O Parque e Palácio de Monserrate é um dos lugares de Sintra que todos desejam visitar. Situado na encosta norte da Serra de Sintra e parte do Parque Natural Sintra-Cascais, esta zona próxima do Oceano Atlântico, com temperaturas mais baixas e precipitação mais elevada do que nas regiões adjacentes, e um relevo declivoso e rico em água, permitiu-lhe o desenvolvimento de uma densa vegetação. Uma vegetação exótica, com espécies vindas dos cinco continentes, rodeada de inúmeros caminhos sinuosos, lagos, riachos e cascatas artificiais e falsas ruínas, cenograficamente em diálogo com elementos vitorianos e ao gosto oriental, resultando num perfeito ambiente romântico. É, junto com o Parque da Pena, o melhor exemplo do conceito de jardim romântico em Portugal.

À semelhança do que verificamos no Parque da Pena, seu parceiro da Serra de Sintra, a floresta nativa de Sintra consistia sobretudo de carvalhos. Foi a acção do homem que alterou progressivamente o coberto vegetal, principalmente pelas actividades agrícolas e de pastorícia aí desenvolvidas, sendo que no século 18 a Serra já se encontrava desflorestada. No século 19, a moda da criação de jardins inspirados pelo romantismo e o gosto de colecção de espécies exóticas vieram alterar por completo a Serra de Sintra, dando-lhe a imagem que hoje temos dela. E Monserrate teve nisso um papel preponderante. Porém, a sua história começou bem antes. O seu nome surge na sequência de uma peregrinação que Frei Gaspar Preto efectuou, em 1540, ao Eremitério Beneditino de Monserrat, na Catalunha; de volta, mandou construir uma capela em homenagem a Nossa Senhora de Monserrate, na Quinta da Bela Vista, em terrenos do Hospital de Todos-os-Santos, de que o Frei era reitor.




Mais tarde, no início do século 17, a propriedade foi aforada a um fidalgo da família Mello e Castro, então em Goa (um dos seus elemento chegou a ser Vice-Rei da Índia), tendo ficado administrada por procuradores que a arrendaram para exploração agrícola. Foi nessa sequência que, em 1790, a quinta foi arrendada a Gerard DeVisme, comerciante inglês há muito radicado em Portugal (tinha o monopólio do comércio do pau-brasil, conferido pelo Marquês de Pombal), que a escolheu por ser um sítio remoto e o mais semelhante aos ares da sua pátria, conveniente para a saúde e descanso actividade comercial. Ao mesmo tempo, e apesar de aqui ter permanecido poucos anos, mandou construir um palácio acastelado neogótico e criou espaços ajardinados decorados com estatuária. Em 1794 subarrendou a quinta a William Beckford, aristocrata e romancista inglês, que continuou os trabalhos no palácio e no jardim, mas deixou-a por volta de 1799, iniciando-se assim o processo de abandono da casa e da quinta. Não obstante, o lugar foi visitado por muitos viajantes e artistas ilustres, como Lord Byron, em 1809, e por eles descrito (como a inglesa Mariana Baillie, em 1821) e pintado (em 1840, uma litografia de Manuel Luiz, com desenho de Célestine Brélaz, retrata o palácio de Monserrate sem telhado sobre o corpo central; em 1849, um quadro a óleo de Hoffmann, Monserrate aparece visto da estrada de Colares já sem os telhados cónicos nas torres laterais; em 1852, uma gravura anónima da quinta retrata o edifício apenas com as paredes mestras, sem telhados, janelas ou portas). Foi, porém, Lord Byron que tornou Monserrate famosa, ao cantá-la, e à própria Sintra, dando força à experiência aqui vivida por Beckford, muito querido pelos ingleses. A quinta já estava em ruína, mas isso era apenas um detalhe que mais encantava os românticos.




