Sofia

Sofia é a capital da Bulgária. À semelhança de nós, portugueses, também para os búlgaros o nome da sua cidade lê-se sófia, acentuando o ó, e o nome feminino sufia, relaxando o tom ao mesmo ó. De resto, pouco em Sofia é comparável com as nossas cidades. Dominam ao seu redor as montanhas Vitosha e os blocos de apartamentos de habitação soviética marcam as suas entradas, com excepção da longa avenida que segue do aeroporto, com uma série de arranha-céus modernos já construídos e outros em construção. O centro da cidade, esse, apesar de vestígios antiquíssimos que fazem de Sofia a capital europeia moderna mais longamente habitada, é sobretudo um conjunto de edifícios vindos do final do século 19 e meados do século 20, uma vez que a cidade foi muito destruída por bombardeamentos durante a Segunda Grande Guerra Mundial. Cabem lá, por isso, arquitectura romana, bizantina, otomana, soviética e um quê de francês com o agradável boulevard Vitosha.

Escolhida para capital em 1879, após a liberação da Bulgária face aos otomanos, é uma das mais recentes capitais europeias, não obstante ser habitada desde há milénios. Foi Serdica, uma antiga povoação Trácia de cerca de 8 séculos a.C., e posteriormente ocupada por tribos celtas, romanos, eslavos, otomanos até aos búlgaros de hoje. O mais interessante é que esta perspectiva de ocupação tão longa no tempo só foi mais claramente percebida na década passada, no momento em que escavações entre 2020-2012 durante a reconstrução de partes centrais de Sofia e construção da segunda linha do metro revelaram vestígios de antigos edifícios por baixo do boulevard Maria Luiza, junto à estação de metro Serdica. Desse modo, está agora exposto a céu aberto o Complexo da Antiga Serdica, uma área de cerca de 6000 m2 da época que remonta há dois milénios em que Sofia era Serdica, uma capital provincial romana fundada no século 1, nomeadamente, 6 ruas, 2 basílicas do início do cristianismo, termas e 5 edifícios com funções residenciais, produção e comércio, para além de mosaicos. Serdica / Sofia deve a sua existência ao facto de ser lugar de nascentes naturais de águas termais, e aqui não podemos deixar de assinalar a paixão dos romanos pelos banhos e o facto de também os otomanos valorizarem essa faceta social.

Comecemos, então, este passeio por Sofia pela chamada Praça da Tolerância, coração da cidade, onde em poucos metros encontramos um edifício de culto com origem no período romano, uma igreja medieval, uma igreja ortodoxa, uma igreja católica, uma mesquita e uma sinagoga, revelador das várias camadas de que Sofia é feita. A catedral Sveta Nedelya, ortodoxa, foi construída em 1863 e o seu interior escuro possui murais de estilo bizantino. Em 1925 foi palco de um ataque à bomba levado a cabo pelos comunistas e que tinha como alvo o tsar de então. Dizem os búlgaros, com graça, que apesar de ter havido mortos e destruição da igreja, a tentativa falhou dada uma característica muito búlgara: o facto de o tsar ter chegado atrasado à cerimónia que então aí aconteceu.

Pouco mais adiante, a pequena igreja medieval de St Petka Samardzhiiska, construída no final do século 14, nos primeiros anos do período otomano, foi dedicada aos albardeiros. Aí perto, a estátua de Santa Sofia.

E dela já se vê bem próximo o minarete da mesquita Banya Bashi, construída em 1575, aberta ao culto dos muçulmanos. Eram muitas mais as mesquitas de Sofia que, com excepção desta, acabaram ou destruídas ou destinadas a outros fins, para além de diversas igrejas terem sido também convertidas em mesquitas durante o domínio otomano. Ou seja, a partir de meados do século 15, Sofia sofreu alterações no modelo urbano e tornou-se um importante centro administrativo do novo império. Diz-se que, então, os seus habitantes eram coloridos – apesar de por volta do século 17 a maioria da população ser muçulmana, Sofia continuou um centro cristão, mas também arménio e judeu. Eram temos de prosperidade.

Se da igreja ortodoxa e da igreja medieval vê-se a mesquita, desta vê-se igualmente, do outro lado da rua, a igreja católica e a sinagoga. A Sinagoga de Sofia, construída em 1909, é a maior sinagoga sefardita da Europa, um belo exemplar de arquitectura em estilo romântico nacional búlgaro a que não faltam evidentes pormenores mudejares. O interior pode ser visitado, depois de uma revista exaustiva por parte dos seus guardas, para constatarmos que a beleza não está apenas na fachada.

