O Mosteiro de São Vicente, em Lisboa, foi fundado por D. Afonso Henriques, em 1147, logo após a conquista de Lisboa aos mouros e exactamente no local onde se encontrava instalado um dos acampamentos dos cruzados. Então entregue aos cónegos da Ordem Regrante de Santo Agostinho, recebeu a designação “Fora” por estar para lá da Cerca Moura, os muros da cidade. No entanto, o conjunto monacal tal como o conhecemos hoje é resultado da campanha de reconstrução promovida por D. Filipe I, no século 16, como afirmação política da nova dinastia, sendo mesmo a obra maior do período filipino. É pioneiro do maneirismo no nosso país, um exemplo de sobriedade e simplicidade, mais tarde ricamente decorado pela dinastia de Bragança. Actualmente, parte do edifício acolhe a Cúria do Patriarcado de Lisboa. Como destaque, para além da igreja do mosteiro, a sua belíssima sacristia, o panteão real dos Bragança, a cisterna do século 12 integrada no primeiro Mosteiro de São Vicente de Fora e o facto de aqui estar a maior colecção de azulejaria barroca do mundo.

Logo em 1582, o primitivo edifício do mosteiro foi demolido e iniciada a construção da nova igreja. Se ainda hoje é grande o impacto visual da imponente fachada a sobressair nos recantos das estreitas ruas do medieval bairro de Alfama, que dizer do impacto que terá provocado há quase cinco séculos? À época da sua construção, a introdução de uma fachada com duas torres constituiu uma novidade, uma dignidade que só costumava ser atribuída às catedrais. Mas não apenas a sua escala produziu espanto, também a qualidade da arquitectura ainda hoje se gaba. Lugar de arquitectura maneirista e barroca, o convento está organizado ao redor de dois claustros e nos seus três andares estavam as dependências conventuais, como os refeitórios, cozinhas, casa do capítulo, capelas, dormitórios e outros espaços. Típico do maneirismo, a simplicidade, simetria e equilíbrio são evidentes. No entanto, o portal principal evidência a exuberância do barroco.




Iniciemos a visita pela portaria, a sala mais impressionante do convento. Esta era a sua entrada nobre, onde eram recebidos os convidados mais ilustres. Durante o reinado de D. João V, foi ricamente decorada com azulejos, pinturas e embutidos no pavimento, atribuindo-lhe o carácter faustoso e de grande aparato que ainda hoje podemos testemunhar. A pintura mural do tecto rouba as atenções, obra do florentino Vincenzo Baccarelli, datada de 1710, representando o “Triunfo de Santo Agostinho sobre a Heresia”. Foi ele quem introduziu no nosso país a técnica “trompe l’ oeil” (enganar o olho), em que de forma ilusória se ampliam os espaços através de pinturas de arquitecturas perspectivadas. Esta pintura é uma das poucas a terem sobrevivido ao Terramoto de 1755. Mas nesta sala, que no início do século 20 foi transformada em capela, há ainda que apreciar os azulejos que revestem as paredes. Para além da função decorativa, serviram para expressar uma narrativa de conteúdo nacionalista, segundo a qual a dinastia de Bragança procurava sobrepor-se em relação à antecedente, a Filipina, na sequência da Restauração de 1640 – esta é, pois, uma sala que celebra a volta de Portugal aos portugueses. Os painéis azulejares representam aqui três grandes temas: os cónegos regrantes do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra a colaborar com o primeiro rei de Portugal, os grandes feitos de Afonso Henriques e demais reis relacionados com o mosteiro.


Seguem-se, nesta visita, salas com exposição sobre o Patriarcado de Lisboa, mostrando quem foram os Patriarcas de Lisboa e algumas peças com valor histórico ou artístico pertencentes ao Patriarcado, bem como uma breve história contextualizando o cristianismo em Portugal.





Os claustros do Mosteiro de São Vicente são dois, já se disse. Construídos na segunda metade do século 17, por encomenda de D. Filipe I, são sóbrios, ideais para a sua função de servir como espaço de recolhimento, reflexão e oração. Têm a revesti-los inúmeros painéis de azulejos, os primeiros datados da segunda metade do século 17, colocados logo após a Restauração, e depois ao longo de todo o século 18 e também início do século 19. Representam sobretudo cenas de cariz profano, reproduzidos a partir de gravuras que representavam o quotidiano da aristocracia francesa, com cenas de caça, pesca, paisagens, danças – este mosteiro é um dos monumentos com mais azulejos barrocos in situ, com mais de 100 mil em cerca de 222 painéis. E, claro, os claustros dão acesso a importantes dependências do mosteiro, como a igreja, sala do capítulo, biblioteca, sacristia e refeitório.



