O Mosteiro da Madre de Deus foi fundado em 1509, pela Rainha D. Leonor, mulher de D. João II, em Xabregas, Lisboa. De Clarissas Xabreganas, teve desde sempre os favores do poder real. Entre a sua arquitectura manuelina, maneirista, barroca e revivalista neomanuelina, fruto das intervenções que foi tendo ao longo dos tempos, destaca-se o esplendor do barroco da igreja. Agora, o mosteiro é a casa do Museu Nacional do Azulejo, forma de preservar e integrar diferentes identidades portuguesas.

À época da sua fundação, o que é hoje a zona oriental de Lisboa estava longe do centro, sendo um lugar de quintas à beira rio – e as águas do Tejo vinham mesmo até à igreja do mosteiro, tendo havido até a necessidade de se construir um cais para a proteger. Tinha, todavia, a companhia de alguns palácios, como é exemplo o Palácio dos Marqueses de Nisa, igualmente construído no século 16.




As primeiras freiras chegaram logo em 1509, data em que a igreja do mosteiro começou a ser construída. Desde o início, os vários reis foram-no apoiando, quer com a concessão de benesses e dádivas, incluindo diversas obras de arte vindas de outros locais, quer com as sucessivas campanhas de obras. É também por isso que vamos vendo as armas reais pelos seus espaços. E a Rainha D. Leonor, fundadora não apenas deste Mosteiro, mas também das Misericórdias e de outras obras de caridade, fez-se aqui sepultar, em campa rasa. Não foi uma mulher feliz. O príncipe D. Afonso, seu filho e único herdeiro do trono, havia morrido num acidente de cavalo e depois de ficar viúva decidiu viver em clausura. Longe da Corte, terá criado o Paço Real de Enxobregas, cujos terrenos se confundiam com o Mosteiro da Madre de Deus e com o Palácio dos Marqueses de Nisa. O Terramoto de 1755 implicou reconstruções posteriores, mas a extinção das ordens religiosas, em 1834, não teve melhores consequências: a riqueza decorativa que o mosteiro foi acumulando ao longo dos tempos ver-se-ia distribuída para os palácios reais e para o Museu Nacional de Arte Antiga. Foi então que, depois de adquirido pelo Estado em 1867, parte das suas dependências foram transformadas em Asilo D. Maria Pia, para recolhimento e casa de correção de menores, hoje instalações da Casa Pia de Lisboa. Mas com a condição de que a igreja e dependências imediatas fossem destinadas a um museu, para exposição de obras que integravam o espólio do mosteiro. E, assim, em 1965, foi fundado o Museu do Azulejo, primeiro como secção do Museu Nacional de Arte Antiga e, depois, em 1980, autonomamente como Museu Nacional do Azulejo. Este é um dos mais visitados de Lisboa, dedicado a uma arte que nos fomos habituando a observar um pouco por todo o lado, incluindo nas ruas das nossas cidades. O azulejo é parte da nossa identidade, e aqui é possível traçar a sua história no nosso país, desde os finais do século 15 até aos nossos dias. Mais, neste museu é-nos apresentado o azulejo em diálogo com outras artes. Estão lá todos os nossos maiores artistas e após a visita ficamos com a certeza de que não houve quem conseguisse evitar trabalhar com esta peça de cerâmica.





Muito há a destacar neste maravilhoso Museu, mas um dos pontos altos é o Grande Panorama de Lisboa. Atribuído a Gabriel del Barco (1649-1703), veio do Palácio dos Condes de Tentúgal, em Lisboa, e neste enorme painel de azulejos, a azul e branco, é representada uma larga vista panorâmica da Lisboa e arredores antes do Terramoto de 1755.


E, assim, à boleia da visita ao Museu do Azulejo aproveitamos para conhecer o Mosteiro da Madre de Deus. A fachada mais imponente é a que lhe serve de entrada. Em estilo revivalista neomanuelino, datado do século 18, possui um portal lateral cheio dos típicos entrelaçados daquela arte, vendo-se ainda as armas de D. João II (o Pelicano) e de D. Leonor (a Rede). As janelas são mais simples e na platibanda descobre-se uma série de elementos decorativos, quais merlões de castelo, com flores, esferas e cruzes de Avis em alto-relevo.





