para a planície alentejana.

O Pátio dos Rolins, ali perto, é outro ponto de destaque, um conjunto de habitações do início de quinhentos onde terá sido construído o primeiro edifício com dois andares fora dos limites do castelo. Era propriedade da família Rolim e nele vê-se uma janela manuelina.

São inúmeras as igrejas e conventos em Moura. Para além das já referidas, há ainda o Convento de São Francisco, a Igreja de São Pedro, (também Museu de Arte Sacra de Moura), a Igreja da Misericórdia, (agora Cine-Teatro Caridade), a Igreja de Santo Agostinho e Convento de São João de Deus (hoje Hotel Moura), com Jardim dos Mal Encarados diante si.

Mas, de todas as igrejas e conventos de Moura, o maior relevo vai para a Igreja e Convento do Carmo, um convento carmelita medieval que foi o primeiro da ordem do Hospital fundado em Portugal, em 1251, na época em que Moura havia sido doada a esta ordem. Diz-se que a sua arquitectura inspirou a do convento do Carmo em Lisboa, para onde partiram os primeiros frades vindos de Moura. No século 16 foi objecto de alterações profundas, tendo tomado o estilo manuelino e maneirista. Depois da extinção das ordens religiosas em Portugal, em 1834, funcionou como hospital até 1992, estando agora em avançado estado de degradação, com excepção da igreja, que ao que parece mantém-se aberta para celebrações religiosas. Espera-se que um futuro projecto possa salvar este relevante conjunto da total destruição.

Quem levou uma grande volta foi o Edifício dos Quartéis, construção do século 17 / 18 para habitação dos militares que defendiam a praça forte de Moura durante as Guerras da Restauração e da Sucessão. O conjunto incluía uma capela e há anos foi reconvertido num espaço de restauração e lojas, ao que parece usufruídos com sucesso pelos mourenses.

Moura, como se referiu na introdução, é um dos concelhos do Alqueva. Para melhor se apreciar o grande lago, nada como irmos até à Estrela, aldeia ribeirinha implantada numa pequena península. Tem cais fluvial e todas as valências para melhor se aproveitar uma jornada à beira de água num lugar idílico.

Não deixámos Moura sem visitar duas das quatro atalaias que eram parte do sistema de defesa do Castelo de Moura, todas em ligação visual com este e umas com as outras, a Atalaia de Porto Mourão e a Atalaia da Cabeça Magra (as outras são as atalaias da Cabeça Gorda e de Alvarinho). Com excepção da Atalaia da Cabeça Magra, são todas de planta quadrangular.

A Atalaia de Porto Mourão, a poucos passos do centro de Moura, vigiava o Rio Ardila e permanece à sua beira, num bonito lugar com as margens cobertas de vegetação e oliveiras por perto.

A Atalaia da Cabeça Magra, por sua vez, está a uns 4 kms a este de Moura e chega-se até ela depois de um curto desvio por uma estrada de terra batida de fácil circulação automóvel. Talvez do século 13, esta torre de vigia com 12 metros de altura tem forma cilíndrica e três pisos.

A paisagem que a rodeia é já maravilhosa desde a base, mas para tornar a coisa ainda mais grandiosa podemos aceder ao seu interior e através da subida pela escada em caracol chegamos ao segundo andar, com parede com abertura, e depois ao topo, sem cobertura. A vista é de sonho. À paisagem de planície juntam-se alguns montes, com as oliveiras a pintalgarem o território, vendo-se ao fundo Moura e o seu castelo. A imagem perfeita para nos despedirmos desta bonita cidade alentejana.

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