Há meses, alguém perguntou para onde iria eu de férias este ano. Quando ouviu a resposta “para o Cáucaso”, virou-me as costas ao mesmo tempo que atirava “isso a mim não me diz nada”. É precisamente por haver locais do mundo que não me dizem nada que gosto de os visitar e quanto menos conhecidos, melhor. Espero, porém, que não desistam já de ler as próximas linhas e tenham, como eu, curiosidade em descobrir o mundo.
“Enquanto alguns especialistas consideram a região a sul da cadeia montanhosa do Cáucaso como pertencente à Ásia, outros são da opinião, tendo em conta, sobretudo, a evolução cultural da região transcaucásica, que esta já pertence à Europa. Cabe-vos pois a vós, meninos, decidir, consoante o vosso comportamento, se esta nossa cidade irá pertencer à moderna Europa ou à retrógrada Ásia.”
Assim discursava o professor russo do Liceu Humanista Imperial Russo de Baku frente aos seus 40 alunos – 30 muçulmanos, 4 arménios, 2 polacos, 3 sectários e 1 russo – no princípio do século XX, como podemos ler em “Ali e Nino”, de Kurban Said.
“Ali e Nino” pode ser o livro nacional do Azerbaijão, mas o romance entre um muçulmano e uma cristã, num lugar onde os seus habitantes não estavam ainda certos de pertencer ao oriente ou ao ocidente, perpassa grande parte do Cáucaso, focando diversos locais seus e com personagens de várias etnias aqui presentes.
Esta a primeira grande ideia: o Cáucaso é historicamente um lugar de cruzamento de civilizações e ainda hoje o visitante se interroga em que mundo estará.
Certo que as montanhas do Cáucaso são a divisão geográfica natural entre Europa e Ásia. Situadas entre o Mar Negro e o Mar Cáspio, abrangendo parte do Sul da Rússia (a Ciscaucásia, os Cáucaso do Norte) e países como a Arménia, Geórgia, Azerbaijão (a Transcaucásia, ou Cáucaso do Sul), esta região não possui, no entanto, uma unidade. Pelo contrário, é caracterizada pela sua diversidade quer de paisagens e climas quer, sobretudo, de culturas.
Mas as várias culturas coexistiram pacatamente ao longo de séculos, de tal forma que antes da I Grande Guerra Mundial eram mais os muçulmanos do que os cristãos em Yerevan, capital da cristã Arménia, e mais os arménios do que os georgianos em Tbilisi, capital da Geórgia. Vários impérios iranianos mesmo antes dos designados persas andaram por aqui. Foram os citas, por exemplo, que terão estado na origem da palavra “Cáucaso”, a qual derivará de kroy-khasis, literalmente “gelo a brilhar”.
Referindo-me, de seguida, à Transcaucásia em especial, cada um dos seus três países possui a sua língua e alfabeto e cada um deles tem a sua cultura e religião. Na generalidade, o zoroastrismo dominava até ao século I a.C., mas a Arménia foi a primeira nação do mundo a adoptar oficialmente o cristianismo logo no ano de 301 e ainda hoje tem a sua própria Igreja Apostólica Arménia, a Geórgia foi a segunda nação a seguir o cristianismo com a criação da sua Igreja Ortodoxa e o Azerbaijão segue o islão. Mais de 50 grupos étnicos estão aqui identificados.
Vizinhos, sim, mas nem por isso amigos. Esta complexidade cultural tem trazido muitos conflitos na região nos últimos anos e as relações diplomáticas entre os estados nem sempre têm sido fáceis.
Comerciantes a caminho da Rota da Seda e exércitos como o dos mongóis passaram por aqui. Gregos e romanos chegaram aqui mas foram os iranianos, persas e otomanos a cultura dominante durante muitos séculos, mas no primeiro quartel do século XIX os russos impuseram-se e tomaram conta da região. Com o fim do Império Russo em 1917 o Cáucaso do Sul chegou a estar unificado numa única entidade política, com declarações de independência pelo meio por parte de cada um dos seus estados. Só após a desintegração da União Soviética em 1991 a Arménia, a Geórgia e o Azerbaijão declararam e conseguiram a sua independência. Mas se o fim da URSS levou ao reconhecimento universal da independência destes três estados (bem como ao de muitas outras ex-repúblicas soviéticas), as disputas territoriais na região levaram a que desde aí outros três declarassem unilateralmente a sua independência sem que tenham até agora sido reconhecidos como tal pela comunidade internacional. São eles a Abecásia, a Ossétia do Sul e o Nagorno-Karabakh (também designado Artsakh pelos arménios). E se pensarmos que a Chechénia é parte do Cáucaso do Norte temos o cenário completo do caldo que é esta região.
Ou seja, andar pelo Cáucaso é andar perto de regiões que nos habituámos a ouvir e a ver nos noticiários pelas más razões (o filme Tangerinas, de 2013, sobre a guerra entre a Geórgia e a Abecásia, é uma boa referência para se entender um pouco mais acerca destas relações de vizinhança em tempos de guerra).
No entanto, apesar dos diversos conflitos e de muitas fronteiras terrestres encerradas entre eles, a Arménia, a Geórgia e o Azerbaijão são países bastante seguros.
À partida levávamos pelo menos uma ideia acerca de cada um deles. A Arménia foi a primeira nação a adoptar o cristianismo e diz a lenda que a Arca de Noé apareceu no seu território ancestral; as montanhas da Geórgia são das mais bonitas do mundo e aqui ficam dos picos mais altos da Europa (o filme O Planeta Solitário, de 2011, confirma o cenário de beleza); a capital do Azerbaijão é uma cidade onde têm vindo a ser construídos projectos arquitectónicos contemporâneos arrojados à conta do petróleo e do gás.
Aprofundámos estas ideias e juntámo-lhes mais umas quantas.