San Miguel de Allende está situada nas montanhas centrais do México, a umas 4 horas de agradável viagem de autocarro desde a capital. O seu nome é uma curiosa homenagem a dois homens: Juan de San Miguel e Ignacio Allende.
Juan de San Miguel foi um frade franciscano que tinha a sua missão nos arredores da actual cidade quando, um dia, os seus cães abalaram para El Chorro em busca de um clima mais fresco e, em seguida, também o frade mudou a sua missão para aqui. E assim se fundou a cidade em 1542. Era então a San Miguel de los Chichimecas, povo de indígenas. Aqui mesmo, depois da árdua conquista por parte dos espanhóis, viriam estes a fundar em 1555 a vila a que chamaram San Miguel el Grande. As duas povoações, protegidas por rochas altas e alimentadas por águas e outros recursos naturais, tudo partilhavam, incluindo a geografia. Um cronista do século XVIII dizia então que esta vila de San Miguel el Grande gozava de “temperamento muito são, ares benignos e águas doces”.
Mas o século seguinte viria a mostrar que não eram apenas os ares e as águas da cidade que tinham um temperamento de destaque. Também os seus homens, com realce para um deles, Ignacio de Allende, mostrariam a fibra de que San Miguel era feita. A região, incluindo as povoações de Querétaro e de Dolores, para além de San Miguel el Grande, foi o berço das primeiras conspirações e insurreições, em 1810, pela independência do México face ao domínio espanhol. Os primeiros insurgentes (nome de rua, avenida, metro, tudo e mais alguma coisa, no México), Juan Aldama, o padre Miguel Hidalgo (nome que viria a ser acrescentado à actual cidade de Dolores) e Ignacio Allende, logo foram presos e executados, e demorada seria a guerra entre os rebeldes e as forças leais a Espanha. Foram precisos 11 anos para que 1821 trouxesse finalmente a independência do México e com ela o estatuto de mártir conferido a Ignacio de Allende e, pouco depois, a renomeação da sua cidade natal para San Miguel de Allende.
Depois de um ocaso e quase abandono após a Guerra da Independência, a cidade foi perdendo proeminência. Só a partir de meados do século passado é que vários artistas, entre escritores, pintores e fotógrafos, para aqui vieram, atraídos pela luz da cidade. Muitos deles americanos, incluindo o pessoal da Geração Beat – não é certo que Jack Kerouac tenha passado por San Miguel, mas Neal Cassady acabou mesmo por morrer aqui.
De qualquer forma, este quase abandono da cidade fez com que ela se preservasse intacta e serena até aos nossos dias, sendo hoje muito procurada por estrangeiros para viver ou aqui passar temporadas, principalmente americanos.
Distinguida pela Unesco como Património da Humanidade, San Miguel de Allende é, de facto, um lugar precioso. Sobretudo pela sua arquitectura colonial e a sua luz. A luz natural e a luz que emana dos seus edifícios.
A cor é o que mais seduz, uma paleta que vai do amarelo torrado, passando pelo vermelho ocre ou o vermelho vivo, à vez, até ao tom pastel rosa da Parroquia, a original igreja que é um dos grandes símbolos da cidade. Até os táxis verdes se juntam a esta espécie de arco-íris.
As ruas estreitas empedradas deixam ver casas simples, mas sempre coloridas, com elementos decorativos nas fachadas, para além das suas belas janelas e balcões, algumas embelezadas com flores. As suas esquinas possuem cruzes trabalhadas e amiúde veem-se fontes – a testemunhar a riqueza do lugar em água – que mais parecem trabalho de artista.
E muitas das vezes as casas simples dão lugar a mansões ou antigos conventos, hoje tornados serviços públicos ou hotéis. Os seus claustros e/ou pátios são mais um motivo de beleza.
Sobretudo ao redor da cidade de Guanajuato, igualmente nome do estado onde fica San Miguel de Allende, a região é rica em recursos minerais e os barões da prata tinham as suas casas precisamente em San Miguel, não só pelo clima agradável mas também porque esta ficava na rota do Camino Real que levava a dita prata até à Cidade do México.
E, depois, há uma mão cheia de igrejas. Tantas e tão juntas umas às outras que é impossível guarda-las todas na memória. O seu interior não é do mais esplêndido que já visitámos, mas as suas fachadas, coloridas como não podia deixar de ser, cativam e surpreendem pela sua originalidade ou até excentricidade.
A Parroquia, por exemplo, a tal em tons pastel rosa, também conhecida por “bolo de casamento”. A igreja é do século XVII, mas a sua torre neo-gótica com uns estranhos pináculos foi-lhe acrescentada no século XIX depois de um artista indígena local ter visto – e tentado reproduzir – a imagem de uma igreja belga num postal.
O bonito Templo do Oratório San Filipe Neri também tem a fachada em tom rosa, mas o seu estilo remete para um barroco indígena. O seu interior é provavelmente o mais bonito e rico da cidade.
Mas o vizinho Templo de La Salud, com uma concha na fachada, ganha o prémio de mais original. Depois disto, fica difícil gabar o equilíbrio do Templo de San Francisco.
A piada de San Miguel de Allende está, no entanto, em caminhar pelas suas ruas. A Calle Aldama foi até eleita pela revista Architectural Digest como a 4ª rua mais bonita do mundo. O que sei é que este é o lugar mais fotografado da cidade e é aqui que o charme de San Miguel de Allende ganha ainda mais intensidade.
Pode parecer contraditório dizer que a piada está em caminhar pelas ruas e, depois, dizer que é obrigatório visitar um dos seus muitos rooftops. Mas é isso mesmo. Uma forma de sentir San Miguel é subir até a um bar ou a um restaurante nos telhados magicamente aproveitados. O Luna Tapas Bar do Hotel Rosewood é um dos mais concorridos, um pouco mais afastado do centro, mais muitos outros, até colados à Parroquia, proporcionam bons momentos.
Para se ver uma panorâmica da cidade, vale a pena subir para lá do Parque Benito Juárez até a El Chorro, o tal lugar onde San Miguel foi fundada depois dos cães do padre de mesmo nome aqui terem vindo buscar abrigo.
De volta ao centro da cidade, um fim de tarde / noite no concorrido El Jardín, diante da Parroquia, é ideal para sentir o pulso da movida. Os mariachis animam ainda mais o ambiente com as suas serenatas a pedido.
E para se conhecer mais da história de San Miguel, junto a El Jardín fica a casa onde Allende nasceu, hoje Museu Histórico de San Miguel de Allende.
E como a cidade é poiso de artistas, não poderia deixar de ser forte em artesanato. O Mercado de Artesanias segue uma linha que vai cortando várias ruas da cidade e prolonga-se por um bom espaço, com muita oferta, e alusões aos ícones do país.
Um pouco mais afastada do centro fica a Fabrica La Aurora, outrora uma fábrica têxtil, hoje transformada em espaço que acolhe diversas galerias de arte. É esta criatividade materializada nestes dois espaços, Mercado de Artesanias e Fabrica La Aurora, um de arte popular e outro de arte mais selecta, que atrai todo o tipo de estrangeiros, sejam os artistas em busca da inspiração que San Miguel lhes oferece, sejam os meros turistas em busca do bom gosto.
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