Guanajuato

Se há lugares improváveis para se estabelecer uma cidade, o de Guanajuato é um deles. Encravado entre montes, os seus edifícios foram-se erguendo num vale. O que acontece é que o tempo fez com que as encostas desse vale fossem também sendo tomadas pela urbanização. Assim uma espécie de mini La Paz a metade da sua altitude.

Do alto do Monumento a El Pípila a vista que daí se obtém mostra com precisão essa evolução. É um confuso emaranhado de casas, todas coloridas, protegidas pelos montes ainda cobertos de verde que se sucedem ondulantes. Até à enorme estátua a Pípila sobe-se de funicular, para a mais de 2000 metros de altitude poupar pernas e coração. E aqui se descobre a personagem, que a história não tem unanimemente como real, representante da gente simples e pobre de Guanajuato, trabalhador das minas locais, que em 28 de Setembro de 1810 ateou fogo à Alhondiga – e por isso está de archote na mão – permitindo aos insurgentes a sua primeira vitória na batalha pela independência dos mexicanos face aos espanhóis.

Logo aos primeiros minutos na cidade, no lugar do monumento a Pípila aprendemos muito sobre ela. A sua geografia, a sua urbanização, a sua gente indómita.

A fundação de Guanajuato (literalmente “monte das rãs” na língua indígena local) em 1559, terra quase que perdida no meio do centro montanhoso do México, deve quase tudo aos filões de prata e outros recursos minerais valiosos que uma década antes os espanhóis haviam descoberto na região e os tinha deixado loucos. Em dois séculos, do estado de Guanajuato foi extraída 40% da prata mundial.

Descemos do topo do miradouro de Pípila, agora já não pelo seu funcionar mas a pé, pelas suas ruas estreitas e sinuosas, boas para nos perdermos no caminho. Só que este acaba por enganar pouco, é sempre para baixo. Já cá em baixo descobrimos alguns edifícios coloniais, muitas igrejas, ficamos frente a frente com as casas coloridas e percebemos que as estradas procuram vencer as ravinas e aqui e ali são forçadas a adentrar por túneis que outrora foram rios. Esta geografia é mesmo muito curiosa.

E se a piada de San Miguel de Allende é caminhar pelas ruas, o encanto de Guanajuato é descobrir as suas múltiplas praças.

Comecemos pela do Jardín de la Unión: esta praça-jardim é muito peculiar e bonita. De planta triangular, está totalmente coberta por árvores figueira-asiática e rodeada de restaurantes e bares nas laterais e a igreja de San Diego no topo. São as copas das árvores que fazem com que o jardim tenha uma cobertura natural que a protege do sol e lhe dá um ambiente idílico, ainda para mais com a companhia de um coreto.

Junto ao Jardin de la Unión fica a Basílica Colegiata de Nossa Senhora de Guanajuato e a sua Plaza de la Paz, ideal para se descansar enquanto se aprecia uma paleta, os gelados de pauzinho com todos os sabores que já se imaginou.

Um pouco mais adiante aparece a Plaza de Los Angeles com as suas escadarias que cercam uma fonte e as suas casas coloridas. É desta praça que se sobe até ao Callejón del Beso, uma daquelas tretas para turista ver, uma rua estreita onde duas varandas quase que se tocam que, conta a história, serviu de cenário para o amor tormentoso entre uma filha de boas famílias e um mineiro, que, vizinhos, aqui trocavam beijos furtivos.

E, depois, mais três praças se sucedem: a Plaza de San Fernando, a Plaza de San Roque e o Jardín de la Reforma. Todas elas pitorescas e cheias de vida, até porque ainda para mais nelas costumam assentar arraiais diversas feiras, seja de produtos de artesanato, livros ou espectáculos ao ar livre.

E com isto atravessamos quase a cidade de uma ponta à outra e chegamos até ao Mercado Hidalgo e à Alhondiga. O Mercado é imperdível, não tanto pela sua arquitectura em vidro encimada por uma torre do relógio – originalmente pensado para ser uma estação de comboio – nem pelas suas bancas de venda – quer de vegetais, frutas, carne e peixe, quer de artesanato -, mas porque aqui se pode almoçar alguns dos produtos típicos da região. Igualmente, no adjacente Mercado Gavira, também conhecido como “mercado da comida”, existe uma série de pequenos restaurantes que disputam furiosamente os clientes.

A Alhóndiga de Granaditas, hoje Museu Regional, é um enorme edifício de estilo neoclássico construído originalmente para servir de armazém de grãos e sementes que abasteciam a região. É um símbolo da cidade porque foi aqui que se deu uma das primeiras vitórias dos insurgentes em 1810, a tal em que Pípila pegou fogo a centenas de espanhóis e seus apoiantes. Após essa data foi, sucessivamente, quartel, hospital, armazém, escola, fábrica de tabaco, prisão e, enfim, museu. Juntamente com o Museu del Pueblo de Guanajuato, é um espaço para se conhecer da história de Guanajuato – cidade e estado – e da arte dos seus habitantes.

