Convento de Nossa Senhora de Jesus (Igreja das Mercês e Academia das Ciências de Lisboa)

O Convento de Nossa Senhora de Jesus, incluindo igreja e hospital, foi fundado nos finais do século 16. Da Ordem Terceira de São Francisco, o convento juntou frades regulares, mas também seculares. A cerca do convento ia até onde está hoje o Liceu Passos Manuel, construído em 1903, e dos espaços visitáveis mantém-se a Igreja das Mercês e a Academia das Ciências, incluindo o Museu Geológico. Ao redor, a uma curta distância, estão bairros como o Príncipe Real, Bairro Alto, São Bento e Santa Catarina, com diversos outros antigos conventos e instituições importantíssimas na nossa vida administrativa e cultural. Estamos, pois, no centro de Lisboa.

Academia das Ciências
Igreja das Mercês

A Igreja das Mercês, também conhecida por Igreja de Nossa Senhora de Jesus, viu ser celebrada a primeira missa em 1623. Muito afectada pelo Terramoto de 1755, acabou por ser reconstruída nessa sequência. A extinção das ordens religiosas, em 1834, ditou a saída dos franciscanos e a instalação da paróquia das Mercês na igreja. Uma das imagens mais icónicas da sua fachada é proporcionada pela Rua do Vale, enquadrando-a junto com a escadaria no casario lisboeta.

Igreja das Mercês – altar-mor
Igreja das Mercês – capelas laterais
Igreja das Mercês – órgão
Igreja das Mercês – Coro Alto, cadeiral
Igreja das Mercês – Coro Alto

Em estilo maneirista e barroco, o interior possui uma nave única que nos conduz ao altar-mor e diversas capelas laterais. Muito há para admirar, entre talha dourada e pintura seiscentista e setecentista. O tecto possui decoração a estuque, atribuída a João Grossi. A subida até ao coro alto (onde está o órgão lateral e uma série de cadeirais talhados e medalhões com figuras de santos) implica a passagem por uma sala com tecto de madeira com pinturas. Espreitando pelas janelas, a vista é bem bonita, vendo-se o casario e até um nesga do Tejo.

Igreja das Mercês
Igreja das Mercês – vista
Igreja das Mercês – Sala de Passagem
Igreja das Mercês
Igreja das Mercês – Sacristia

Até chegarmos à Sacristia passamos por nova sala, a chamada Sala de Passagem, a qual terá servido, precisamente, de passagem entre a Igreja e o Hospital de Jesus. Tem as paredes e o tecto integralmente revestidos a azulejo, com temática relacionada com Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Portugal, e com a Virgem Maria, num grande momento da azulejaria barroca. Na Sacristia, mais azulejos e uns pequenos túmulos.