Já no interior, a igreja é o que mais deslumbra. De estrutura maneirista, de uma só nave, está profusamente decorada com azulejos e pintura. Azulejos em tom azul e branco, portugueses e holandeses, com representação de santos eremitas e personagens do Antigo Testamento. E pintura portuguesa, com cenas da vida de Cristo, de Maria, de Santa Clara e de São Francisco e, no arco triunfal, a glorificação da Virgem, com a sua Assunção. Em baixo, a coroa e o escudo de Portugal, luminosos, em talha dourada. A talha, maioritariamente joanina, marca ainda presença no retábulo-mor e no púlpito, ambos em estilo rococó, bem como na decoração que os acompanha, como colunas, baldaquinos, festões, anjos e querubins. Uma festa.




O Coro Alto é também um deslumbre. Em mais um grande momento do barroco português, a sala está ocupada com cadeiral de pau santo e hiper decorada com pinturas emolduradas em talha representado a vida de Cristo e de Maria, datadas do século 17 e 18; a Coroação da Virgem é da autoria de André Gonçalves. E chama a atenção o enorme tabernáculo em talha dourada, com colunas torsas e cheio de figuras, aí se distinguindo as três Virtudes Cardeais, Deus Pai e as armas régias (de D. José). Há ainda espaço para o revestimento azulejar das janelas recuadas, conferindo o azul e branco do azulejo como que um descanso a tanta demanda dos sentidos.



Antes havíamos passado pela Sala do Capítulo, que antecede a igreja, igualmente com muita talha dourada, seja na moldura das pinturas, no retábulo ou nos altares laterais, um dedicado à morte de Cristo e outro a Nossa Senhora da Boa Morte, ambos do século 18 e que terão estado ou na capela mor ou na sacristia.

E passámos também pelo Antecoro (ou Capela de Santo António). Decorado na época de D. João V, possui soalho de madeira do Brasil e painéis de azulejo com a representação da vida dos santos eremitas Santo Antão e São Paulo. Tem também pinturas da autoria de André Gonçalves sob a temática dos milagres de Santo António nas paredes e no tecto, bem como uma capela dedicada a este santo, daí o seu nome. Junto ao antecoro, há ainda a destacar o presépio monumental em exposição no mosteiro desde há alguns anos (depois de ter estado quase 200 anos encaixotado). De carácter realista, foi executado por volta de 1700 e é atribuído a Dionísio e António Ferreira, destacados barristas barrocos; possui inúmeras figuras em barro policromado, dedicadas à temática do Nascimento de Jesus, mas em sua companhia, para além dos costumeiros Reis Magos, anjos, querubins e pastores, retrata também o povo, sendo esta alusão ao seu quotidiano uma acertada contraposição às restantes peças que vamos vendo no museu, sobretudo encomendas dos ricos e poderosos.

O claustro maior do Mosteiro é simples, em estilo maneirista, com dois andares e uma fonte ao centro.



O outro, mais pequeno, designado claustrim, é totalmente diferente, mais exuberante. Na zona mais antiga do convento, era na origem um pequeno pátio que albergava a fonte de Santa Auta, cuja água se acreditava ter propriedades curativas, mas foi profundamente remodelado no século 19, seguindo projecto revivalista de José Maria Nepomuceno. De forma rectangular, o espaço tem agora o estilo neomanuelino, com colunas e arcos e os capitéis com decoração vegetalista. Mas há aqui uma surpresa: um deles apresenta um comboio a vapor, facto estranho que se explica por a estação de Santa Apolónia ter sido inaugurada poucos anos antes e o arquitecto ter desejado celebrar deste modo o feito. A envolvente do claustrim está toda revestida a azulejos, igualmente aqui colocados no século 19, vindos de outros espaços do mosteiro. E, claro, diversos exemplares em azulejo de diferentes épocas e temáticas, expostos um pouco por todo o convento, a lembrar a sua nova e pujante vida.