Os Castelos de Montemor-o-Velho e Montemor-o-Novo

Montemor-o-velho e Montemor-o-Novo, uma no centro e outra no sul de Portugal, têm em comum para além do nome o facto de terem um castelo. Ambos bonitos e com largo espaço para podermos deambular entre as estruturas de tempos antigos e apreciar a paisagem ao seu redor.

Montemor-o-Velho, às portas de Coimbra, tem a maior fortificação do Mondego (e uma das maiores de Portugal), mas a ocupação humana da região é bem anterior à construção do castelo. Povos do neolítico, romanos, visigodos, muçulmanos e cristãos do reino de Portugal, todos andaram por lá. Os muçulmanos chegaram a Montemor no século 8 como naquela época se chegava a muitas das povoações interiores banhadas por cursos fluviais, navegando rio afora – aqui havia então um porto fluvial-marítimo de grande importância. Os séculos 9 a 11 foram tempos de sucessivas disputas entre muçulmanos e cristãos, com conquistas e reconquistas de parte a parte. No processo de Reconquista Cristã, Fernando Magno lançou uma campanha entre 1055-58 em que percorreu as terras beirãs até junto ao rio Douro, levando-o a importantes conquistas militares, como Seia, Lamego e Viseu, que prepararam a conquista definitiva de Coimbra, em 1064. Então, o governo da cidade e do território foram entregues a D. Sesnando, moçarabe natural de Tentúgal que em jovem havia sido educado junto da corte muçulmana, o que lhe permitiu, mais tarde, aconselhar e servir os monarcas cristãos, ao mesmo tempo que afirmava um certo moçarabismo na região de Coimbra.

Após a reconquista de Coimbra, a defesa da cidade ficou assegurada pela designada Linha do Mondego – o rio fazia a fronteira entre o norte cristão e o sul árabe – assegurada por uma série de estruturas fortificadas que incluía os castelos de Avô, Penacova, Lousã, Coimbra, Penela, Soure e Montemor. Montemor recebeu carta de povoação em 1095 e foral em 1212 e, então, era denominada de Mons Maiores ou Montis Maioris, tendo-lhe disso acrescentado -o-Velho quando D. Sancho I reedificou a vila alentejana de Montemor-o-Novo. A propósito da toponímia, uma lenda conta-nos que a rivalidade que opunha os habitantes de Montemor e a vizinha Maiorca levava-os a considerar que a sua terra estava implantada num ponto mais elevado do que a outra; para aborrecer os de Maiorca, os de Montemor gritavam: “Monte…Mor! Monte…Mor!” e os de Maiorca respondiam “Maior…Cá! Maior…Cá!”. O Castelo de Montemor-o-Velho é, pois, de origem muçulmana e as primeiras referências a ele dirigidas surgiram no século 9. Seria já, então, uma poderosa fortaleza, característica que mantém, estando bem conservado. Terá sido profundamente remodelado após a tomada pelos cristãos, no século 11, onde passou a assegurar a dita defesa do Mondego sobretudo de incursões inimigas que pudessem vir do mar. E foi seguramente objecto de muitas mais alterações ao longo dos tempos.

Hoje, surpreende a sua enorme muralha, contornando parte do outeiro onde o castelo continua instalado, e as fantásticas panorâmicas sobre os campos de arroz que rodeiam a sua base. No século 16, na sequência da epopeia dos Descobrimentos que levou os portugueses para todos os cantos do mundo, novas culturas foram introduzidas nas férteis terras do Baixo Mondego, como o milho trazido da América, o que em tempos de paz trouxe prosperidade à região. O que não evitou a decadência nos séculos seguintes, agravada pela perda de protagonismo face à elevação da Figueira da Foz a vila, em 1771. Mas a introdução da cultura do arroz nos terrenos alagados à volta da povoação no início do século 19 trouxe novo desenvolvimento, mantendo-se até hoje a principal riqueza e economia do concelho – o arroz carolino é a estrela maior. Lá em baixo, junto à água, concorrência quase à altura só encontraremos no Centro Náutico de Montemor-o-Velho, com as suas pistas para a prática de desportos náuticos, nomeadamente canoagem, remo, natação e triatlo.