Por falar em museus e habitantes de Guanajuato, foi aqui que em 1886 nasceu Diego Rivera. A casa de sua família e onde o artista muralista marido de Frida Khalo viveu os seus primeiros anos de vida foi transformada em Museu e Casa Diego Rivera e é mais um espaço de visita obrigatória.

Há pelo menos mais dois ícones nesta cidade classificada pela Unesco como Património da Humanidade que são imperdíveis. O fantástico Teatro Juárez começou a ser construído em 1873 mas só foi inaugurado em 1903 pelo então ditador Porfirio Diaz. A sua fachada preenchida por colunas não engana, o seu interior é igualmente grandioso. Passamos pelo lobby e pelo bar, espreitamos a escadaria monumental com esculturas em mármore e entramos na deslumbrante sala principal com o seu interior mourisco.

Para nós, portugueses, outra surpresa está guardada no salão nobre que servia de foyer para os convidados mais importantes: aí descobrimos uma escultura em bronze de Camões ao lado de outros escritores como Dante e Shakespeare.

O outro ícone da cidade é o edifício central da Universidade de Guanajuato. Construído nos anos 1950s, não é ainda hoje uma unanimidade. É inegável a ruptura arquitectónica que cria quando visto ao longe, do Monumento a Pípila por exemplo, uma enorme massa branca luminosa que parece destoar do amontoado colorido dos edifícios coloniais ou casas mais modestas. Mas quando visto ali mesmo, no seu lugar, já parece não destoar assim tanto. Pelo contrário, a sua escadaria monumental (quase 100 degraus) e a sua fachada com elementos renascentistas e neogóticos, que quase chega a parecer um castelo medieval, fazem deste conjunto excêntrico um momento feliz.

Guanajuato sempre teve tradição universitária. Hoje são mais de 20000 os estudantes na cidade e o ambiente educativo e cultural que à sua volta se vive faz com que aqui se realizem eventos de nomeada. O Festival Internacional Cervantino, que se celebra anualmente em Outubro, dá fama a Guanajuato.

Outra das suas instituições são as “callejoneadas” ou “estudantinas”. Não são apenas os estudantes que saem pelas ruas a animar a cidade, também os músicos profissionais têm um papel principal neste ambiente de festa. No fim da tarde, princípio da noite, grupos de músicos ou entertainers com vestes típicas convidam quem se queira juntar (muitas das vezes vendem um “bilhete” que servirá para oferecer uma bebida) para daí seguirem pelas ruas da cidade a contar histórias e a cantar. É pura animação e é difícil resistir. Ainda para mais, por essas horas no Jardín de la Unión estão lá também os mariachis para dar música a quem a queira ouvir – e somos muitos.

Para terminar este recorrido pela cidade de Guanajuato, e sem nos afastarmos quase nada do Jardín, apresentemos aquela que para mim é a mais mimosa das praças da cidade das praças, a Plazuela del Baratillo. Não é apenas a fonte no meio rodeada de edifícios coloridos, uma repetição nestas paragens. É também o movimento singelo das suas gentes. Dia e noite há sempre alguém que monta banca na rua ou abre uma janela a vender comida ou bebidas, não necessariamente sempre a mesma pessoa e bens na mesma banca ou janela, numa recriação constante a que nos juntamos com gosto.

E sendo Guanajuato uma região rica em recursos mineiros e tendo estes tido influência até na decisão da fundação da cidade, há que não deixá-la sem conhecer pelo menos uma das suas minas. La Valenciana, a meros 5kms do centro de Guanajuato, possuiu diversas minas, entre as quais as hoje visitáveis Bocamina San Cayetano e Bocamina San Román. Descobertas em 1548, as minas de La Valenciana atingiram o auge da sua extracção de prata no século XVIII. No século XX os trabalhos tornaram-se diminutos e hoje apenas algumas minas da região ainda laboraram. Visitámos a Bocamina San Cayetano, suspensa já há dois séculos, através de uma visita guiada com um antigo mineiro. A visita não é aterradora, nada que se pareça, embora quem sofra de claustrofobia possa entender o contrário. Descemos umas dezenas de metros terra adentro e com as explicações vamos tentando imaginar como era a vida e trabalho inimagináveis dos primeiros mineiros indígenas e daqueles que os sucederam até esta mina deixar de laborar.

Na pequena La Valenciana há ainda espaço para conhecer a Igreja de San Cayetano. Este é mais um exemplo do passado glorioso da região, em que a busca incessante dos espanhóis por encontrar o seu El Dorado os fez prometer a São Caetano que se encontrassem riquezas dignas de se ver construiriam um templo em sua honra. Encontraram-nas em La Valenciana, Guanajuato, e aqui está a Igreja de San Cayetano com o seu fabuloso interior com 3 altares plenos de talha dourada.

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