Já de volta ao outro lado do boulevard Maria Luiza, o mais surpreendente é encontrar um dos segredos mais bem guardados da cidade, a Rotunda de São Jorge. O mais antigo monumento arquitectónico de Sofia, e ainda conservado, tem origens no império romano. De forma cilíndrica e com cúpula alta, terá sido construída no início do século 4, no tempo do imperador Constantino, que visitou Serdica várias vezes e terá deixado dito ser esta a sua Roma, época em que Serdica era uma das maiores e mais importantes cidades da península balcânica. Originalmente, terá sido destinada ao culto de um santo mártir (ou seria o edifício onde se controlava a temperatura dos banhos de um edifício vizinho?) e, depois do édito de Milão que promulgou o cristianismo, em 313, a Rotunda foi transformada em baptistério para as conversões em massa à nova fé e, no século 6, em igreja, datando dessa data as primeiras pinturas no interior. À semelhança de outras, no século 16 a igreja foi transformada em mesquita e as pinturas apagadas e substituídas por motivos florais. Depois da liberação face aos otomanos, foi negligenciada e acabou por servir de mausoléu para Alexander Battenberg até à construção do seu próprio mausoléu. 1915 trouxe nova vida para a Rotunda, tendo sido reconstruída e as pinturas em camadas de diferentes épocas limpas e descobertas, voltando a ser igreja até aos nossos dias.

Mas porquê considerar a Rotunda de São Jorge surpreendente e um segredo bem guardado? Porque, na verdade, não está à vista nem à beira de um ou outro boulevard; pelo contrário, está implantada numa espécie de pátio rodeada por enormes e densos blocos de estilo soviético. Os comunistas pensaram fazer deste pátio garagem, destruindo a igreja, mas, ao invés, decidiram cercá-la com os ditos blocos, longe dos olhares de possíveis fiéis.

Perto fica o edifício que até 1989 era a Casa do Partido Comunista; tinha a encimá-lo a estrela vermelha (a imagem da sua retirada através de um helicóptero tornou-se icónica) e a poucos metros em linha recta, do outro lado da avenida, a estátua de Lenin, entretanto substituída pela estátua de Santa Sofia.

Outro dos edifícios de maior destaque na cidade, quer pela linha arquitectónica quer pelas tonalidades e motivos decorativos da fachada, é aquele que serviu de antigos banhos e há poucos anos foi transformado em Museu de História de Sofia, sem que os habitantes se conformem com esse destino. Construído no século 20, já no reino da Bulgária, à sua volta vê-se uma série de fontes de águas termais, de água quente, do género das nossas Chaves e Vidago, onde os locais se vão abastecer munidos de inúmeros garrafões.

O edifício é muito bonito e o interior mantém os traços originais dos hall e salões, ao mesmo tempo que apresenta a história da região e do país desde os primeiros milénios de povoamento. Em especial, é apresentada a história de Serdica / Sredets / Sofia, território com rico passado, na rota entre a Europa e o Médio Oriente.

Não muito longe, o Museu Nacional de Arqueologia é outro espaço museológico imperdível. Está instalado na antiga mesquita Büyük (grande), construída em 1494, sendo o edifício mais antigo de Sofia do período otomano. Este excelente museu apresenta objectos de antigas culturas e civilizações no território da Bulgária (trácios, helénicos, romanos, bizantinos, búlgaros e otomanos), em especial uns vasos e peças zoomórficas do Calcolítico, uma máscara funerária em ouro do túmulo trácio de Svetitzata, em Shipka, e uma estátua em bronze da cabeça de Apolo, de Serdica, para além de diversos ícones.

E para quem não prescinde de conhecer a arte – pintura – que se fez / faz nas cidades que se vai visitando, o Kvadrat, parte da Galeria Nacional, possui uma enorme exposição permanente, dividida em três pisos, com mais de 1600 obras da Bulgária e restante mundo. Vimos aqui umas telas do pintor local Genko Genkov que logo tomaram a nossa atenção, e multiplicámos a dose com a exposição temporária que lhe estava dedicada na Galeria de Arte da Cidade de Sofia por ocasião do 100° aniversário do seu nascimento.

Junto a esta galeria está o Gradska Gradina (Jardim da Cidade) emoldurado com o Teatro Nacional Ivan Vazov, provavelmente uma das imagens mais bonitas de Sofia. É um pedaço de verde, mesmo no centro da cidade, muito concorrido para se estar sob as sombras das árvores ou para se jogar xadrez. O Palácio Real, relativamente modesto na sua arquitectura (hoje Museu Etnográfico), fica por aqui, sobressaindo a calçada de tijolo amarelo na estrada que passa por ele e segue até ao edifício da Casa do Partido Comunista. Sem ser exuberantemente monumental, Sofia tem uns quantos edifícios, igrejas e praças que é fácil apreciar.