Até que, por volta de 1856, apareceu na história Francis Cook, um rico negociante inglês, mas com uma enorme sensibilidade cultural, que acabou por comprar a Quinta de Monserrate e proceder à reconstrução do palácio e plantação do jardim – nele colocou várias peças que havia adquirido nas suas diversas viagens -, ampliando ainda progressivamente a quinta através da compra de propriedades confinantes. Francis Cook passou a residir em Portugal nos meses de Verão e em 1879 o rei D. Luís atribuiu-lhe o título de Visconde de Monserrate (e em 1886 Inglaterra concedeu-lhe o título hereditário de Baronet, passando a Sir. Francis Cook). Tendo morrido em 1901, os seus herdeiros mantiveram a propriedade, mas cerca de 2 ou 3 décadas depois procuraram vendê-la; vicissitudes várias, em 1946 o financeiro português Saúl Saragga acabou por comprá-la, o recheio do palácio foi posto a leilão e em 1949 foi vendida à Fazenda Nacional e, mais tarde, em 1968 entregue à Direcção-Geral das Florestas. Na década de 1990 o palácio esteve afecto ao Instituto Português do Património Arquitectónico e o parque ao Instituto da Conservação da natureza, sob gestão do Parque Natural Sintra-Cascais. Por fim, em 2000 a sua gestão foi entregue à Parques de Sintra – Monte da Lua que, no ano seguinte, adjudicou as obras de restauro do palácio, tendo o mesmo aberto ao público a visitas em 2010, ainda com os trabalhos em curso até 2016. Tivemos oportunidade de visitá-lo por duas ocasiões nessa época, mas agora voltámos, finalmente, já com os trabalhos concluídos e pudemos testemunhar a maravilha do seu resultado, ao mesmo tempo que aproveitámos para nos deliciarmos uma vez mais pelos seus encantadores jardins.




À entrada do Parque de Monserrate, encaminhamo-nos para o seu palácio, mas logo ficando totalmente envolvidos pela exuberante vegetação. Passamos por uma das várias minas de água (túneis escavados no subsolo por forma a aproveitar a água aqui existente em abundância, através de um sistema de condução da água por gravidade), por vários afloramentos rochosos (mais e mais poderosos se seguirão na outra vertente do parque) e pelo cromeleque (mandado construir por William Beckford, a designação remete para uma estrutura megalítica pré-histórica, mas desconhece-se a origem e função desta estrutura decorativa), até nos vermos junto à cafeteria do Parque e demais edifícios de apoio, como a bonita e singular Casa de Pedra, sede da Parques de Sintra. O majestoso palácio, com suas três torres circulares coroadas por cúpula, já se vislumbra.





Até que, atravessado o Arco Indiano, um arco ornamental que terá sido adquirido por Sir Francis Cook após a revolta dos Sipaios, na Índia, e o Caminho Perfumado, com pérgola ornamentada por glicínias e jasmin que deita para um tanque, ficamos diante de toda a beleza esmagadora do Palácio de Monserrate.





O Palácio de Monserrate possui uma arquitetura eclética e revivalista, abundante em pormenores decorativos, com influências neogóticas e neoárabes onde se nota igualmente uma forte influência hindu. Instalado numa plataforma elevada, antecede-o uma breve escadaria guardada por uns vasos de pedra decorativos e pela Fonte de Tritão, com forma humana sobre três peixes de corpos entrelaçados. Na fachada, destaque para as janelas ogivais, sucessão de colunas e revestimento a azulejos hispano-árabes.



O interior, após as referidas obras de restauro, é surpreendente. A Galeria e o Octógono, sobretudo, são um encanto, plenos de harmonia e revelando a absoluta simetria do palácio. O corredor de ligação entre as três torres do palácio e o átrio central estão pejados de colunas de mármore e arcos rendilhados com representações vegetalistas e de outras civilizações históricas, como a indiana e mourisca, mostrando-se como um verdadeiro pavilhão e funcionando como uma extensão das ideias representadas no jardim. Por todo o lado, a natureza é invocada, seja pelas decorações vegetalistas, seja pelo borbulhar da água na fonte ao centro do corredor, no átrio octogonal, ou pela luz na cúpula que a encima, decorada a estuque e correspondente ao torreão maior. O seu desenho octogonal remete para o período gótico, nomeadamente para a Capela do Fundador no Mosteiro da Batalha – e o mais curioso aqui é constatar a admiração que os ingleses tinham pela Batalha, tendo até efectuado o levantamento arquitectónico do monumento, dando asas ao revivalismo gótico que, depois, trouxeram de volta para Sintra.






Mas há mais espaços, como a Sala de Arte Sacra (além das peças, o vitral contribuía para o carácter cenográfico de ambiente religioso), a Sala de Jantar, a Biblioteca (com paredes forradas por estantes de madeira e uma incrível porta esculpida a alto relevo), a Sala da Música (correspondente ao torreão norte, com a cúpula belamente decorada em estuque com motivos florais dourados) e a Cozinha no piso inferior. Numa frase retirada da revista Ilustração Portuguesa, de 1904, e inscrita na exposição que é apresentada no interior do palácio lê-se “é uma casa onde o bem reside numa atmosfera quase sagrada à força de ser artística”. É o romantismo no seu melhor. As janelas do interior das salas do palácio vão deixando ver a paisagem exterior, num contacto profundo e intrínseco entre os vários elementos. E é para lá que vamos agora, rumo ao relvado que nos dá a mais icónica das imagens do Palácio de Monserrate.