A Igreja é o lugar mais sagrado do mosteiro. Originalmente mandada construir por D. Afonso Henriques, o seu principal orago é São Vicente, o padroeiro da cidade. Estava em muito mau estado de conservação quando D. Filipe I a mandou reconstruir, em 1582, segundo projeto de Filippo Terzi, e constitui um dos primeiros exemplos do maneirismo em Portugal. Em 1629 foi aqui celebrada a primeira missa e após a destruição de que foi alvo, em consequência do Terramoto de 1755, por cima do altar (de autoria de João Francisco Ludovice) foi construído o monumental baldaquino em estilo barroco (por Machado de Castro), e o órgão histórico completamente revestido a talha dourada. Mantém-se, porém, toda a sua simplicidade, bem expressa na cobertura da nave.



A Sacristia, concluída em 1716, está junto à Igreja, como é costume, mas aqui com a singularidade de estar entre os dois claustros. É uma beleza. O seu interior tem as paredes ricamente revestidas de mármores policromos embutidos. Tem ainda dois grandes arcazes de jacarandá e o busto em relevo de D. João V, bem como bustos de bispos e o altar com pintura de André Gonçalves representando “Nossa Senhora e Santos”. O tecto está pintado a óleo e tem representado ao centro “Agnus Dei”, o cordeiro de Deus, e medalhões laterais com iconografia do mosteiro. Sob o pavimento foram encontrados túmulos antropomórficos do século 12 onde provavelmente foram sepultados cavaleiros da segunda cruzada que ajudaram D. Afonso Henriques na conquista de Lisboa.



O Mosteiro tem ainda algumas capelas, como a Capela Palhavã (que servia de apoio às procissões realizadas nos claustros, e onde estão sepultados alguns filhos legitimados de reis e, sob o solo, corações e vísceras de vários elementos da dinastia de Bragança, conservadas em potes de porcelana chinesa com formol) e a Capela de Santo António (que viveu no Mosteiro os seus primeiros tempos enquanto monge). E tem dois panteões. O Panteão dos Patriarcas está desde 1952 instalado na antiga sala do capítulo e, à excepção dos primeiros 5, estão aqui sepultados os cardeais patriarcas de Lisboa.




O Panteão Real dos Bragança é mais imponente. D. João IV, fundador da dinastia, havia escolhido este mosteiro para acolher o panteão da família, como forma de reafirmar a legitimidade ao trono, associando-se ao fundador do reino e fundador do mosteiro. O panteão estava, assim, na Igreja, mas em 1854, após a morte de D. Maria II, o seu marido D. Fernando de Saxe-Coburgo decidiu passar o panteão para o espaço que até à extinção das ordens religiosas, em 1834, havia funcionado como refeitório do mosteiro. Todavia, o que hoje visitamos é o resultado de obra efectuada durante a década de 1930 (Estado Novo), sob projecto de Raul Lino. À entrada do panteão vemos a imagem da padroeira de Portugal, Nossa Senhora da Conceição, também símbolo da Casa de Bragança. E ao centro e em destaque, túmulos de elementos da última família real portuguesa, bem como a escultura “Dor”, de Francisco Franco, representando uma figura feminina que chora as mortes de D. Carlos e do príncipe D. Filipe, na sequência do regicídio em 1908.



Há ainda que dar relevo aos vestígios existentes da Cisterna, o grande reservatório utilizado para recolha e conservação da água da chuva, depois utilizado para as actividades domésticas e agrícolas do mosteiro, ainda em funcionamento. Parte da estrutura remonta à época de D. Afonso Henriques. E também ao antigo claustro, construído durante intervenções no mosteiro no reinado de D. João III (1521-57). Este está sobre a cisterna complementar, que era o segundo reservatório de água, construído em consequência do aumento de consumo de água no mosteiro – há vestígios das paredes de tijolo desta cisterna. Conservam-se ainda duas das alas que envolviam o pátio e parte do pavimento cerâmico original.



E, por fim, há que não perder a subida até ao terraço do Mosteiro de São Vicente de Fora, para usufruir das suas grandes vistas. Percorrendo o extenso terraço, começamos por ficar lado a lado com as duas torres da igreja, apreciando-as de bem perto, e depois temos uma vista de pássaro sobre os dois claustros. E, claro, deste miradouro admira-se o Tejo em todo o seu esplendor, com os seus inseparáveis vizinhos deste canto da cidade, nomeadamente, o bairro de Alfama e o Castelo de São Jorge, de um lado, e o Panteão, do outro. Mais um grandioso momento de Lisboa.