Igreja de Nossa Senhora da Alcaçova
Capela de S. João
Paço das Infantas

O Castelo tem uma planta irregular e ovalada, adaptando-se à topografia, com cerca principal (com diversas torres) e barbacã envolvente e castelejo para lá delas. De características góticas e manuelinas, a maioria das construções que chegaram aos nossos dias são do século 14, mas a torre de menagem é anterior, do século 12 / 13. No interior do castelejo está a Igreja de Nossa Senhora da Alcaçova, talvez de origem românica, mas muito alterada na época manuelina, século 16. Possui ainda torre do relógio e, junto a esta, Capela de Santo António, bem como a ruína do Paço das Infantas (cuja construção original é atribuída a Dona Urraca, no século 10) e a ruína da Capela de S. João.

O Castelo de Montemor-o-Novo está, igualmente, instalado no alto de uma colina, desta vez sobranceira ao rio Almansor. Mas agora é a largueza da planície alentejana que domina o panorama. O lugar também terá tido ocupação romana (talvez um castro pré-histórico romanizado) e muçulmana, tendo estes últimos aqui implantado uma povoação fortificada, sobre a qual o Castelo terá sido construído. Conquistado aos mouros, D. Sancho I concedeu foral a Montemor-o-Novo em 1203, no sentido de a povoar, e terá iniciado aí o desenvolvimento do castelo. Ao longo dos tempos, o castelo e muralhas foram tendo diversas intervenções e este foi cenário de alguns momentos da história portuguesa. Desde logo, o facto de nos séculos 15 e 16 – época de maior apogeu da vila – a realeza ter passado temporadas em Évora fez com que a vila vizinha fosse palco das cortes e que o rei permanecesse no Paço dos Alcaides. Mais, terá sido em Montemor-o-Novo que, em 1496, D.Manuel I tomou a decisão de mandar descobrir o caminho marítimo para a Índia. Ainda, a povoação a que D. Sebastião conferiu o título de “Vila Notável” viria, séculos mais tarde, a ser reduto da resistência durante a Primeira Invasão Francesa comandada por Junot, em 1808, e durante a Guerra Civil Portuguesa o seu castelo funcionou como quartel-general das tropas liberalistas do Duque de Saldanha.

O espaço intra-muralhas do castelo já esteve cheio de vida, ocupado por igrejas, mosteiros, casas nobres e a povoação que, com o tempo, se desenvolveu e alargou encosta norte afora, para o arrabalde. Hoje está ao abandono e em ruína, deixando à imaginação como teria sido. A Igreja de São João Baptista, a Igreja de Santiago, o Convento de Nossa Senhora da Saudação, a Igreja de Santa Maria do Bispo e o Paço dos Alcaides são algumas dessas estruturas, abandonadas já desde o século 18 e hoje em ruína.

Entramos no Castelo de Montemor-o-Novo pela Porta da Vila, também designada por Porta Nova ou Porta de Santarém. Antecede-lhe a Casa da Guarda, com o escudo e as armas de D. Manuel, e tem junto a ela a Torre do Relógio (relógio instalado em 1499). Se na vila a viramos em destaque, enquadrada pelo casario, agora é a vez de do alto, por entre as muralhas com ameias, cubelos e torres, passarmos a admirar o emaranhado urbano de Montemor.

A este do castelo destaca-se o Convento de Nossa Senhora da Saudação (século 14, com claustros joaninos, painéis de azulejos e frescos), a Igreja de Santiago (século 14, com pinturas murais dos séculos 17 e 18, agora Centro Interpretativo do Castelo de Montemor-o-Novo) e a Porta de Santiago ou Porta do Sol, tendo a seu lado a Torre da Má Hora, com ameias. Diz a lenda que este nome, “Torre da Má-Hora”, vem do episódio em que, uma noite, um mouro se esqueceu de fechar a Porta do Sol e as tropas de D. Afonso Henriques, que cercavam a vila, aproveitaram para a conquistar aos muçulmanos.

Para sul, num dos três cabeços da colina, temos as ruínas do Paço dos Alcaides. Construído no século 14 na área da alcáçova, este era o principal edifício intra-muralhas da vila, sendo ao mesmo tempo fortificação e palácio. Possuía elementos decorativos de influência mudéjar. Junto ao Paço estava a Igreja de São João Baptista e a cisterna.

E, finalmente, a noroeste do castelo encontramos as ruínas da Igreja Santa Maria do Bispo (século 14), de que resta o portal gótico com elementos manuelinos e umas parcas paredes, e a Torre e Porta do Anjo ou do Bispo. Pese embora o abandono a que o Castelo de Montemor-o-Novo foi votado pelo tempo e pelo homem, a sua visita é uma viagem enriquecedora pela arquitectura e arte de várias épocas, engrandecida pela paisagem envolvente.

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