Em declive acentuado, este relvado de estilo inglês (o primeiro em Portugal regado por um sistema de rega que permitia mantê-lo verde durante todo o ano) que se estende jardins do parque afora mistura espécies autóctones de origem Atlântico-Mediterrânica (como sobreiros, medronheiros, azevinhos, pinheiros, cedros e carvalhos) e espécies exóticas originárias de outros continentes (como o Metrosidero e a Araucária-de-Norfolk, imponentes árvores de grande porte, entre outras, incluindo fetos da Austrália). O enorme Metrosidero, da Nova Zelândia, domina a frente do palácio e é capaz de acolher uma família numerosa sob a sua copa. A Araucária-de-Norfolk, por sua vez, mais abaixo junto ao lago, é a maior árvore do parque, com 50 metros de altura.





Uma série de caminhos serpenteiam ao redor do palácio, desenhados de forma a nunca o perderem de vista e a criarem diferentes cenários e ambientes. E a vegetação ornamental vai sendo acompanhada de elementos construídos, como bancos, canteiros, estátuas e peças de água. Tudo foi projectado para parecer natural e espontâneo, de que é também exemplo a ideia de se implantarem nos espaços paisagistas elementos construídos intencionalmente em ruínas.



É o caso da capela em ruínas do Parque de Monserrate. No final do século 19, Francis Cook mandou retirar o telhado da capela construída por DeVisme (que por sua vez, foi construída sobre a capela original que deu nome ao Parque), destruiu as paredes interiores, plantou trepadeiras e abriu uma gruta onde colocou um sarcófago etrusco por ele adquirido em Roma em 1860. E assim criou propositadamente um cenário de ruína, um elemento construído totalmente domado pela vegetação, em especial a árvore-da-borracha, como se fosse uma Angkor portuguesa. Essencial ao conceito romântico-paisagístico do parque, aqui o ambiente enigmático e misterioso ganha força, deixando a nossa mente vaguear com a possibilidade de imaginar histórias e lendas eventualmente vividas no lugar. Tudo é cenário, mais um forjado ao gosto romântico. Apesar das semelhanças no exotismo da vegetação, diferentemente do que acontece na Pena, em que há a ideia de criar uma grande mata-virgem, em Monserrate tem mais força o carácter cenográfico e paisagista. Aqui é-nos provocado o despertar de vivências e memórias que associamos aos contos das mil e uma noites que Beckford e Byron tão bem traduziram; assim como a vegetação exótica vai-nos provocando sensações únicas, como se estivéssemos verdadeiramente numa floresta que originalmente só existe em paragens mais distantes.




O Jardim do México ocupa a vertente virada a sul, mais quente e seca, estruturada em patamares e preenchida com vegetação oriunda dos locais de clima seco, de que é exemplo o México. Em meados do século 19, as plantas mexicanas estavam em voga nos jardins europeus e, para poder ter a sua própria colecção, Francis Cook escolheu, precisamente, uma zona com grande exposição ao sol. Aqui destacam-se o taxódio-distico, o pinheiro-do-méxico, as iucas, os agaves e o dragoeiro.

O Parque acolhe ainda o Jardim do Japão, onde por entre as várias plantas asiáticas se destacam os bambus e as camélias;

O Roseiral, com cerca de 200 variedades de roseiras;

E o Vale dos Fetos, ou Jardim da Austrália, com uma notável colecção de fetos arbóreos, característica do estilo inglês da época, adquiridos pelo próprio Francis Cook nos seus locais de origem (zonas de clima tropical) e plantados neste vale virado a norte e mais húmido, de forma a recriar o ambiente que permitisse o desenvolvimento dos fetos australianos.




E não podiam faltar os lagos ornamentais. Artificiais, o maior está ao fundo do relvado e tem papiros, lótus e nenúfares junto à margem, e o mais pequeno tem uma cascatinha e está enquadrado pela Estrelícia-gigante, o Taxódio-do-méxico e a Búnia-búnia.


O elemento água mostra-se ainda em toda a sua pujança na Cascata de Beckford. Também artificial, foi construída por William Beckford, por entre penedos e plantas exóticas e com vista privilegiada para o palácio, e alimenta-se do riacho que a antecede. Represas artificiais garantem a constância da queda de água.

Próximo está o Arco de Vathek, um arco em pedra cuja designação remete para o personagem principal do romance de mesmo nome de Beckford e que terá sido em tempos a entrada principal de Monserrate. Encerrado aquando da nossa visita, voltamos prazerosamente no caminho e despedimo-nos da beleza que é este autêntico jardim botânico, com pitadas arquitectónicas orientais.