Academia das Ciências
Academia das Ciências

A Academia das Ciências foi fundada em 1779, com aprovação régia de D. Maria I. Reuniu pela primeira vez no Palácio das Necessidades, em 1780, e esteve em vários lugares da cidade, até que em 1833 – note-se, um ano antes da extinção das ordens religiosas – fixou-se no Convento de Jesus da Ordem Terceira de São Francisco, por decisão de D. Maria II, local onde ainda se encontra. Na génese da criação da Academia das Ciências esteve o facto de os séculos 17 e 18 serem épocas onde por toda a Europa se estavam a criar academias científicas com o objectivo de impulsionar a investigação e divulgar e promover a aplicação de novos conhecimentos científicos e técnicos. As Ciências estavam então em alta (embora, em Portugal, a ciência já tivesse tido um ponto alto durante os séculos 15 e 16, com a era dos Descobrimentos, particularmente nos domínios da astronomia, biologia, cartografia, geografia, matemática, ciência farmacêutica e ciências náuticas; porém, a esta fase seguiu-se um declínio que se prolongou até meados do século 18). Os cientistas mantinham contacto directo com os seus pares, através da apresentação e publicação de memórias, actas, jornais científicos e outros. Eram criadas bibliotecas, laboratórios e observatórios, e instituídos prémios para trabalhos de investigação. Apoiava-se os cientistas. Portugal seguiu, pois, o mesmo rumo e, assim, surgiu a Real Academia de Ciências, a qual teve como grande impulsionador o 2° Duque de Lafões (D. João Carlos de Bragança de Sousa Ligne Tavares Mascarenhas da Silva), auxiliado pelo Abade Corrêa da Serra (José Francisco Corrêa da Serra) – ambos viveram no estrangeiro e aí desenvolveram o seu interesse pelas ciências. Do núcleo de fundadores faziam ainda parte o 6° Visconde de Barbacena (Luís António Furtado do Rio de Mendonça e Faro) e Domingos Vandelli (professor da Universidade de Coimbra e grande defensor da ideia de que a ciência tinha de ser útil). A Academia teve, desde o início, protecção régia, com privilégios como o de livre acesso dos académicos aos arquivos do reino e o facto de as obras académicas deixarem de estar sujeitas a censura, bem como permissão dos livros impressos pela Academia poderem ser transportados livremente para qualquer parte do território. O seu objectivo maior era o de promover a Ciência e o Ensino, para o progresso e prosperidade do país, através da aplicação dos novos conhecimentos, do incentivo do desenvolvimento científico e cultural e da divulgação desses conhecimentos. Na sua fundação, compreendia 3 classes – ciências naturais, ciências exactas e belas-artes. Mais tarde, em 1851, foi reorganizada em 2 classes – ciências e letras (nas Ciências 6 secções: matemática, física, química, ciências naturais, ciências médicas e ciências aplicadas e história das ciências; nas Letras 6 secções: literatura, estudos literários e linguísticos, filosofia e pedagogia, história e geografia, direito e sociologia e economia política). Os seus membros ainda são escolhidos por mérito em actividades académicas ou científicas, entre sócios efectivos e sócios correspondentes nacionais e estrangeiros.

Academia das Ciências – Sala Maynense
Academia das Ciências – Sala Maynense
Academia das Ciências – Museu Maynense
Academia das Ciências – Museu Maynense

Historicamente, a Academia das Ciências possuía uma íntima relação com os frades franciscanos, e alguns eram também seus sócios, estando igualmente dedicados ao ensino. Um deles era o Frei José Mayne (1723-1792), de origem irlandesa, também um dos membros fundadores da Academia, cujo retrato surge logo à entrada da visita à Academia. O padre foi coleccionando diversos objectos de história natural e desejava criar uma aula para o ensino dessa disciplina, que, apesar da sua grande curiosidade científica, na sua visão teria igualmente uma explicação teológica. Não chegou a criar a dita aula, mas deixou fundos para a Academia o fazer e doou-lhe o Museu de História Natural, que o passou a administrar a partir de 1792. Daqui resultou o Museu Maynense, integrado na Academia das Ciências e que podemos visitar. Possui diversas secções, como História Natural, Física e Etnografia (cultura índia do Amazonas, com várias máscaras Jurupixuna, uma tribo peculiar nos seus costumes, com máscaras representando animais e entidades antropomórficas), uma galeria de quadros e uma colecção de moedas e porcelanas. Está igualmente exposta uma importante colecção de instrumentos científicos da velha aula de Phisica (Gabinete de Física), fundada pelo frei logo nos inícios da Real Academia das Ciências. E visitamos a Sala Maynense, em sua homenagem.

Academia das Ciências
Academia das Ciências

O Convento foi muito alterado por sucessivas reconstruções, tendo o Terramoto de 1755 causado grandes danos, quer na igreja quer nos espaços conventuais. E ao longo dos tempos foi tendo diversas utilizações, tendo estado mesmo na origem da Faculdade de Letras (como antecedente, em 1859 foi aqui instalado o Curso Superior de Letras, depois de 1910 designado Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, só deixando este lugar em 1964).