Um dos exemplos de monumentalidade que se sucedem neste centro é a Catedral de Alexandre Nevsky. Símbolo da cidade e do país, foi construída entre 1882 e 1912, em memória dos soldados russos que morreram na guerra turco-russa que trouxe a liberação da Bulgária, daí o nome da catedral, uma homenagem ao príncipe guerreiro russo do século 13. Em estilo neo-bizantino, sobressai a sucessão de cúpulas, umas verdes e outras douradas, um conjunto que é uma maravilha.

Mais discreta, ao seu lado está a igreja Sveta Sofia (Santa Sofia) – sagrada sabedoria de Deus -, uma das mais antigas da cidade. Foi ela que deu o nome à cidade de Sofia, que antes era conhecida por Serdica; conta-se que os antigos, quando chegavam à cidade viam-na à entrada, instalada num ponto mais elevado, e exclamavam: “lá está Sofia”. E assim ficou. Foi construída no século 6, no meio da maior necrópole de Serdica, e nas suas fundações ainda hoje preserva túmulos datados desde o século 3 a 5 e restos de igrejas mais pequenas. A arquitectura está associada à das primeiras igrejas cristãs da Ásia Menor. Reconstruída diversas vezes ao longo dos séculos, na época otomana chegou a ser usada como armazém para troféus de guerra. No fim do século 16 foi convertida em mesquita e depois destruída por um terramoto e desde 1900 é um dos símbolos do brasão de armas de Sofia. Em frente à igreja está a transcrição do édito da tolerância, o primeiro acto oficial a marcar a adopção do cristianismo no império romano, emitido pelo imperador Galerius (Galério) em Serdica, em Abril de 311, que precedeu o já referido édito de Milão, emitido dois anos depois.

São muitas as zonas verdes da cidade, uma surpresa, lugares aprazíveis para se deixar estar, como o Parque Zaimov ou o Jardim do Doutor e o imenso Parque Borisova para lá do estádio do Levski e do CSKA. Também ao redor do Palácio Nacional da Cultura há espaço verde suficiente para relaxar. Este edifício de escala monstruosa é um complexo multifunções, acolhendo desde congressos a concertos, teatro e exposições. Foi oficialmente inaugurado em 1981 e uma das grandes dinamizadoras do projecto foi a filha de Todor Zhivkov, o ditador comunista que governou o país por 35 anos. De arquitectura moderna, pode considerar-se algo disruptivo em relação ao mais costumeiro cinzentismo e austeridade da arquitectura soviética, embora este tipo de monumentalidade seja mais próprio de países totalitários. A ironia da coisa é que da sua varanda exterior panorâmica são visíveis reclames publicitários típicos do capitalismo, com o logotipo do MacDonalds à cabeça, logo no início do boulevard Vitosha.

E já que falamos de arquitectura da época soviética, vale a pena a visita ao Museu de Arte Socialista, pólo da Galeria Nacional, com pinturas e esculturas dessa época. Os Lenines, Dimitrovs e Zhivkovs que andavam pela cidade foram recolhidos e depositados neste edifício e jardim às portas do centro de Sofia (e diz-se, sem que haja unanimidade, que a estrela vermelha que encimava a Casa do Partido Comunista até à queda do regime é aquela que nos recebe à entrada deste Museu).

No entanto, ainda vamos encontrando alguma arte soviética pelas ruas do centro, com destaque para o mais famoso deles, o Monumento do Exército Soviético, com um soldado de armas em punho no alto de um pedestal com 37 metros de altura. Em baixo, um grupo de miúdos certamente alheios a cenas bélicas preocupa-se em inventar novas manobras com os seus skates.

Dito isto, Sofia é uma cidade com vida e movimento e consegue, ao mesmo tempo, ter um ar moderno e de outro tempo. No centenário Zhenski Pazar, conhecido como bazar das mulheres – porque na época otomana só neste lugar podiam as mulheres sair para fazer as compras -, por exemplo, vende-se fruta e legumes (com preços inacreditavelmente baratos para os nossos padrões), flores, objectos de casa e roupa algo datada. E aqui relembro a ideia trazida pela minha tia quando visitou a cidade na década de 1980, de que nada havia para comprar e as lojas estavam vazias ou com artigos do século passado – olhando ainda hoje para algumas montras, a sensação é que há aspectos que não parecem ter mudado assim tanto. É verdade que muito mudou, mas um certo ambiente de aldeia ainda resiste logo para lá do centro de Sofia. No entanto, no boulevard Vitosha e ao seu redor a história é outra.

Na mais bonita e famosa rua de Sofia, em especial o seu troço pedestre, as lojas, cafés e restaurantes da moda fazem dela uma cidade vibrante e apelativa, com um centro compacto e fácil de visitar. Infelizmente, acabámos por não visitar as montanhas que lhe dão nome, cheias de trilhos, lagos e cascatas, uma natureza bruta às portas da cidade que tem o bairro de Boyana e igreja no seu sopé. Tudo contributos que fazem de Sofia uma cidade surpreendente e com atractivos para todos os gostos.

Deixe um comentário