Academia das Ciências – Claustro
Academia das Ciências – Claustro
Academia das Ciências – Claustro
Academia das Ciências – Claustro (cisterna)

As suas várias dependências desenvolvem-se ao redor do Claustro. Em estilo maneirista, tem forma quadrangular e alas de dois pisos, com arcos de volta perfeita. Ao centro do claustro, depois de passarmos por canteiros e bancos revestidos a azulejos, encontramos a cisterna, um poço fundo, que resistiu ao Terramoto e que, apesar de não ser utilizada, continua operacional.

Academia das Ciências – Sala das Sessões
Academia das Ciências – Sala das Sessões

A bonita Sala das Sessões era o lugar do antigo refeitório do convento. Nela vemos duas ordens de cadeirais para os académicos e o busto do Duque de Lafões.

Academia das Ciências – Museu (antiga cozinha)
Academia das Ciências – Museu (antiga cozinha)

E na antiga cozinha funciona agora o museu da Academia.

Academia das Ciências

A sala que antecede o Salão Nobre possui retratos dos fundadores da Academia das Ciências, ou seja, Duque de Lafões e Correia da Serra, e também pintura com Genealogia dos Reis de Portugal até à fundação da Academia pela Rainha D. Maria I.

Academia das Ciências – Salão Nobre
Academia das Ciências – Salão Nobre
Academia das Ciências – Salão Nobre

O espaço mais deslumbrante é o Salão Nobre, correspondente à biblioteca do antigo convento, reconstruído depois do Terramoto de 1755, ao que parece pago por Frei Manuel do Cenáculo. E, ao que parece, também os franciscanos acharam a biblioteca tão sumptuosa que acabaram por doá-la à cidade. O Salão está todo revestido com estantes de talha dourada e policroma e tem uma galeria contínua a todo o comprimento e largura, o segundo piso acessível por escadas em caracol, cada uma no seu canto. O tecto é outro encanto. Pintando por Pedro Alexandrino de Carvalho, tem ao centro as Virtudes, representando as Ciências, rodeadas por anjos que, por sua vez, representam o conhecimento. Veem-se ainda, a todo o perímetro do Salão, uma série de bustos de personalidades notáveis executados pela Real Fábrica de Faiança do Rato na década de 1930 e, num dos topos, um medalhão com a representação de D. João VI e sua mulher Carlota Joaquina, que inauguraram a Biblioteca em 1795, e no outro um relógio dourado.

Academia das Ciências – Salão Nobre
Academia das Ciências – Salão Nobre

Dada a ligação à Academia, a biblioteca conventual não se perdeu, ao contrário do que aconteceu com muitas outras depois da extinção das ordens religiosas, em 1834. Ao longo de todos os espaços do antigo Convento contam-se cerca de 1 milhão de livros, de várias espécies, e o mais difícil é mesmo encontrar uma sala sem pelo menos um livro. A Academia possui, pois, uma das três mais importantes bibliotecas do país e, à semelhança da Biblioteca Nacional, também é responsável pelo armazenamento do Depósito Legal, onde um exemplar de todo o artigo, livro ou texto publicado em Portugal, é arquivado. Entre os seus valiosíssimos livros e manuscritos, destacam-se um exemplar da 1ª edição dos Lusíadas, a Crónica Geral de Espanha (séculos 13 e 14), o Missal de Estêvão Gonçalves (1610), o Livro de Horas da Condessa de Bertiandos (século 16), o Livro dos Brasões, o Livro das Armadas (de 1497 a 1563). E a Academia desempenhou um papel de relevo na cultura e ciências portuguesas, através da publicação de trabalhos notáveis, nos quais se incluem edições fac-similadas de manuscritos, edições limitadas de livros antigos como o Livro das Armadas, Colóquios dos Simples e Drogas de Garcia de Orta, Obras de Pedro Nunes (século 16) e o Atlas de Lázaro Luís (1563).

Academia das Ciências
Academia das Ciências

A Academia das Ciências proporciona visitas guiadas ao seu edifício, sujeitas a marcação prévia, e o mesmo acolhe ainda o Museu Geológico.

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